segunda-feira, 2 de maio de 2011

O HOMEM DIANTE DA MORTE (II)


 A Morte de Si Mesmo

Esta fase, a partir do século XI,  traduz uma atitude em que o homem começa a preocupar-se com a própria morte e com a vida no além.  Entretanto, adverte Ariès: “É preciso deixar claro que não se trata de uma nova atitude que irá substituir a que analisamos anteriormente, mas de modificações sutis que, pouco a pouco, darão um sentido dramático e pessoal a familiaridade tradicional do homem com a morte.” [p. 46]
Com a morte o homem se sujeitava a “uma das grandes leis da espécie”.  A questão do destino coletivo da espécie (morte)  ensejará, também, a preocupação com o destino particular de cada indivíduo. Ocorre que o homem passa a buscar “garantias” para sua vida após a morte,  através de “ritos de absolvição dos pecados”, donativos, missas rezadas após a morte e testamentos para a doação de bens à Igreja e aos pobres.
A questão do destino após a morte, a partir do século XI, tende a se inspirar em Mateus, com a questão  da “separação dos justos e dos injustos”, ou seja, o princípio do “juízo”. Cada um é “julgado” segundo o “balanço de sua vida”,  de acordo com as boas e más ações. Na verdade, inicia-se uma verdadeira “disputa” entre as forças do bem e do mal pela alma do moribundo. Há, naturalmente, toda uma construção do imaginário religioso medieval sobre a “luta cósmica” da dualidade bem-mal. A questão do juízo final ensejará toda uma análise consciencial por parte do moribundo, de forma   a revisar, na inquietude desse momento, seus atos e comportamentos durante a vida. 
Acreditava-se, portanto, que cada pessoa revê sua vida inteira no momento em que morre, podendo – nesse momento – arrepender-se de seus erros. Nesse sentido, surgiu uma crença popular segundo a qual não seria tão importante o viver virtuosamente “porque uma boa morte resgatava todos os erros”.
Para o historiador Philippe Ariès,  “Durante a Segunda metade da Idade Média, do século XII ao século XV, deu-se uma aproximação entre três categorias de representações mentais: as da morte, as do reconhecimento por parte de cada indivíduo de sua própria biografia e as do apego apaixonado às coisas e aos seres possuídos durante a vida.” [p. 58]   O ser humano, nesse período, passou a tomar maior consciência  de si mesmo, muito embora, despertar para um “apego” maior sobre a vida material. Isso identifica uma clara rejeição à morte, provavelmente, devido as incertezas futuras.
 Entre os séculos XIII e XVIII  observa-se que os rituais funerários passam a utilizar o caixão como forma de ocultar o corpo morto. Percebe-se, agora, uma preocupação também com o corpo.  Entre os séculos XVII e XVIII, veremos que o medo  de ser enterrado vivo.  A letargia, doença, de certa forma comum na época, provocava a perda temporária da sensibilidade e do movimento, criando o quadro para, a medicina incipiente da época, de que a pessoa estaria morta. Desse receio vai se originar vários ritos e cerimônias para atrasar o sepultamento, tais como velórios de 48 horas.
Diante do medo da morte aparente, surgem práticas curiosas. Por exemplo: chamava-se o defunto pelo nome três vezes; caso não desse  “sinal de vida”, consideravam-no morto. Não raro,  encontrava-se relatos de mortos que haviam “ressuscitados” a caminho do cemitério.  Nessa época, dizia-se que os médicos eram muito “afoitos” em confirmar a morte do indivíduo e, portanto, dignos de muita “desconfiança”.  Somente no final do século XIX, com os avanços da medicina, a autoridade dos médicos passou a ser melhor reconhecida.
Na Inglaterra, com o receio de ser enterrado vivo, surgiu a ideia de, ao fechar os caixões, amarrar uma tira no pulso do defunto, tira essa que passava por um buraco no caixão e ficava amarrada num sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do braço faria o sino tocar. Assim, ele seria  "salvo pelo gongo".
 
Fonte: ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. Trad. Priscila Viana. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.


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