sábado, 10 de abril de 2010

NO RITMO DOS ANOS 80...UM OLHAR SOCIOCULTURAL


Como esquecer a década de 80? Nessa época, o mundo passou por mudanças expressivas na geopolítica internacional, com impactos na sociedade e na cultura. O historiador britânico Eric Hobsbawm, em seu livro A Era dos Extremos, chegou a mencionar essa década como a "Era do Desmoronamento", tais os múltiplos eventos ocorridos nesse período que impactaram o mundo. Para nós brasileiros, essa década ficou profundamente marcada no contexto da transição para a redemocratização do país.
Aos poucos, um movimento foi tomando conta, mais e mais, da população brasileira que aspirava pelo retorno da democracia. No fim do ano de 1980, o Congresso finalmente aprova uma emenda constitucional que determinava a realização de eleições diretas para o governo dos Estados. Em 1982 a população, após um longo tempo, pode escolher seus governadores. Era o prenúncio da transição sonhada por tantos brasileiros. Nesse período, Leonel Brizola assume o governo do Rio de Janeiro, tendo como vice o antropólogo Darcy Ribeiro. Iniciava-se, nesse ritmo, a campanha das Diretas Já para presidente do país. Militantes de várias orientações políticas e ideológicas se uniram para reivindicar o fim do estado de exceção, numa onda de manifestações que tomou conta do Brasil.
A ditadura atingia altos índices de impopularidade! Sob a liderança do deputado federal Ulysses Guimarães, do PMDB, o movimento das Diretas Já ampliava seu espaço, imaginando-se a sucessão do último remanescente dos governos militares: o General Figueiredo. É nesse momento que o Deputado Federal Dante de Oliveira envia ao Congresso sua emenda propondo eleições “diretas já” para presidente. Em meio aos comícios e passeatas que agitaram o País, ainda sob as pressões do decadente regime, a emenda é rejeitada.
O impasse, no entanto, seria decidido seguindo-se a velha tradição do autoritarismo brasileiro, com a realização de eleições indiretas para a escolha do novo presidente. Seguia-se, agora, a corrida política em torno dos nomes que concorreriam as eleições majoritárias no âmbito federal. As eleições terminaram polarizadas em dois candidatos: Paulo Maluf, candidato do PDS (Partido Democrático Social) à sucessão de João Batista Figueiredo, e Tancredo Neves pelo Partido da Frente Liberal (PFL) como candidato de oposição. Em janeiro de 1985, o Congresso Nacional deu a vitória a Tancredo e seu vice, José Sarney. Chegava ao fim o regime militar que, por 21 anos, afastou a população brasileira das decisões políticas, amordaçando-a de maneira infame.
A década de 80 viu nascer a chamada Nova República no Brasil. Mas o povo acompanhou a inusitada doença do novo presidente, o repentino internamento às vésperas de sua posse, seguido de sua morte. Foram as contingências da vida, mais do que as armações políticas, que – nesse caso – conduziram José Sarney ao posto de presidente da república. Depois disso, a sucessão de planos econômicos do governo, na tentativa de conter os altos índices de inflação que o país atingia, promoveu o aparecimento de figuras populares como as donas de casa que, regularmente, monitoravam os preços dos alimentos nos mercados, zelando pelo “congelamento dos preços”. Quem não se lembra das “ fiscais do Sarney”?
No cenário televisivo brasileiro, o destaque foi José Abelardo Barbosa de Medeiros, o “Chacrinha”. Apresentador do programa de auditório de enorme sucesso, o Cassino do Chacrinha, foi responsável, com seu estilo singular, pela revelação de vários artistas no cenário musical brasileiro. Nos anos 80, tivemos uma verdadeira explosão do rock nacional. Bandas, saídas das garagens, passaram a ocupar a programação das rádios FMs, após fazerem sucesso no Programa do “velho guerreiro”.
O ritmo musical dos anos 80 foi bem diversificado. Ainda sob o forte impacto da ditadura militar, o rock brasileiro mostrou sua face contestatória nas letras da Plebe Rude, como nos rits: Proteção e Censura. Essa última tinha como refrão: “Unidade repressora oficial, a censura, a censura, única entidade que ninguém censura...” O chamado rock engajado discutia questões político-sociais mesclando um ritmo dançante com guitarras distorcidas e letras que criticavam, entre outros, o autoritarismo e o consumismo. Grupos como Ira, Legião Urbana e Titãs conquistavam cada vez mais o público adolescente da época.
Numa linha mais intermediária, mesclando letras românticas com críticas sociais, sobretudo investindo num estilo pop que permeava as danceterias, estava o RPM de Paulo Ricardo. Músicas como Alvorada voraz, Loiras geladas e Rádio Pirata embalaram e continuam embalando gerações. Por sua vez, o rock irônico e debochado dos grupos Ultraje a Rigor e Camisa de Venus assumiam o lado rebelde da juventude onde temas como sexo, ciúme, relacionamentos, regados a uma boa dose de humor, eram os destaques nas letras. Lembremos de: Inútil, Ciúme, Nós vamos invadir sua prária (do Ultraje), e Eu não matei Joana D´arc (do Camisa).
A rigor, o grande evento musical dos anos 80 foi realizado em janeiro de 1985. O evento que reuniu aproximadamente 1.400 mil pessoas, foi realizado no Brasil numa atmosfera geral de euforia no contexto da eleição de Tancredo Neves: o Rock In Rio. Foram 10 dias de muita música numa verdadeira “cidade do rock” (uma área de 250 mil m2 na Barra da Tijuca – Rio de Janeiro) num impacto internacional que colocou o Rio de Janeiro no roteiro dos grandes shows mundiais. Artistas nacionais como Pepeu Gomes, Barão Vermelho, Gilberto Gil, Rita Lee, Paralamas do Sucesso, entre outros, se apresentaram com grandes estrelas da música internacional como, por exemplo: AC/DC, George Benson, B52, James Taylor, Iron Maiden, etc.
Nesse período destacou-se, também, o rock gaúcho. As “bandas de garagem” aqui tiveram sua plenitude, sobretudo, a partir de festivais promovidos por cursos pré-vestibulares na Capital. Nessa década emergiram grupos como: Taranatiriça, Replicantes, TNT, Garotos da Rua, Cascaveletes, entre outros. Os shows e as danceterias, ambos realizados no espaço social de clubes das cidades, atraíam os adolescentes nos finais de semana.
Se for verdade que os anos 80 representaram uma verdadeira virada na história contemporânea, também é verdade que o ano de 1989 demarcou, simbolicamente, o fim da divisão do mundo em dois extremos ideológicos com o fim da guerra fria. Em certos momentos a produção artística antecede os fatos históricos. Foi o que aconteceu com a banda gaúcha Engenheiros do Hawaii ao lançar seu disco, talvez, mais popular: O Papa é pop, cujo destaque era a música Alívio imediato. A letra fazia referência direta ao “Muro de Berlim”, antes de sua queda:

Há um muro de concreto
Entre nossos lábios
Há um muro de Berlim dentro de mim
Tudo se divide, todos se separam
Duas Alemanhas, duas Coréias
Todo se divide, todos se separam
Que a chuva caia como uma luva
Um dilúvio, um delírio
Que a chuva traga alívio imediato
Que a noite caia, de repente caia
Tão demente quanto um raio
Que a noite traga alívio imediato.

No ano em que se comemoravam os 200 anos da Revolução Francesa (1789-1989), na madrugada do dia 9 de novembro, o Muro de Berlim, tão “demente”, caiu como um “raio,” preconizando o fim da utopia socialista do Leste Europeu e garantindo, a partir daí, a hegemonia americana no mundo. Lembremos que desde 1985 a União Soviética passava por crises e mudanças internas. As reformas de Gorbachev conduziram a URSS ao chamado fim do socialismo real, advindo sua fragmentação em diversas repúblicas no início dos anos 90.
Mas, o mundo também havia se assustado com a explosão, anos antes, do reator principal da usina nuclear de uma, até então, desconhecida cidade do norte da Ucrânia: Chernobyl. Com a explosão uma nuvem radiativa espalhou-se por diversos países da Europa e da Ásia, contaminando pessoas, animais e o meio ambiente. Até hoje os efeitos devastadores da radiação se fazem presentes nos países atingidos, através de doenças como o câncer.
Crises, explosões, contestações...Liberdade! Liberdade que os jovens berlinenses por tanto tempo esperaram. Mas também os estudantes chineses, movidos por suas angústias diante de um governo totalitário, invadem a “Praça da Paz Celestial” em Pequim , em 15 de abril de 1989. O protesto se estendeu por semanas e agregava cada vez mais pessoas. Esperava-se que a abertura política que ocorria no Leste Europeu envolveria também a China. A imprensa internacional realizava uma grande cobertura desses protestos por abertura e liberdade. Todavia, a liderança do Partido Comunista Chinês determinou que as manifestações deveriam acabar a qualquer custo.
O exército recebeu ordem de dispersar a multidão. No dia 5 de maio, o mundo assistiu surpreso um jovem manifestante colocar-se diante de uma fila de tanques que marchavam para dispersar a multidão. O nome desse jovem e do seu destino nada se sabe. Mas o sonho de uma China democrática morreu junto com os manifestantes na “Praça da Paz Celestial”.
Como poderíamos perder o ritmo dos anos 80, onde a juventude vivia sem computador, internet, MSN, Orkut, celular, mp3...? Para muitos, no entanto, a década trazia mudanças que, de certa forma, sinalizavam o fim das ilusões: “Ideologia, eu quero uma pra viver”, “a gente não sabemos escolher presidente”, ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. E, finalmente, nós brasileiros nos indagávamos: “Que país é esse?”
Lembremos que a história é um processo de mudanças e de permanências. O século 21 apresentou-nos um novo panorama sociocultural, sem dúvida, mas foi na década de 80 que nos sentimos, e refiro-me a geração dos “quarentões” de hoje, um pouco mais protagonistas da história.



Referências

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O breve Século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

PESAVENTO, Sandra J. O Brasil Contemporâneo. 2a. Ed. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1994.

Cultura e Música anos 80, disponível em: http://www.autobahn.com.br/

domingo, 4 de abril de 2010

CONVIVER

O ser humano está constantemente exposto a vários níveis e tipos de desafios. Desde os tempos mais remotos, a necessidade de sobrevivência impôs a criatura humana a possibilidade de superar os seus próprios limites, expandindo sua inteligência e sua sociabilidade.
Vivemos e coexistimos no mundo. Fomos criados para com-viver e, nesse processo, desenvolvermos nossa capacidade humana de amar ao próximo, respeitando suas singularidades. O cotidiano, entretanto, nos reserva o desafio de construirmos relacionamentos interpessoais permeados de sentimentos produtivos, fraternos e solidários.
A convivência humana se nutre no diálogo, na afetividade e na honestidade. Sua ética se sustenta no princípio da conservação, cooperação e compaixão.
Propomos esses e outros princípios, de caráter universal, para nortear nossa reflexão, principalmente, sobre os valores da sociedade contemporânea, num novo olhar para o convívio interhumano.
O homem tecnológico dos nossos dias, vive e convive, num ímpeto crescente por encontrar a auto-realização e plenitude. Entretanto, muito embora as valiosas conquistas do pensamento e da tecnização, o homem pôde ter mais conforto, mas não logrou a paz almejada. A coexistência humana ainda oferece múltiplos desafios na edificação de uma convivência mais plena de cuidado e generosidade.
O convívio social, por sua vez, irá motivar o desenvolvimento das nossas faculdades cognitivas, emotivas e sensoriais como: linguagem, razão, sentimento, percepções... Não obstante, algumas questões vem angustiando o pensamento de muitas pessoas, quotidianamente: Como conviver bem ? Como encontrarmos felicidade nos relacionamentos ? Como superarmos os conflitos decorrentes da convivialidade ?
Diante de tais problematizações, vale lembrarmos que na raiz da história humana, está uma cultura que tenta dominar o outro. Foi assim no passado onde vigia a lei do mais forte; a própria colonização brasileira pelos portugueses foi exemplo disso. Entretanto, a dinâmica da vida contemporânea está a apontar maior complexidade no futuro, o que implica a necessidade de edificarmos uma convivência não mais baseada na hostilidade, mas na comensalidade, dividindo o pão da vida.
É necessário conviver com vida, adotando-se a metodologia da não-violência, e nos alfabetizando na arte de amar. A solidariedade, conforme o pensador francês Edgar Morin: “não pode ficar no subterrâneo”, pois todos ansiamos a fraternidade e a possibilidade de auto-realização no contato com o outro.

ALMEIDA, Jerri Roberto S. Filosofia da Convivência. 2a. Ed. Porto Alegre:AGE, 2006. Introdução.

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