quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Casulo e a Borboleta



Estava ela deitada em uma cama de hospital, muda, entubada, sua respiração enfraquecia-se, a semelhança das forças dos parentes em vigília já há meses. Ao redor da cama, enquanto algumas pessoas aproveitavam para conversar sobre assuntos triviais, outros – no silêncio de seus pensamentos – se questionavam sobre o sentido da vida e da morte. A imagem frágil de alguém no leito de um hospital qualquer, faz transbordar um oceano de questionamentos.
Talvez possamos imaginar o “leito-da-morte” como sendo a grande antítese em relação ao “leito-da-vida” representado pelas maternidades, talvez o único recanto hospitalar, na maioria das vezes, regado de profunda alegria, oriunda das expectativas em relação ao pequeno  Ser que se desvela para o mundo.
Sem pretendermos ser – por demais maniqueístas – vida e morte representam configurações específicas e muito diferentes para a mente humana. Convencionou-se, culturalmente, estabelecer que a o nascimento seja o início do ciclo da vida, enquanto a morte é o seu fim. Essa ideia de fim atemoriza a criatura humana por colidir, brutalmente, com um dos mais importantes sentimentos do homem: a esperança. Ali, no leito da morte, a esperança da saúde e do retorno à convivência com aquele ente querido, também morre. Em certa ocasião alguém nos disse que: “Quando alguém morre, os seus familiares, em conjunto com o médico que lhe tratava, também morrem um pouco.”
Esse momento, no entanto, pode ser encarado como um estímulo pedagógico da vida, para pensarmos melhor sobre a importância dos sentimentos humanos, das relações familiares e do estar-no-mundo. O “estar” é uma condição de tempo. Logo, a temporalidade da vida física deixa bem claro que estamos de passagem por aqui.
Isso nos ajuda a perceber a morte como um capítulo inexorável da vida e, portanto, a necessidade de nos educarmos para ela. Poderíamos começar a tarefa compreendendo a morte como uma metamorfose. A lagarta, em seu casulo, prepara-se para a grande transformação, virando a borboleta radiosa, singrando os céus. Assim, também, o moribundo, em sua agonia prepara-se indelevelmente para libertar-se do casulo físico, alçando a liberdade espiritual que faz jus.
Por isso, toda vez que nos defrontarmos com as inquietações da morte, lembremo-nos do admirável exemplo oferecido pela natureza, da borboleta abandonando o casulo. O ser espiritual que somos e que estagia no corpo, em nenhum momento se exaure ou se termina. A vida é processo dinâmico e interminável. No corpo ou fora dele, permanecemos na vida, portando as mesmas características e anseios pessoais.
Jesus, oito dias após sua morte no Calvário, reapareceu para seus discípulos, evidenciando sua vitória sobre a morte do corpo. Mas Jesus percebe que um dentre eles está vacilante, em dúvida: seria realmente Jesus? Não seria uma alucinação psicológica? E Jesus chama Tomé: - “Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos...”.[1] Não sejas incrédulo, mas crente, disse-lhe Jesus. Assim, Tomé, passaria à posteridade como o nosso símbolo psicológico da “dúvida”. Antes de Cristo, Sócrates já havia ensinado que a morte é um engodo dos nossos sentidos, chegando a afirmar: “[...] eu não permanecerei aqui depois que estiver morto, mas que partirei. [...] Tu (Críton) deves ter confiança e deves dizer que sepultas o corpo de Sócrates.” (Platão. Fédon. 115c,d,e)
Assim sendo, foram extraordinárias as contribuições do cristianismo e da filosofia grega para que pudéssemos aperfeiçoar nossa visão da morte e da vida. No presente, coube ao Espiritismo oferecer evidências da imortalidade da alma, através da comunicabilidade com os espíritos, seres humanos que já romperam a cortina da morte e que vieram oferecer-nos os seus depoimentos, enfatizando, acima de tudo, que a morte é o retorno do Ser à sua verdadeira Pátria de origem, o Mundo Espiritual e que, dela  aguardam – assim como nós – o momento oportuno do reencontro.




[1] Evangelho de JOÃO, 20: v. 26,27,29

Pesquise no Blog

Loading

TEXTOS/ARTIGOS ANTERIORES