sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A LIQUIDEZ CULTURAL E O ESPIRITISMO - Parte I

Jerri Roberto Almeida

As festanças licenciosas, os programas televisivos chulos e vulgares, agressivos e mentirosos, ao lado do cinema e do teatro em lavagem cerebral de que somente o prazer a qualquer preço é que vale a pena, começaram a tornar o proscênio terrestre local de hediondez, de selvageria e de permissividade, que levam à degradação, à exaustão... .

FRANCO, Divaldo P. (Manoel Philomeno de Miranda) Transição Planetária. 3ª Edição. Cap. 16, pág. 169. .


1.Tempos líquidos


O
 sociólogo polonês Zygmunt Bauman tem sido um intérprete e um crítico perspicaz da sociedade contemporânea. Observador atento e analista metódico, vem refletindo sobre o contexto complexo, desafiador e frágil dos valores atuais, apontando de forma clara e contundente os pontos problemáticos de nossa cultura. Em seu livro Capitalismo Parasitário Bauman volta seu olhar para temas como “cultura da oferta”, “consumismo”, “desejos”, “cultura do medo”, “capitalismo”, entre outros. Suas reflexões não podem ser classificadas como pessimistas, todavia, ele próprio não se considera um otimista (no seu entender, a pessoa que considera que tudo está bem), mas se define um “homem com esperança”.
Realmente, diante do mal-estar da civilização do “instantâneo”, do “crédito/consumismo/dívida”, resta-nos não abandonar a esperança no futuro. Vivemos uma sociedade do “desfrute agora e pague depois”, pois com a criação do cartão de crédito, a cultura do consumo recebeu um forte aliado. O discurso sedutor passou a ser então: “não adie a realização de seus sonhos materiais”. Se você deseja adquirir algo, mas não ganha o suficiente para isso, basta ter “crédito”. Assim, para Bauman, com os cartões de crédito foi possível inverter a ordem dos fatores, isto é, desfrute agora e pague depois.
Dessa forma, a satisfação dos desejos se ampliou consideravelmente, pois para muitas pessoas foi possível obter as coisas quando desejar e não quando ganhar o suficiente para obtê-las. A sociedade capitalista, portanto, recria periodicamente novos mecanismos para se manter dominante. O resultado disso, pelo menos para uma significativa parcela da população, é que o “depois” se transforma em “agora”, ou seja, o crédito necessita ser pago. Para Bauman: “...o pagamento dos empréstimos, contraídos para afastar a espera dos desejos e atender prontamente as velhas aspirações, tornará ainda mais difícil satisfazer os novos anseios.”[1]
Essa lógica materialista da vida contemporânea define novos padrões de comportamento, individual e coletivo, determinando, também, uma cultura da superficialidade, do “use e descarte”, onde os indivíduos são possuídos pela posse possuidora e escravos da posse que ainda não possuem. É aquilo que foi denominado de cultura da “obsolescência imediata”. A regra não é mais “acumular coisas”, mas “usar, descartar, usar...”. Nada deve durar tanto tempo que comprometa essa máxima. O ritmo para que algo se transforme em “antigo” é cada vez mais rápido, ao sabor do próprio desenvolvimento tecnológico e de suas artimanhas comerciais.
O problema é que essa “liquidez cultural” tem transitado para outros setores da vida humana com impactos, principalmente, nas relações conjugais. A velha frase: “até que a morte os separe” parece ter se tornado, na contemporaneidade, uma “peça de museu”. Para Bauman, dos objetos e dos laços espera-se que sirvam por somente algum tempo;  tornando-se descartáveis, são logo substituídos por outros mais novos. Ao mesmo tempo, todo esse ritmo, tremendamente rápido da vida atual, sob o impacto do imediatismo, contribui para a definição de níveis de ansiedade, impaciência e intolerância, que por sua vez também fomentam o aumento do estresse, da agressividade e do medo.
 Trata-se de uma análise realista da sociedade materialista, que também se intitula religiosa. Mas é necessário advertir o leitor que não se trata de mergulharmos numa onda de pessimismo desolador. É preciso dizer, também, que nem todas as pessoas aderiram a essa cultura líquida, pois muitas conservam valores sólidos, administrando com equilíbrio e sensatez o material com o espiritual. 
O princípio do prazer, consubstanciado na liquidez dos valores, se defronta, inexoravelmente, com o princípio da realidade, definido nas leis naturais da vida. Isso significa que todo prazer que termina gerando um desprazer deve ser reavaliado. São as leis da vida nos chamando para a realidade mais profunda. Dessa forma, a ansiedade, o estresse, o medo, os desafios conjugais e familiares, a violência urbana, a corrupção, entre outros, são os sintomas dessa sociedade que adoeceu. 



[1] BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. P. 13.

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