quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
A MADUREZA DA HUMANIDADE
Qual o papel do Espiritismo no processo de transformação social da humanidade? Duas colocações de Kardec são fundamentais para chegarmos a uma resposta. Na primeira, Kardec afirma: “Por meio do Espiritismo, a Humanidade tem que entrar numa nova fase, a do progresso moral que lhe é consequência inevitável.” E, na segunda:
O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto, do que qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de regeneração; por isso, é ele contemporâneo desse movimento. [Grifo meu]
Não há uma contradição entre elas. Seria ingenuidade pensarmos que toda a humanidade se tornaria espírita ou se apropriaria do Espiritismo e, a partir daí, mudaria seus paradigmas de vida, operando-se a tão sonhada renovação social. Obviamente, entendemos que não foi a isso que Kardec se referiu. Ele atribui esse processo de mudança a “madureza da humanidade”, ou seja, a um estágio de superação da adolescência. Partindo da teoria espírita da evolução, Kardec nos autoriza a fazermos uma analogia entre o desenvolvimento do indivíduo e o da sociedade global. Assim como o crescimento individual se opera por fases (infância-adolescência-madureza), também a humanidade conquistaria sua maturidade passando, inicialmente, por outros estágios. Mas Kardec alude que o Espiritismo é “contemporâneo” a essa “transição” e, portanto, possui condições apropriadas para “secundar” (ajudar, auxiliar) esse processo.
Por que o Espiritismo está apto a auxiliar nessa mudança? É bom lembrarmos que o Espiritismo não se reduz a um simples discurso religioso, mas possui uma sólida base teórica que compreende: uma ciência de observação, uma filosofia otimista e, portanto, uma religião com base na fé racional, retomando a essência do pensamento cristão. Por isso, Kardec justifica, através de quatro fatores, que a Doutrina Espírita contribui para o melhoramento da humanidade:
a) Poder moralizador – Estimula pelo esclarecimento, o despertar de uma consciência muito mais lúcida e comprometida com os valores nobres da vida, tornando mais compreensível, para o ser humano, a necessidade de exercitar o princípio do: “Faça aos outros, tudo o que gostaria que os outros vos fizesse”;
b) Tendências progressistas – O Espiritismo acompanha o desenvolvimento da ciência, e aproveita toda a contribuição que esta lhe ofereça;
c) Amplitude de idéias – Oferece uma cosmovisão da vida, na medida em que associa: ciência, filosofia e religião;
d) Generalidade das questões que abrange – Estuda o mundo físico e o mundo espiritual, portanto, faz a confluência entre o físico e o metafísico, o corpo e o espírito, o individual e o coletivo.
Mas Kardec tem o cuidado, compreendendo a complexidade desse processo, de afirmar que:
Fora presumir demais da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por efeito das idéias espíritas. A ação que estas exercem não é certamente idêntica, nem do mesmo grau, em todos os que as professa. Mas, o resultado dessa ação, qualquer que seja, ainda que extremamente fraco, representa sempre uma melhora.
Se o conhecimento espírita oferece valiosos elementos para auxiliar o aperfeiçoamento dos indivíduos, também é verdade, que esse é um processo pessoal e que cada um possui seu ritmo próprio. As crises, os conflitos, as angústias e sofrimentos, também possuem o papel de estimular essas renovações. Essa mudança é naturalmente lenta, pois sedimentada numa nova ética comportamental. Sobre isso, Léon Denis foi enfático ao considerar: “A influência do Espiritismo no progresso da sociedade se processa, não no estímulo à luta de classe, mas no campo íntimo, ampliando os horizontes sobre a natureza humana e sua destinação.”
É comum pensar-se que as mudanças sociais se operam, tão somente, por revoluções, decretos políticos, ou por abalos apocalípticos. O Espiritismo, no entanto, coloca o sujeito no centro dessa questão, atribuindo-lhe a responsabilidade por aperfeiçoar seus impulsos e desejos. Atuando na sociedade onde se insere, o espírita oferecerá os exemplos possíveis, de ação solidária, fraterna, honestidade e justiça, sem se isolar ou deixar de ser jovial.
Ensinam os espíritos que cada um, da sua forma, poderá amadurecer – dentro de si – esse novo mundo, com o qual todos sonham. Certamente, um aspecto determinante de toda essa problemática, ocorre a partir das mudanças psíquicas na vida mental dos indivíduos. Evidentemente, temos os complicadores sociais, como o fator cultural, as estruturas mentais da sociedade que influenciam a família e a educação.
Apesar do pessimismo filosófico, que de certa forma tem sido característico da cultura Ocidental contemporânea, a perfectibilidade faz parte do espírito humano. O filósofo Jacques Julliard, tratando sobre o progresso escreveu: “Mas sobretudo, não ousamos imaginar um progresso moral da humanidade repousando sobre uma melhoria das condições de existência.” O progresso não é uma mera teoria criada na modernidade, mas, uma lei inexorável da vida.
Conclusão
Ao concluir o último capítulo de A Gênese , Allan Kardec praticamente de forma conclusiva, escreve: “A regeneração da humanidade, portanto, não exige absolutamente a renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais. Essa modificação se opera em todos quantos lhe estão pré-dispostos, desde que sejam subtraídos à influência perniciosa do mundo.” Em tempos de crise de paradigmas, de fragilização de valores afirmativos da existência, de inquietudes e incertezas do mundo pós-globalizado, o texto kardequiano apresenta um enorme potencial filosófico, de referência sempre atual, para pensarmos em alternativas viáveis ao melhoramento da humanidade.
Evidentemente, Kardec não se referia a uma moral religiosa, caracterizada pelo artificialismo. Uma conduta artificial não renova ninguém, cria uma máscara temporária, para dar a impressão de pureza. Os apelos do mundo aí estão, fazem parte de nosso cotidiano, mas caberá a cada um delimitar o uso de sua liberdade. Tudo posso, mas nem tudo me convém! O equilíbrio interior é, certamente, o imperativo do progresso ético-espiritual do homem contemporâneo.
Hoje, parece óbvio que a saída para resolvermos os conflitos do espaço humano e social requer que busquemos um outro caminho. Esse “outro” caminho não é simples, pois exige trabalho e determinação. Não se trata de uma revolução social, impositiva, mas de uma “revolução individual” com base na consciência de que não estamos no mundo por um mero fatalismo biológico e que, portanto, necessitamos compartilhar uma ética do cuidado, comprometida com as Leis Morais da vida, orientadoras, em última instância, desse grande processo de renovação.
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