domingo, 28 de março de 2010

A REENCARNAÇÃO NA HISTÓRIA – Parte II - ANATEMATIZANDO ORÍGENES

As diversas crises que abalaram o Império Romano, a partir do século III d.C. culminaram com a divisão do Império Romano, realizada por Teodósio em 395, em Império do Ocidente e Império do Oriente. O império romano do Oriente ficou com sua capital em Constantinopla e passou a ser conhecido também como Império Bizantino. No decorrer do medievo, o Império Bizantino procurou manter-se depositário das tradições romanas, fundadas num império universal de forte influência eclesiástica.
No mundo bizantino, do século VI, sob o comando autocrático do Imperador Justiniano (que reinou entre 527-565), a idéia das vidas sucessivas novamente estaria na pauta dos debates e das heresias a serem definitivamente combatidas pelo poder institucional. Desta vez eram os origenistas, seguidores das idéias de Orígenes que estavam no foco das críticas. Na prática, no entanto, os polêmicos debates religiosos refletiam a luta pela direção espiritual do mundo cristão oriental. Mas, quem era Orígenes?
Orígenes nasceu em família cristã em 185 ou 186 da nossa era, provavelmente em Alexandria. Aos 18 anos assumiu a direção da escola catequista como sucessor de Clemente, mas em 215 os massacres praticados por Caracalla obrigaram Orígenes a deixar Alexandria, fugindo para Palestina onde os bispos Alexandre de Jerusalém e Teócito de Cesaréia o acolheram com honra e o fizeram pregar nas suas igrejas. Fundou uma escola teológica em Cesaréia, tendo como discípulo San Gregório Taumaturgo, onde permaneceu até a morte, aos 69 anos, durante perseguição comandada por Décio. Considerado o membro mais eminente da escola de Alexandria e estudioso dos filósofos gregos, sustentava em seus ensinamentos que Deus é puramente espiritual, o Uno, e que transcende a verdade, a razão e o ser.
Justiniano, julgando-se teólogo do trono imperial, tirou da Obra de Orígenes De Princípiis, nove anatematismos, encerrando com eles sua obra Adversus Origenem Líber ou Edictuam (Escrito entre o fim de 542 e o início de 543). Os anatematismos de Justiniano foram lidos no Sínodo de Constantinopla em 543. O principal anátema é o da condenação da preexistência da alma. O texto, no original em latim, assevera:


“Si quis dicit, aut sentit proexistere hominum animas, utpote quae antea mentes fuerint et sanctae, satietatemque cepisse divinae contemplationis, e in deterius conversas esse; atque ideirco apofixestai id este refrigisse a Dei charitate, et inde fixás graece, id est, animas esse nuncupatas, demissasque esse in corpora suplicii causa : anathema.” (1)

Na versão traduzida para o português temos:

“Se alguém diz ou sustenta que as almas humanas preexistem, no sentido de serem anteriormente, mentes e forças santas que se desgastaram da visão de divina e se voltaram para o pior e por isto se esfriaram no amor a Deus, tomando daí o nome de almas e que por punição foram mandadas para os corpos embaixo, seja anátema.” (2)


O Edito publicado por Justiniano em 543, combatendo as idéias de Orígenes seria confirmado por ocasião da convocação, pelo próprio Justiniano, em 553, do Quinto Concílio Geral da Igreja, na cidade de Constantinopla, atual Istanbul, na Turquia. Para alguns estudiosos, a condenação da doutrina da preexistência da alma estaria fortemente associada à Teodora, esposa de Justiniano, mulher de temperamento forte e ambiciosa. Ela havia sido uma cortesã, e iniciou uma rápida ascensão no Império. Buscando libertar-se de seu passado, conta-se que Teodora mandou expurgar do Império quinhentas de suas antigas colegas. Conhecedora das idéias sobre as vidas sucessivas, e com receio da idéia de retornar à Terra para reparar seus feitos equivocados, Teodora teria influenciado seu marido no combate a tais idéias.
Não temos como avaliar efetivamente o quanto essa possível influência de Teodora tenha contribuído para que Justiniano combatesse a doutrina da Reencarnação. De qualquer forma, é importante notarmos que certamente não foi essa a questão determinante, uma vez que nos três primeiros séculos do Cristianismo a nascente Igreja Católica, através de seus bispos, havia percebido que sua sobrevivência, e autoafirmação institucional, estavam condicionadas a uma teologia que fortalecesse sua importância enquanto mediadora entre os homens e Deus, sobretudo, na questão vital da salvação das almas. Nesse sentido, a idéia da Reencarnação apresentava-se como uma perigosa proposta para a Igreja, pois atribuía ao homem, e não a uma instituição, a responsabilidade pessoal por sua “salvação”.
O Concílio convocado por Justiniano, em 553, excluiu até o Papa da época, Virgilius, que segundo Carneiro, havia sido preso a mandado do próprio Imperador.(3) Dois problemas, no entanto parece ter ocorrido. O primeiro, diz respeito a validade universal de um Concílio que não havia sido convocado pelo Papa. Em segundo, fica uma possível intervenção de Justiniano, no sentido de forçar o Papa Virgilius a assinar o documento oficial do Concílio, no sentido de lhe dar validade e reconhecimento.
Não menos interessante, é a descrição citada por Carneiro, do início desse Concílio, constante na obra: Hefele, History of the Conucils, Vol. IV, p. 289:


“De acordo com ordens do Imperador mas sem o consentimento do Papa, o Concílio foi aberto em 5 de maio de 553 da nossa era crista, na Secretaria da Igreja da Catedral em Constantinopla. Entre os presentes achavam-se os Patriarcas Eutichis de Constantinopla, quem presidiu, Apollinaris de Alexandria, Domnius de Antioquia,três bispos como representantes do Patriarca Eustochius de Jerusalém, e 145 outros bispos metropolitanos e bispos, dos quais vários vieram também em lugar de colegas ausentes.” (4)


Após uma série de discussões e debates, comandados por Justiniano, o Concílio chegou ao fim com um documento apresentado ao Papa para sua ratificação, denominado “Os Três Capítulos – Os Cânones do II Concílio de Constantinopla (553)”. Mas, precisamente no seu Cânon 11 (5), o documento faz referência a Orígenes e anatematiza suas idéias. Vejamos a versão em espanhol seguida de sua tradução:

“Cânon.11. Si alguno no anatematiza a Arrio, Eunomio, Macedonio, Apolinar, Nestorio, Eutiques y Origenes, juntamente con sus impíos escritos, y a todos los demás herejes, condenados por la santa Iglesia Católica y Apostólica y por los cuatro antedichos santos Concilios, y a los que han pensado o piensan como los antedichos herejes y que permanecieron hasta el fin en su impiedad, ese tal sea anatema.” (6)
Tradução: “Se alguém não condena a Arrio, Eunomio, Macedonio, Apolinar, Nestorio, Eutiques e Orígenes, juntamente com seus escritos ímpios, e a todos os demais Hereges, condenados pela Santa Igreja Católica e Apostólica e por todos os quatro santos concílios mencionados, e a todos os que pensam como os mencionados hereges e que permaneceram até o fim em sua impiedade, que seja condenado”. (7) [Grifos meus]

Após o Concílio, os monges seguidores de Orígenes da Palestina foram expulsos de seus monastérios, e os textos origenistas destruídos. Com a rejeição da reencarnação a Igreja teve que encontrar uma outra explicação para a ocorrência de fatos negativos a pessoas boas. Sem as ações passadas para explicar as diferenças entres os destinos, restou a Igreja continuar defendendo a doutrina do pecado original aprovada, como vimos, no Concílio de Orange em 529.


NOTAS

(1) Apud.CARNEIRO, Diego Adam. A supressão da Reencarnação no Concílio de Constantinopla – Ano 553. Disponível: http://filosofiamaiden.blogspot.com/2008/04/supresso-da-reencarnao.html Acesso: 14/03/2009
(2) DENZINGER-HÜNERMANN. Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações de Fé e Moral. Trad. José Mariano e Johan Konings. São Paulo: Paulinas-Edições Loyola, 2007. Pág. 150-151.
(3) CARNEIRO. Diego Adam. Op. cit.
(4) Idem.
(5) Cânon significa uma regra geral de onde se inferem regras especiais.
(6) Disponível em: http://mercaba.wordpress.com/2008/07/12/concilio-ecumenico-ii-de-constantinopla/
Acesso: 29/03/2009
(7) Diponível em: http://www.phatae.com/artigos2/2006/reencarnacao.htm. Acesso: 15/03/2009

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