segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O NOVO ANO...


Na mitologia grega, quando Urano, o Céu, fecunda a Terra, nasce a geração dos Titâns e, dentre eles, Cronos, o tempo. Com extrema ferocidade, Cronos devora os seus próprios filhos, com exceção de Zeus que resiste ao tempo, conquistando a imortalidade. O tempo é implacável! É rápido como um raio de luz que cruza o ambiente com uma rapidez audaz, imperceptível. O tempo é dominador, subjuga as criaturas humanas de forma indelével e a faz suas escravas.
Voltando para a mitologia, agora romana, Jano era cultuado como o “deus dos inícios”. Divindade responsável pelo fim de uma etapa e início de outra. No calendário romano e depois cristão, deu origem ao nome “janeiro”, definido como o primeiro mês do ano. Dezembro, último mês do ano representa matemática e simbolicamente o fim de uma etapa, com suas experiências, acertos e desacertos, méritos e deméritos, felicidades e desditas. Vivemos na órbita do tempo e de suas representações.
O relacionamento humano com o tempo carrega uma forte bagagem de subjetividades ancoradas na memória que, aliás, na mitologia grega, é a irmã de Cronos. O tempo é depositário das lembranças, dos fatos vividos em família, com amigos, dos afetos e desafetos. Boas e más recordações fazem parte da vida. Algemar-se ao passado, principalmente sobre os eventos negativos, é algo que exige ser bem administrado pelo departamento da inteligência e dos sentimentos. Em nada contribui uma fixação melancólica no passado, uma vez que essa fixação, normalmente, retira da pessoa o foco principal de sua vida: o presente.
Ao aproximar-se o período de final de ano, pessoas há que se dizem envolver, sem que saibam explicar, por uma boa dose de tristeza e melancolia. Ficam quietas, buscam o isolamento evitando festas e diversões. A psicologia busca uma possível explicação para esse fenômeno em prováveis conteúdos inconscientes, vividos consciente ou inconscientemente, em algum momento da vida e que, por algum motivo, afloram nessa época: a perda de uma pessoa, um desencanto amoroso, objetivos alimentados durante aquele ano mas não atingidos, etc.
Nem todos, portanto, estão convencidos de que devem comemorar, ufanisticamente, a virada do ano. Alguns preferem o silêncio. Familiares e amigos muitas vezes não compreendem, nem respeitam, tais posturas. Cada pessoa tem sua própria forma de reagir a essas representações do tempo, pois isso mexe com conteúdos profundos de nossa alma.
Ocorre, na lógica comum, que comemorar o fim de ano é fazer o que todos fazem: vesti-se de branco, se possível ir para a beira da praia, tomar champanhe e terminar a noite numa boate ou a um show qualquer, uma verdadeira festa de passagem. Quem adota outro comportamento que fuja dessas convenções é considerado uma espécie de “subversivo”, ou deve “estar doente”.
O relacionamento do homem com o tempo possui uma dimensão cultural, simbólica, idílica ou lúdica. O final do ano, nesse contexto representa uma forte tradição cultural no universo dos rituais de passagem, herdeiros do imaginário ancestral, e dos rituais pagãos. O fato é inquestionável: somos seres fortemente influenciados pela noção de tempo. Parece haver um tempo para tudo, e comportamentos convencionados para cada situação. Negar-se a aceitar essas representações do tempo sobre nós, parece ser tarefa quase revolucionária, anarquista mesmo!
Mas, como tantas outras revoluções, que expressão até certo ponto a rebeldia humana, o rebelar-se contra o tempo, seus significados e efeitos sobre nós não mudará a temporalidade das coisas. Será uma batalha perdida! Melhor, talvez, seja aprendermos a conviver bem com o presente e tudo o que dele possamos extrair para torná-lo pleno de possibilidade e de ações afirmativas na composição de um ser humano mais ético e solidário.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O CRISTIANISMO E O NATAL


Os historiadores do cristianismo empenham-se por encontrar os indícios materiais que comprovariam a existência do homem Jesus. Além da Bíblia, encontramos outras poucas referências a Jesus em autores como Flavius Josephus, um historiador judeu do primeiro século. Em sua obra: Antiguidades , ele afirma: “Havia por aquele tempo Jesus, um homem sábio, se for direito chamá-lo de homem...”
No século II, Tácito, um famoso historiador romano também se refere a: “...Cristo, que o procurador Pôncios Pilatos entregou ao suplício.” Seria desnecessário enumerar outras referências. O fato é que o cristianismo ganhou cada vez mais espaço dentro do declinante Império Romano, passando, também, a sofrer uma mistura cultural, quase inevitável.
Dessa forma, a data que hoje conhecemos como atribuída ao Natal, foi definida no ano 336 d.C. O 25 de dezembro, oficializado no século 4, originou as festividades do nascimento de Jesus. Foi uma transposição cultural às comemorações, na mesma data, do nascimento de Mitra, o deus-sol de origem Persa.
O Natal, entretanto, aí está, quer seja nos seus aspectos simbólicos, ou no sentimento que impele o ser humano a uma profunda revisão de seus valores. Na crise de civilização que a humanidade atravessa, a proposta cristã – fundada na ética do amor – é muito mais profunda do que as meras apelações comerciais construídas pela sociedade capitalista.
Na verdade, podemos identificar na mensagem natalina um verdadeiro desafio à renovação interior. Muito embora sem nada escrever, Jesus Cristo continua influenciando milhões de pessoas, em todo o mundo. Longe de estarem superados, os seus ensinos morais representam um admirável repositório de sabedoria capaz de promover uma convivência, entre indivíduos e povos, mais pacífica e fraterna. Em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec na questão 625 indagando os benfeitores espirituais sobre quem seria o Ser mais notável que Deus enviou à Terra para nos servir de modelo e guia, obteve como resposta: “Jesus”.
Logo, o Natal não deve ser visto nos acanhados limites dos festejos para troca de presentes. O verdadeiro sentido do Natal se dará quando Jesus, e tudo aquilo que ele representa, nascer efetivamente na Terra. Dessa vez, não mais em uma tosca cabana, mas no coração do próprio ser humano.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O "ENTREVIDAS"


Com o crescente aumento de pessoas que buscam o espiritismo, é natural a disseminação dos conteúdos envolvendo a realidade humana em sua dimensão de espírito imortal e pluriexistencial. Da mesma forma, as valiosas elucidações espíritas sobre os conflitos existenciais e pessoais, tem oferecido estímulos a uma releitura da vida em seus múltiplos aspectos. Queremos afirmar, portanto, que o espiritismo tem contribuído de forma muito profícua para acelerar debates e investigações no mundo científico convencional.
No final de outubro (2003) cientistas e religiosos se reuniram em Brasília em um congresso promovido pela LBV, para discutir a Morte e a Vida após Ela. Em congresso realizado na Holanda em junho de 2003, reuniram-se 230 representantes de associações e institutos de terapia regressiva, de várias partes do mundo. A psicóloga americana Linda Bacman que propôs o tema central desse congresso, dedica-se a pesquisar, através da terapia regressiva, o entrevidas, ou a vivência espiritual de seus pacientes no intervalo em que estiveram entre uma reencarnação e outra. Já a terapeuta carioca Célia Resende, assevera que a vida e a morte, tanto quanto o entrevidas, fazem parte de uma consciência global: “A vida atual, as passadas e o entrevidas são apenas etapas de experiências da consciência, alma ou espírito.” Segundo o relato de seus pacientes, no entrevidas: “há locais de natureza exuberante e prédios com equipamentos médicos e de comunicação altamente sofisticados. (...) As cidades espirituais possuem estações de transição e hospitais para acolhimento dos que chegam, situadas sobre diversas regiões do planeta”, assevera.
A revista destaca ainda que: “A descrição do entrevidas mostra que também, e principalmente, as decisões de aperfeiçoar as relações conflituosas são tomadas nesse período.” Conforme a psiquiatra paulista Maria Teodora Ribeiro, com pós-graduação em análise transacional pela Universidade de Berkeley (EUA), “é comum os pacientes se verem programando a próxima volta à Terra. Aí a pessoa entende por que pediu para voltar naquele contexto.”
Segundo os vários relatos apresentados na reportagem, destacamos o de Nicole Lerch, 45 anos, criada no protestantismo. “Ela sofria de uma tendinite crônica que a impedia de tocar violino. Em 1997, se mudou para o Rio de Janeiro, entrou na Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas passou um ano sem trabalhar e só se livrou da tendinite com a terapia (regressiva). Ela se viu como um lenhador que teve o braço esquerdo amputado depois de um grave ferimento.” Vivenciando um desdobramento espiritual, “...encontrei Ivan, um grande amigo daquela vida. Ele me mostrou que meu braço estava inteiro. Eu tinha sido atingida apenas no físico e não no espírito.”
Estamos, inexoravelmente, diante de um “desvelar” da realidade espiritual do homem. Allan Kardec, no Capitulo 1 de A Gênese, se reporta ao caráter da revelação espírita, asseverando que: “Toda revelação desmentida por fatos deixa de o ser...”. O que observamos, no entanto, é que a revelação espírita, ao contrário de ser “desmentida” está, cada vez mais, sendo comprovada. Na verdade, o caráter de universalidade dos ensinos espíritas tornar-se-ão conhecidos como princípios ou leis absolutamente naturais e, portanto, integrados ao contexto da vida. As demais áreas do conhecimento humano, integradas num todo harmônico, marcharam para o entendimento da universo humano numa dimensão multidimensional e multidisciplinar.
É, ainda, Kardec que nos adverte: “O Espiritismo, dando-nos a conhecer o mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivíamos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem depois da morte, é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra.” Será, pelo que tudo indica, no contexto desse século XXI, que a ciência acadêmica ortodoxa/conservadora se verá diante das evidências plausíveis do espírito e da reencarnação.
Vale destacarmos a posição do professor Waldyr Rodrigues, professor da Unicamp, matemático e doutor em física pela Universidade de Torino, na Itália, entrevistado por Isto é: “O professor lembra, no entanto, que as verdades científicas são às vezes efêmeras – o que é absolutamente certo hoje pode deixar de ser amanhã. Muitas teorias são aceitas sem uma rigorosa avaliação só por virem de profissionais de prestígio. ‘Ouvimos recentemente a tese de que o universo seria finito e teria a forma de dodecaedro. A topologia do universo é também uma coisa que não se pode provar, apenas deduzir. Por isso, erra quem diz que só acredita no que a ciência pode mostrar’.”
Portanto, a posição defendida por alguns de que o espírito e a reencarnação não seriam verdades pelo fato da “ciência não poder mostrar”, cai por terra. Conforme o professor Waldyr se refere, há muitas teorias ou verdades científicas que são meras deduções e são aceitas nos meios acadêmicos. O que nos faz pensar que, em verdade, o que existe é, ainda, uma postura de preconceito por parte de alguns “cientistas” com relação ao objeto investigativo do Espírito.

(A revista “Isto é” de 12 de novembro de 2003 (n º1780) traz em sua reportagem de capa o tema: “Além da vida” – pacientes de terapia de vivências passadas contam suas experiências no período “entrevidas”, entre uma reencarnação e outra.)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A MADUREZA DA HUMANIDADE



Qual o papel do Espiritismo no processo de transformação social da humanidade? Duas colocações de Kardec são fundamentais para chegarmos a uma resposta. Na primeira, Kardec afirma: “Por meio do Espiritismo, a Humanidade tem que entrar numa nova fase, a do progresso moral que lhe é consequência inevitável.” E, na segunda:

O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto, do que qualquer outra doutrina, a secundar o movimento de regeneração; por isso, é ele contemporâneo desse movimento. [Grifo meu]

Não há uma contradição entre elas. Seria ingenuidade pensarmos que toda a humanidade se tornaria espírita ou se apropriaria do Espiritismo e, a partir daí, mudaria seus paradigmas de vida, operando-se a tão sonhada renovação social. Obviamente, entendemos que não foi a isso que Kardec se referiu. Ele atribui esse processo de mudança a “madureza da humanidade”, ou seja, a um estágio de superação da adolescência. Partindo da teoria espírita da evolução, Kardec nos autoriza a fazermos uma analogia entre o desenvolvimento do indivíduo e o da sociedade global. Assim como o crescimento individual se opera por fases (infância-adolescência-madureza), também a humanidade conquistaria sua maturidade passando, inicialmente, por outros estágios. Mas Kardec alude que o Espiritismo é “contemporâneo” a essa “transição” e, portanto, possui condições apropriadas para “secundar” (ajudar, auxiliar) esse processo.
Por que o Espiritismo está apto a auxiliar nessa mudança? É bom lembrarmos que o Espiritismo não se reduz a um simples discurso religioso, mas possui uma sólida base teórica que compreende: uma ciência de observação, uma filosofia otimista e, portanto, uma religião com base na fé racional, retomando a essência do pensamento cristão. Por isso, Kardec justifica, através de quatro fatores, que a Doutrina Espírita contribui para o melhoramento da humanidade:

a) Poder moralizador – Estimula pelo esclarecimento, o despertar de uma consciência muito mais lúcida e comprometida com os valores nobres da vida, tornando mais compreensível, para o ser humano, a necessidade de exercitar o princípio do: “Faça aos outros, tudo o que gostaria que os outros vos fizesse”;
b) Tendências progressistas – O Espiritismo acompanha o desenvolvimento da ciência, e aproveita toda a contribuição que esta lhe ofereça;
c) Amplitude de idéias – Oferece uma cosmovisão da vida, na medida em que associa: ciência, filosofia e religião;
d) Generalidade das questões que abrange – Estuda o mundo físico e o mundo espiritual, portanto, faz a confluência entre o físico e o metafísico, o corpo e o espírito, o individual e o coletivo.

Mas Kardec tem o cuidado, compreendendo a complexidade desse processo, de afirmar que:

Fora presumir demais da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por efeito das idéias espíritas. A ação que estas exercem não é certamente idêntica, nem do mesmo grau, em todos os que as professa. Mas, o resultado dessa ação, qualquer que seja, ainda que extremamente fraco, representa sempre uma melhora.

Se o conhecimento espírita oferece valiosos elementos para auxiliar o aperfeiçoamento dos indivíduos, também é verdade, que esse é um processo pessoal e que cada um possui seu ritmo próprio. As crises, os conflitos, as angústias e sofrimentos, também possuem o papel de estimular essas renovações. Essa mudança é naturalmente lenta, pois sedimentada numa nova ética comportamental. Sobre isso, Léon Denis foi enfático ao considerar: “A influência do Espiritismo no progresso da sociedade se processa, não no estímulo à luta de classe, mas no campo íntimo, ampliando os horizontes sobre a natureza humana e sua destinação.”
É comum pensar-se que as mudanças sociais se operam, tão somente, por revoluções, decretos políticos, ou por abalos apocalípticos. O Espiritismo, no entanto, coloca o sujeito no centro dessa questão, atribuindo-lhe a responsabilidade por aperfeiçoar seus impulsos e desejos. Atuando na sociedade onde se insere, o espírita oferecerá os exemplos possíveis, de ação solidária, fraterna, honestidade e justiça, sem se isolar ou deixar de ser jovial.
Ensinam os espíritos que cada um, da sua forma, poderá amadurecer – dentro de si – esse novo mundo, com o qual todos sonham. Certamente, um aspecto determinante de toda essa problemática, ocorre a partir das mudanças psíquicas na vida mental dos indivíduos. Evidentemente, temos os complicadores sociais, como o fator cultural, as estruturas mentais da sociedade que influenciam a família e a educação.
Apesar do pessimismo filosófico, que de certa forma tem sido característico da cultura Ocidental contemporânea, a perfectibilidade faz parte do espírito humano. O filósofo Jacques Julliard, tratando sobre o progresso escreveu: “Mas sobretudo, não ousamos imaginar um progresso moral da humanidade repousando sobre uma melhoria das condições de existência.” O progresso não é uma mera teoria criada na modernidade, mas, uma lei inexorável da vida.

Conclusão

Ao concluir o último capítulo de A Gênese , Allan Kardec praticamente de forma conclusiva, escreve: “A regeneração da humanidade, portanto, não exige absolutamente a renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais. Essa modificação se opera em todos quantos lhe estão pré-dispostos, desde que sejam subtraídos à influência perniciosa do mundo.” Em tempos de crise de paradigmas, de fragilização de valores afirmativos da existência, de inquietudes e incertezas do mundo pós-globalizado, o texto kardequiano apresenta um enorme potencial filosófico, de referência sempre atual, para pensarmos em alternativas viáveis ao melhoramento da humanidade.
Evidentemente, Kardec não se referia a uma moral religiosa, caracterizada pelo artificialismo. Uma conduta artificial não renova ninguém, cria uma máscara temporária, para dar a impressão de pureza. Os apelos do mundo aí estão, fazem parte de nosso cotidiano, mas caberá a cada um delimitar o uso de sua liberdade. Tudo posso, mas nem tudo me convém! O equilíbrio interior é, certamente, o imperativo do progresso ético-espiritual do homem contemporâneo.
Hoje, parece óbvio que a saída para resolvermos os conflitos do espaço humano e social requer que busquemos um outro caminho. Esse “outro” caminho não é simples, pois exige trabalho e determinação. Não se trata de uma revolução social, impositiva, mas de uma “revolução individual” com base na consciência de que não estamos no mundo por um mero fatalismo biológico e que, portanto, necessitamos compartilhar uma ética do cuidado, comprometida com as Leis Morais da vida, orientadoras, em última instância, desse grande processo de renovação.

domingo, 22 de novembro de 2009

O LIVRO E A PRAÇA: UMA COMBINAÇÃO PERFEITA!



Em 2006, a Câmara Rio-Grandense do Livro encomendou uma pesquisa ao Ibope sobre os hábitos de leitura dos gaúchos. Realizadas 1.008 entrevistas, em 60 municípios, obteve-se as seguintes informações: a leitura ocupa o quarto lugar na vida dos gaúchos quando estão com seu tempo livre. Primeiramente, vem o hábito de assistir televisão, logo após, vem ouvir música ou rádio e, em terceiro lugar, praticar atividades esportivas.
No Rio Grande do Sul, lê-se, em média, 5,5 livros por ano. Esse número é significativamente superior ao da média brasileira: 1,8 livros anuais. Outros dados interessantes: a maioria da população pesquisada afirmou que lê por “prazer”, enquanto uma minoria (12%) atribuiu ao ato de ler, uma decorrência da exigência escolar ou acadêmica. No que se refere à temática preferida dos gaúchos, a pesquisa aponta que os temas religiosos aparecem em primeiro lugar, seguidos dos romances, literatura infantil, poesia...
A pesquisa também indagou os entrevistados a respeito do ato de ler: 33% consideraram que “a leitura é uma forma de conhecimento para a vida”; para 15% deles, a leitura é uma atividade muito prazerosa, enquanto que, para 2%, é algo entediante. Dos entrevistados, apenas 1% vê o ato de ler como uma prática obrigatória.
Podemos e devemos retirar desses dados algumas reflexões: sabemos que o prazer pela leitura é um hábito que, como tantos outros, pode ser construído e estimulado desde a primeira infância. Naturalmente que, nessa fase, a criança ainda não saberá ler, todavia, começará aí, o seu contato visual e tátil com os livros, onde os desenhos se apresentam de forma atrativa, multicoloridos. O ato de contar histórias para a criança é indispensável, pois estimula sua imaginação e suas fantasias. A partir daí, e ao longo de seu desenvolvimento, a criança que estiver em permanente contato com os livros, tenderá a estabelecer com eles uma relação de proximidade afetiva, de intimidade com as letras que lhe ampliarão o potencial criativo. Estará se formando, assim, o verdadeiro leitor, aquele que encontra, em cada nova página, o prazer das descobertas.
A leitura permite ao ser humano um avançar de suas fronteiras, ampliando os seus horizontes culturais. Num mundo cada vez mais complexo, o livro continua sendo aquele amigo silencioso que orienta e instrui, mas também que problematiza o presente e desafia o leitor a novos olhares.
A Feira do Livro não é um local onde simplesmente se comercializa livros! A Feira é um espaço privilegiado, onde esses múltiplos olhares se encontram. É como admiravelmente sintetizou uma propaganda: “Se você for amigo do Quintana, ele lhe ensina um poema. Se você pegar o Einstein pela mão, ele lhe explica o universo. Se você conversar com Shakespeare, você vai se sentir romântico como Romeu ou Julieta ou trágico como Hamlet.”
Essa será para Osório, uma semana muito especial. Nossa Feira do Livro volta novamente para a Praça, de onde jamais deveria ter saído. O livro e a praça é uma combinação perfeita, pois a praça é um local de convergência, de encontros, de lazer. Nesta semana, teremos o privilégio de encontrar, ao passarmos por ela, vinícius de Morais e Mario Quintana, Érico Veríssimo, Platão, Jesus... As crianças encontrarão os tantos personagens que vêm encantando gerações, e aproveitaremos para conhecer novos escritores e novos personagens. Sobretudo, haverá oportunidade para que se conheçam melhor os próprios escritores osorienses e litorâneos, e suas obras.
Nossa região possui uma vasta produção literária, de diversos gêneros, que necessita de maior visibilidade e valorização. A Feira do Livro, em seus diversos momentos e eventos, terá o ensejo de aproximar o escritor do leitor para que se crie estímulos necessários tanto para a leitura, quanto para a produção literária. É certamente por esse caminho, que qualquer sociedade que almeja o seu desenvolvimento deve investir. Esperamos, por fim, que a população possa se fazer presente, aproveitando e prestigiando de fato esse singular evento literário de nossa cidade.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O DESPERTAR DO SUJEITO


O imperativo da vida coloca o sujeito como ser co-criador-criativo. Na prática, o ser se constrói e autoafirma através de processo que envolve, desde a experiência (individual e social), o conhecimento intelectual e os sentimentos. Na medida em que o sujeito perde suas certezas metafísicas, como advertiu Jung, ele termina por mergulhar – e por extensão a própria humanidade – numa crise de identidade consigo mesmo.
Nesse sentido, o processo de transformação social da humanidade, não pode ser desvinculado do processo de evolução espiritual do próprio homem. Quanto mais o sujeito se cerca de elementos sobre sua condição profunda, menos “vazio” vive. Na falta desses elementos, o ser humano (que tenta superar esse vazio) termina preenchendo seu “espaço mental” com conquistas externas, importantes, mas sempre vulneráveis.
Na segunda metade do século XIX, Allan Kardec analisou as três fases do Espiritismo e mencionou, em discurso durante a Viagem Espírita de 1862, que a terceira fase seria a da “transformação social.” Um ano depois, ao publicar na Revista Espírita de 1863 , escreveria a respeito da influência do pensamento espírita na sociedade humana, identificando, agora, seis períodos pelos quais a Doutrina dos Espíritos passaria:

1.Período da Curiosidade
2.Período Filosófico
3.Período da Luta
4.Período Religioso
5.Período Intermediário
6.Período da Renovação Social

O último período mencionado pelo codificador é o que, nesse momento, nos interessa. Kardec volta a insistir numa “renovação social.” Tema que, obviamente, ele já havia tratado em O Livro dos Espíritos, e retomaria numa análise mais detalhada em A Gênese, onde afirmou:


A Humanidade tem realizado, até ao presente, incontestáveis progressos. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam alcançado, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Resta-lhes ainda um imenso progresso a realizar: o de fazerem que entre si reinem a caridade, a fraternidade, a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral. Não poderiam consegui-lo nem com as suas crenças, nem com as suas instituições antiquadas, restos de outra idade, boas para certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, havendo dado tudo o que comportavam, seriam hoje um entrave. Já não é somente de desenvolver a inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento e, para isso, faz-se preciso destruir tudo o que superexcite neles o egoísmo e o orgulho. [Grifos meus]

Allan Kardec reconhece o valor da inteligência, ou da técnica, mas enfatiza a necessidade de “elevar o sentimento”. A noção de sentimento, nesse caso, não implica numa negação do sujeito enquanto ser desejante, mas numa necessária afirmação da sensibilidade, de alguém que consegue perceber o outro, sem ser arrogante. Essa afirmação de Kardec, também, nos leva a pensar sobre a relação entre sentimento-progresso-pensamento, na medida em que o processo de transformação social envolve, de forma determinante, a condição espiritual. Quando os sentimentos nobres iluminam o pensamento, o progresso global supera seus vazios e paradoxos.
Mas também, Kardec ofereceu mais informações sobre o caráter dessa transformação: “Nestes tempos, porém, não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a certa região, ou a um povo, a uma raça. Trata-se de um movimento universal, a operar-se no sentido do progresso moral.”. A moral é uma questão central dentro dessa ordem de transformações sociais, pois está, também, associada aos sentimentos.
Sabemos que o Espiritismo, no sentido filosófico, compreende a moral enquanto regra de bem proceder. Mas a idéia de moral aqui definida, abarca também o sentido ético, ou seja, essas “regras” devem vir de “dentro” do sujeito. Nesse caso, estamos dizendo que essas regras são “princípios de valores”, conquistados pelo próprio sujeito/espírito. Portanto, a moral está associada àquilo que podemos chamar de “sentimentos de valor universal”.
Nesse sentido lembremos Léon Denis quando escreveu que: “o estado social não sendo em seu conjunto senão o resultado dos valores individuais, importa antes de tudo de obstinar-nos nessa luta contra nossos defeitos, nossas paixões, nossos interesses egoístas. Enquanto não tivermos vencido o ódio, a inveja, a ignorância, não se poderá estabelecer a paz, a fraternidade, a justiça entre os homens; e a solução dos problemas sociais permanecerá incerta e precária.”
Somos sujeitos da história. Vivemos, é bem verdade, uma crise civilizacional que nos fornecerá novos elementos para retomarmos valores atemporais, esquecidos nas entranhas da pós-modernidade.

domingo, 25 de outubro de 2009

PÓS-MODERNIDADE


O Pós-Segunda Guerra Mundial gerou não somente uma mudança na geopolítica internacional com o advento da Guerra-Fria, mas, igualmente, ensejou uma nova dinâmica no âmbito das relações humanas, estruturada sob a égide de uma sociedade tecnológica. Essa sociedade do pós-guerra, que propôs rupturas com a idéia de totalidade ou universalidade de valores – no mundo Ocidental – é, genericamente, denominada pós-moderna ou pós-industrial. Enquanto a Modernidade foi representada pela sociedade industrial que valorizava a disciplina, o controle, a estabilidade... a pós-modernidade caracteriza-se, justamente, pelo princípio da incerteza, insegurança e da relatividade.
Na modernidade, a vida individual e coletiva era pensada a partir da idéia de um tempo linear, isto é, o passado servia de experiência para ordenar o presente e, tudo aquilo que não se lograva conquistar no presente, projetava-se em aspirações e expectativas para o futuro, ou seja, construía-se um projeto, uma meta e buscava-se persegui-la.
Em oposição a este quadro, a pós-modernidade caracteriza-se, entre outras coisas, pela ruptura com esse tempo linear: passado, presente e futuro. Fixando-se essencialmente no presente através do desejo de viver intensamente o momento. A procura pelo prazer imediato, a valorização extrema da imagem sobre a realidade, a cultura do consumo, o individualismo e a competição, ao invés de gerarem felicidade, tem construído painéis de solidão, medo e vazio existencial.
Transitamos de uma sociedade repressiva, em todos os níveis (governos ditatoriais, família patriarcal, escola autoritária, fábricas opressoras...daí o rompimento com a idéia de “totalitarismo”, também vinculado à noção dos valores) e, no ímpeto por liberdade, adentramos num modelo de sociedade diametralmente oposta, onde tudo passou a ser permitido. Confundiu-se liberdade com libertinagem e acabamos no dilema shakespeareano do “ser ou não ser”.
Na arte, principalmente no cinema, temos a expressividade desses novos paradigmas. O Exterminador do Futuro e O Caçador de Andróides, entre tantos outros, passam-se num mundo técnico com novas regras de trabalho e ambiente biotecnológicos. Temos, portanto, o retrato da percepção caótica do espaço-tempo ou a arte do fantástico e do hiper-real.
Continuadamente exposto a novas tentações, num estado de constante excitação, o ser humano da sociedade pós-globalizada, vive sua constante insatisfação. Vivem-se ávidos por novas atrações e sensações e, logo que estas são satisfeitas, outras necessidades surgem sedutoras, convidando os indivíduos a um novo consumo.
Apesar dos avançou da biotecnologia e da tecnociência, vivemos confinados ou encarcerados em burgos modernos, diante da necessidade de segurança, posto que a violência atinge, em escala planetária, níveis alarmantes. O consumidor é consumido pela cultura que induz ao individualismo e menospreza o valor da condição humana. Nada, estranho, portanto, que a depressão, a insônia e outras patologias ocupem lugar de destaque no cotidiano de tantas criaturas.
Recentemente, um grupo de pensadores, do Brasil e de outros países, reuniu-se num evento intitulado: “Mutações: A condição humana” . Psicanalistas, filósofos, críticos de arte, sociólogos, analisaram as novas configurações do mundo atual. Algumas conclusões podem ser destacadas: o homem contemporâneo vem perdendo sua imagem, ou seja, nossa civilização vive uma espécie de crise de identidade, mergulhada num vazio, onde concepções políticas, crenças, ideias, referenciais, que antes pareciam dar sentido a existência, perdem o seu valor
Os mais pessimistas poderão pensar numa “quase-morte do sujeito”, onde a noção de verdade, de esperança, as ideologias, estariam solapadas pela ruptura com um tempo linear, uma vez que se vive no Time is money ou Moneyteísmo. Tudo é veloz e volátil e a noção de tempo se fixa, exageradamente, no presente. A grande tragédia do homem pós-moderno, é a de ter perdido o endereço de si mesmo.

(Continua na próxima semana...)

domingo, 18 de outubro de 2009

ECOS DO SEMINÁRIO EM RIO GRANDE






Num clima de muita fraternidade, fomos acolhidos em Rio Grande num belo e profícuo Evento sobre Reencarnação. Presenças de Elmira e Soveral, amigos queridos de tantas jornadas. De tantos e generosos amigos que encontramos: a professora Carla, apresnetadora do programa de TV "Consciência Espírita", José Roberto, Wagner Paixão (Minas Gerais) e Gerson Tavares (SC).

domingo, 11 de outubro de 2009

O ELO "ESQUECIDO" DO CRISTIANISMO


No próximo domingo, dia 18 de outubro, estarei na cidade de Rio Grande (RS)participando do Seminário: "A Reencarnação à luz da Ciência e do Espiritismo." Estarei abordando um tema que tem sido objeto, já algum tempo, de minhas pesquisas como historiador: A Reencarnação na história. No artigo a seguir, escrevo um breve resumo do trabalho que pretendo lá apresentar de forma mais completa.

Preâmbulo

Há muito tempo os cristãos acreditavam na reencarnação. Essa é a conclusão da escritora americana Elizabeth Clare Prophet, em seu livro “Reencarnação: o elo perdido do cristianismo”(1). A obra é uma análise histórica da reencarnação, especialmente, a partir do cristianismo até os concílios da Igreja e a perseguição aos hereges. A autora, embora utilizar uma fonte bibliográfica extremamente rica e usar uma terminologia eminentemente espírita (reencarnação, mundo espiritual...), não faz nenhuma referência ao espiritismo. De qualquer forma, iremos refletir, dentro dessa breve historiografia de idéias sobre a reencarnação, a proposta espírita, oportunizando, na atualidade, a continuação dos ensinos de Jesus sobre as vidas sucessivas.

O Novo Testamento

O principal alvo de debates sobre a reencarnação no Novo Testamento está centralizado nas passagens que se referem a João Batista como sendo a reencarnação do profeta Elias. O tema é abordado três vezes nos Evangelhos. Vejamos. “A primeira, quando João está pregando no deserto e os sacerdotes e levitas chegam para interrogá-lo. Ele então nega ser Elias. Mas identifica-se como ‘a voz do que clama no deserto...’.” (6) No entanto, para os judeus essa “voz”, havia sido prevista pelo profeta Malaquias como sendo a “voz” do precursor do Messias, identificado como Elias.
Segundo Elizabeth, João, por certo, teve um bom motivo para responder dessa forma. Negou ser Elias para evitar reações das autoridades políticas e religiosas, que mais tarde o decapitaram, mas, ao mesmo tempo, confirmou “veladamente” a sua reencarnação para tranqüilizar seus seguidores.
Observamos que nas outras duas vezes em que a questão sobre Elias aparece, é o próprio Jesus a declarar que João era Elias que “retornara”. A primeira vez é quando João está na prisão e Jesus publicamente faz essa referência: “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir.” (7)
Após a morte de João Batista, vamos encontrar a cena da transfiguração de Jesus no Monte Tabor. Quando Jesus se transfigura, então Elias e Moisés aparecem e falam com Jesus. Quando descem do monte, os discípulos perguntam-lhe: “Porque dizem os escribas que é necessário que Elias venha primeiro?”(8) Em outras palavras: “Se Elias deveria vir primeiro, como profeta, para preparar o caminho para a sua vinda, então por que ele aparece em seu corpo espiritual? O que está fazendo no ‘céu’ se ainda não o vimos na Terra?” Segundo a narrativa de Marcos, Jesus responde: “(...) Digo-vos, porém, que Elias já veio, e fizeram-lhe tudo o que quiseram, como dele está escrito.” Mateus apresenta a mesma história, acrescentando a seguinte frase: “Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista.” (9)
De acordo com Elizabeth, “os discípulos provavelmente entenderam que a declaração de Jesus: ‘fizeram-lhe tudo o que quiseram’ referia-se à decapitação de João, pelo rei Herodes Antipas.
Observando-se somente esses três relatos, é compreensível que o princípio da reencarnação fazia parte dos ensinos de Jesus, como um mecanismo natural da lei do progresso e da evolução.
Muitos estudiosos, contrários à idéia da pluralidade das existências, acreditam que a questão da reencarnação de Elias em João, e sua referência por Jesus, na verdade, teriam sido acrescentada pelos autores dos Evangelhos, ou mesmo, pelos tradutores. Se analisarmos essa questão do ponto de vista meramente histórico, realmente tornar-se-ia difícil chegar a uma conclusão absoluta e irretorquível. Primeiro, porque as fontes primárias não foram conservadas, e segundo, porque os autores dos Evangelhos não eram historiadores, mas pessoas com limitações naturais de conhecimento e que puderam conservar pela memória, e/ou pelas tradições orais, os ensinamentos morais que Jesus lhes havia depositado. As palavras do Cristo, disseminadas ao longo do tempo, foram transmitidas de boca em boca e, posteriormente, transcritas em diferentes épocas, muito tempo depois de sua morte.
Não obstante, a contribuição da Doutrina Espírita, nessa e em outras tantas questões, é realmente elucidativa. Allan Kardec em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no Cap. IV, após analisar as informações dos espíritos superiores encarregados de orientar a Codificação do espiritismo, reafirma:

“A idéia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam reviver na Terra se nos depara em muitas passagens dos Evangelhos (...). Se fosse errônea essa crença, Jesus não houvera deixado de a combater, como combateu tantas outras e a põe por princípio e como condição necessária, quando diz: ‘Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.’ E insiste, acrescentando: Não te admires de que eu te haja dito ser preciso nasças de novo.”
Em “O Livro dos Espíritos” , questão 222, novamente afirmou: “Muitos repelem a idéia da reencarnação pelo só motivo de ela não lhes convir. (...) De alguns sabemos que saltam em fúria só com o pensarem que tenham de voltar à Terra.”

Os Alexandrinos

Retornando a nossa análise histórica, encontraremos Filon de Alexandria (20a.C.- 50d.C.), filósofo judeu e contemporâneo de Jesus, cujas idéias a respeito do objetivo da vida situava-se na própria integração com Deus através de sucessivas existências; teve um papel muito importante na combinação dos pensamentos grego e judaico. Filon e sua escola de pensamento davam uma interpretação alegórica ao Antigo Testamento, conferindo-lhe um significado simbólico. A reencarnação fazia parte de sua visão filosófica sobre a vida: “As (almas) que se deixam influenciar pelo desejo de uma vida mortal...retornam a ela” - escreveu ele. Filon viveu na cidade de Alexandria próximo do delta do Nilo, famosa por sua biblioteca e por ser um grande centro intelectual da época. Suas idéias influenciaram profundamente alguns patriarcas da igreja romana: Clemente de Alexandria, Orígenes e Ambrósio. Filon era um erudito que acreditava e ensinava que o ser humano pode chegar a Deus pela sabedoria e pela transcendência.
Segundo Elizabeth, Orígenes (185 a 254 d.C.),que viveu em Alexandria, ao estudar os textos de Filon, em conjunto com os clássicos gregos de Platão e Pitágoras, passou a associar a idéia da justiça divina com a idéia das vidas sucessivas, fazendo a seguinte indagação: “se as almas não existiam previamente, por que encontramos cegos de nascença que nunca pecaram, enquanto outros nascem sãos ?”. Logicamente chegava a conclusão que a situação atual da criatura humana é oriunda, também, de suas ações pretéritas de outras vidas:
“Se o nosso destino atual não fosse determinado pelas obras de nossas passadas existências, como poderia Deus ser justo, permitindo que o primogênito servisse o mais moço e fosse odiado, antes de haver praticado atos que merecessem a servidão e o ódio ? Só as vidas anteriores podem explicar a luta de Esaú e Jacó, (...) e outros tantos fatos que seriam o opróbrio da justiça divina, se não fossem justificados pelas ações boas ou más praticadas em anteriores existências.”(2)
A partir do século IV, no entanto, a idéia das vidas sucessivas que era naturalmente difundida, mexeria profundamente com as estruturas de interesse da igreja romana. Um padre chamado Ário que viveu de 250d.C. – 336d.C., nascido no líbano, ensinava que Jesus era filho de Deus; logo, Jesus teve um princípio. A proposta de Jesus seria nos ensinar como chegar a ele. Ário defendia que isso seria possível através de sucessivas existências físicas. As idéias arianistas* ensejaram o concílio de Nicéia, uma cidade a beira de um lago a sudeste de Constantinopla, em junho de 325. O ponto central dos debates era se Jesus havia sido criado ou não. Se houvera sido criado, conforme entendiam os arianistas, então o progresso poderia ser alcançado por nós se seguíssemos, simples e tão somente, os seus ensinamentos. Mas se ele não houvesse sido criado, sendo portanto igual a Deus, como desejavam os ortodoxos, seria totalmente distinto da criação. Nesse caso, a criatura humana para atingir a “salvação” dependeria exclusivamente da subserviência aos princípios da igreja romana. É claro que o concílio rejeitou a primeira idéia e aprovou a Segunda. Com isso as idéias de Ário tornaram-se heréticas e suas obras proibidas.

Anatematizando a Reencarnação

Orígenes, que havia concordado com Ário que o objetivo de Jesus era ensinar os seres humanos como atingir a divindade, discrepando dos ortodoxos literaristas, seria sistematicamente condenado em suas idéias entre os séculos V e VI. Justiniano (527-565 d.C.) imperador romano , por volta da primeira metade do século VI, tomou o partido dos antiorigenistas, promulgando um édito onde condenou dez princípios ensinados por Orígenes, inclusive a pluralidade das existências. No entanto, somente no ano 553, ao convocar o Quinto Concílio Geral da Igreja, o princípio da reencarnarção seria definitivamente abolido. Esse concílio incluía efetivamente o origenismo na lista dos movimento heréticos: “se alguém afirmar a fictícia preexistência das almas, afirmará a monstruosa restauração que dela decorre que seja anatematizado” (“Restauração” significa o retorno da alma à união com Deus).
Naturalmente a visão reencarnacionista ensejava , desde os seus primórdios, a concepção do ser humano ser autor de seu próprio destino e, portanto, dependeria somente do indivíduo e seu livre-arbítrio, lograr o progresso ou a “salvação”, e de mais ninguém. Evidentemente essa proposta desarticulava os interesses de supremacia político-religiosos da época. Tanto é verdade que Agostinho (354-430 d.C.) chegou a escrever uma carta ao Papa Inocêncio I, advertindo-o sobre a necessidade de condenar-se as idéias sobre as vidas sucessivas, sob pena da Igreja perder a sua própria autoridade. Logo, o princípio do esforço pessoal e não simplesmente a aceitação de regras impostas colidia diretamente com o “fora da igreja não há salvação”. Com a rejeição da reencarnação a Igreja teve que encontrar uma outra explicação para a ocorrência de fatos negativos a pessoas boas. Sem as ações passadas para explicar as diferenças entres os destinos, restou a igreja aceitar a doutrina do pecado original elaborada por Agostinho, que tornou-se o mais influente teólogo da igreja. Assim se expressa Elizabeth: “O pecado original também era um conceito atraente para os governantes seculares. Como a doutrina afirmava que o homem era naturalmente mau, ele seria, obviamente, incapaz de governar a si próprio. Assim, deveria obedecer os seus governantes (...). Certamente foi uma ideologia que servia às necessidades das classes dominantes da sociedade romana.”


Referências Bibliográficas

PROPHET, Elizabeth Clare. Reencarnação: o Elo Perdido do Cristianismo. 2ª ed.Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1998.
JÚNIOR, Medeiros Corrêia. Princípios e Fins do Espiritismo. Porto Alegre:
Globo S/A. 1954. Pág. 67.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Agosto/1862. Edicel. Pág. 234.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 100 ed. Feb. Cap. XV.
Itens: 8 à 10.
LOPEZ, Luiz Roberto. História da Inquisição. Porto Alegre. Mercado Aberto,
1993.
BIBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida. Imprensa Bíblica Brasileira, RJ, 26ª impressão,1972.
João. 1:23
Mateus. 11:13-14
Marcos. 9:11-12-13
Mateus. 17:13
DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo. 8ª edição. Feb. Cap. I e II.

domingo, 4 de outubro de 2009

A BÍBLIA E A ESCRAVIDÃO



A escravidão fez parte das sociedades desde a mais remota Antiguidade. De acordo com as especificidades de cada povo ou sociedade, os escravos poderiam ser prisioneiros de guerras ou mesmo pessoas que, por não poderem pagar alguma dívida, eram conduzidas àquela condição. Havia, também, o fato de pais que vendiam os próprios filhos como escravos.
Na Grécia, o escravismo desenvolveu-se de forma muito significativa. Raras eram as atividades produtivas onde os escravos não eram empregados, tanto no meio urbano como no meio rural. Estima-se, por exemplo, que Aristóteles em suas pesquisas sobre as formas de alimentação e reprodução dos animais, contasse com mais de mil escravos, a sua disposição, trazendo-lhe animais para suas experiências.
O processo escravista foi, sem dúvida, uma grande violência contra a dignidade humana, através da subjugação moral, pela força ou por qualquer outro meio de coerção servil. Evidentemente, devemos compreender esse processo de dominação no âmbito de povos belicosos ou, por demais, embrutecidos espiritualmente, atrelados a idéia de enriquecimento em face a exploração violenta do semelhante.
No Mundo Antigo a instituição da escravidão era algo natural no seio das sociedades e, não raras vezes, recebia a própria legitimação das estruturas religiosas. Na Bíblia há diversas passagens sobre a questão da escravidão justificada.
Paulo, em carta aos Efésios afirma:

“Vós, servos, obedecei aos vossos senhores segundo a carne, com temor e tremor, na sinceridade do vosso coração, como a Cristo.” [Efésio 6:5]

Os Efésios eram os moradores de Efeso, cidade grega no território da Lídia, no Litoral Oeste da Ásia Menor. Essa cidade era um grande centro comercial e religioso e já havia sido visitada por Paulo anteriormente em suas viagens. É curioso, no entanto, observar que Paulo destaca o “senhor segundo a carne”, justamente, para diferenciar do “Senhor” como sinônimo de Deus. Deixando claro que o servo ou escravo deveria obedecer aos seus “donos”. Isso evidentemente, em nosso ver, não invalida o admirável trabalho de Paulo na divulgação do Cristianismo nascente, tão somente, mostra a face de um homem situado em seu tempo, sujeito ao equívocos e às influências naturais de seu meio.
Em carta aos Colossenses reafirma:

“Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus.” [Colossenses, 3:22]

Aqui temos a reprodução do Deus temeroso, punitivo e cruel que não se coaduna com o Deus de amor e bondade ensinado por Jesus. Um Deus que justifica a dominação do homem sobre o homem jamais fez parte dos ensinamentos do Cristo. Aqui, parece-nos que sobressai a influência do Deus apresentado por Moisés ao povo hebreu. E por falar em Moisés, vejamos o que ele nos fala sobre a escravidão:

“Escravos e escravas para vos servires, podereis adquiri-los entre os povos circunvizinhos. Poderes também comprá-los dentre os filhos dos estrangeiros, que peregrinam entre vós e dentre suas famílias, nascidos e crescidos na vossa terra, e serão vossa propriedade.” [Levítico 25:44-45]

No Êxodo, lê-se:

“Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá forro, de graça. Se entrou só com o seu corpo, só com o seu corpo sairá; se ele era homem casado, sairá sua mulher com ele. Se seu senhor lhe houver dado uma mulher, e ela lhe houver dado filhos ou filhas, a mulher e seus filhos serão de seu senhor, e ele sairá só com seu corpo.” [Êxodo 21:2-6]

Há uma série de outras referências na Bíblia sobre a escravidão. Sem nos alastrarmos em mais citações, desejamos refletir sobre o caráter legislativo e, portanto, humano, dessas referências.
Poderia causar estranheza para alguém, que textos bíblicos fossem coniventes com a escravidão! Ora, um exame consciencioso das passagens bíblicas demonstra que as religiões estiveram, praticamente, sempre vinculadas ao poder político, servido como justificativa moral para salvaguardar determinados interesses, muitas vezes, obscuros e tendenciosos.
Os textos bíblicos, impregnados da cultura hebraica, tentavam naturalizar a escravidão como uma prática comum – até porque os hebreus haviam sido escravizados no Egito – e, como bem se percebe, cristalizada no cerne daqueles povo antigos. Na verdade, a escravidão só começou a ser vista como uma prática “vergonhosa para a humanidade” no século XVIII.
Mas a Bíblia deve ser analisada sempre à luz da razão e do bom-senso, isto é, torna-se necessário diferenciarmos o que fazia parte da cultura e do contexto histórico da época, daquilo que realmente tem valor como verdades universais.
O Antigo Testamento, por exemplo, está cheio de representações simbólicas, contradições e mesmo práticas ancestrais, já superadas para os nossos dias. Não obstante, a Doutrina Espírita retira ou resguarda a essência do Velho Testamento consubstanciada no Decálogo. Este sim, de caráter universal, mantém-se válido nos dias atuais, personificando valores divinos e permanentes como: a vida, a justiça, a honradez, o amor, o respeito...
Jesus considerou a necessidade do Amor como sentimento capaz de unir os homens e de fazê-los crescer espiritualmente. Contrapondo-se aos regimes totalitários e opressores, ensinava, entre outras coisas, que a escravidão de qualquer forma e sob qualquer pretexto, é terrível violência contra a criatura humana. O Seu Evangelho é um hino de exaltação à prática dos valores nobres e dignificantes, como medida possível para os homens encontrarem a paz.
No final da Idade Média, todavia, a Igreja Católica aceitou e promulgou a escravidão como uma prática institucional que considerava justa, necessária ou inevitável. As escrituras não a condenavam e esse fato facilitou aos cristãos fazerem uso dela para dominarem, principalmente, os africanos, e pô-los a serviço do enriquecimento das monarquias Ibéricas. Com São Tomás de Aquino e as interpretações sobre o pensamento de Aristóteles, admitiu-se a escravidão como derivada de uma suposta inferioridade moral e/ou espiritual dos escravizados.
Essa postura adotada é um sofisma perigoso, justamente, por tentar justificar o erro mediante aparentes motivos “justos”, que desrespeitam a integridade moral do próprio ser humano. É o “cristão” ignorando o Cristo!
Allan Kardec, retomando a questão em O Livro dos Espíritos obtém a efusiva assertiva dos espíritos:

“È contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso como gradativamente desaparecerão todos os abusos.” [Questão 829]

A questão 830 da referida Obra, é bastante conclusiva diante do exposto até aqui e, portanto, dispensa maiores comentários. Vejamo-la:
“- Quando a escravidão faz parte dos costumes de um povo, são censuráveis os que dela aproveitam, embora só o façam conformando-se com um uso que lhes parece natural?
R. O mal é sempre o mal e não há sofisma que faça se torne boa uma ação má. A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Mas, aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa . Tendo-se a escravidão introduzido nos costumes de certos povos, possível se tornou que, de boa-fé, o homem se aproveitasse dela como de uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem.”
Com esse breve artigo, pretendemos alertar para a necessidade de uma leitura racional e contextualizada das passagens bíblicas, no sentido de percebemos a essência dos ensinamentos morais, muitas vezes, em contraposição com as próprias práticas cristalizadas da época. Jesus, é bom lembrar, jamais se contradisse, o que fê-lo, evidentemente, um homem incomparável, jamais compactuando com a injustiça e a exploração humana.

Referências Bibliográficas

PINSKY, Jaime. História da América Através de Textos. 5ª ed. São Paulo, Contexto,1994.

MELO, Mário Cavalcante de. Da Bíblia aos Nossos Dias. Curitiba, Livraria da Federação Espírita do Paraná, 1954.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 68º ed. Brasília, FEB, 1987.

A BIBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida. 26ª impressão, Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1972.

domingo, 27 de setembro de 2009

PARADIGMAS


Genericamente, paradigmas são referenciais pelos quais vemos, nos relacionamos e transformamos o mundo e a nós mesmos.
Na Baixa Idade Média (Séc. XI ao XV), dois paradigmas se destacavam: o geocentrismo, defendido pela ortodoxia religiosa vigente, afirmava que a Terra estava imóvel no centro do Universo e o Sol girava em torno dela. Já o heliocentrismo, era defendido pelo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), onde o Sol estava no centro do sistema planetário e era a Terra que girava em torno dele. Mais tarde, Galileu Galilei (1564-1642) comprova o acerto de Copérnico e passa a ser perseguido pela Igreja Católica, quase sendo morto nas fogueiras da “Santa” Inquisição.
No período em que vigorou o paradigma da escravidão negra no Brasil (Séc. XVI-XIX) alguns senhores costumavam afirmar que o escravo de canela fina era trabalhador e o de canela grossa era preguiçoso. Temos aí duas formas ou referenciais totalmente equivocados, ética e moralmente falando, de ver a vida. Paradigmas superados com a natural maturação consciencial da civilização.
Na medida em que o Ser humano aperfeiçoa a sua consciência à respeito da vida, novos referenciais emergem, sucedendo as antigas culturas, arcaicas e impotentes, portanto, declinantes.
No que diz respeito a compreensão sobre a vida e a morte, o princípio dialético de renovação cultural é o mesmo. A morte é uma fatalidade biológica, mas a continuidade da vida é um determinismo divino. Verdadeiramente, podemos afirmar que o Espiritismo substituiu com propriedade, o substantivo abstrato e difuso “morte”, pelo substantivo concreto “desencarnação”. Naturalmente, o termo desencarnar expressa com mais fidelidade o mecanismo pelo qual ocorre a desenmantação do espírito em relação ao corpo físico.
Vivemos em um cultura ocidental que educa o indivíduo para a vida exterior, baseada num paradigma newtoniano do século XVII, o que equivale dizer, num referencial de vida mecanicista onde o ser humano foi reduzido a uma estrutura físico-química fadada a desaparecer com a morte.
Segundo o físico Fritjof Capra, em seu livro “O Ponto de Mutação”, a humanidade, no momento atual, vivencia um processo de transformação cultura, ou seja, uma mudança de paradigmas, não obstante, a predominância de uma cultura materialista que está visivelmente declinante por recusar-se a mudar, aferrando-se cada vez mais obstinada e rigidamente a suas idéias obsoletas; mas o seu declínio continuará inevitável, ao mesmo tempo em que a cultura nascente consubstanciada em uma visão espiritualista continuará ascendendo e assumirá finalmente o seu papel de liderança.
No entanto, lembremos que mudanças evolutivas e educacionais dessa magnitude, não ocorrem a curto prazo e de forma simplista. Nesse contexto, o Espiritismo é ontológico, oferecendo uma cosmovisão da vida, situando o homem na condição de espírito imortal e pluriexistencial. Tem influído profundamente no progresso e na ascendência de uma nova cultura voltada para o autodescobrimento do homem integral.
A Doutrina Espírita vem trabalhando o intelecto e as emoções humanas, a fim de que se possa admitir a morte como parceira da vida, retomando às reflexões oriundas dos ensinamentos de Jesus Cristo. O Espiritismo é, sem dúvida, a síntese dessa cultura emergente, pois sintetiza em sua ampla e dinâmica conceituação todas as conquistas reais da tradição religiosa, filosófica e cientifica, acrescentando novos conhecimentos sobre a natureza humana e seu processo evolutivo.
Depreende-se, finalmente, que o paradigma espírita enseje uma psicologia educacional para a morte nos moldes da pertinente e lúcida afirmação do prof. Herculano Pires: “A educação para a morte não é nenhuma forma de preparação religiosa para a conquista do céu. É um processo educacional que tende a ajustar os educandos à realidade da vida, que não consiste apenas no viver, mas também no existir e no transcender”.

domingo, 20 de setembro de 2009

OS SIGNIFICADOS DA MORTE


“No dia em que a morte bater à tua porta
Que lhe oferecerás?
Porei diante de minha hóspede o vaso cheio de minha vida.
Nunca a deixarei ir de mãos vazias...”

Rabindranath Tagore


Preâmbulo

Ao longo de seu processo histórico o homem passou a significar, em diversas manifestações socioculturais, o seu relacionamento com a morte. A idéia de sua finitude biológica levou-o, com maior ou menor consciência, a estabelecer – desde tempos remotos – significados a esse acontecimento inexorável. A necessidade do ser humano compreender a morte ensejou a criação de mitos, rituais funerários, modelos teóricos explicativos de sua temporalidade biológica, etc. Da mesma intensidade com que procurou compreendê-la, o homem vem lutando contra ela. O medo do desconhecido gera insegurança, devido ao instinto de conservação. Da insegurança ou esperança, do confronto com essa realidade, nasceram religiões e filosofias que estimularam o homem à reflexão sobre si mesmo.
Refletir sobre os significados atribuídos à morte nos ajuda a compreendê-la como experiência importante para o gênero humano. Analisando ampla bibliografia sobre o assunto, pretendemos descrever algumas formas de relacionamento do homem com a morte, do ponto de vista histórico, sem perder, no entanto, nossa tese central: evidenciar a morte como parceira da vida. Os significados atribuídos a morte, pelo angulo da transcendência, nos levam a compreende-la dentro do próprio inconsciente coletivo, uma vez que o homem é um ser pluriexistencial que já vivenciou múltiplas experiências do nascer e do morrer.

Primeiros significados

A prática de enterrar os mortos teria começado com o Homem de Neandertal, evitando assim que os corpos fossem devorados por animais. Adotou-se a prática de abrir cavidade nas rochas, onde os corpos eram colocados de cócoras e coberto de pedras. Junto ao corpo eram depositado seus objetos pessoais e alimentos. Segundo Chiavenato pesquisadores do Museu do Homem de Paris, teriam descoberto em uma sepultura de 60 mil anos, referente ao homem de Shanidar, grãos de pólen espalhados ao redor dos fósseis. Diante de tal descoberta, concluiu-se, naturalmente, sobre a importância dos rituais mortuários nesses grupamentos primitivos.
Mais tarde, já com o Homem de Cro-Magnon, encontrou-se corpos esticados na posição horizontal de costas para baixo, ou em posição fetal. No Mesolítico, época dos últimos caçadores e coletores, as sepulturas passam a ser ovais e pouco profundas, sendo mais comuns as sepulturas coletivas, onde identificou-se, também, indícios de oferendas ou rituais funerários. Quais os significados que esses homens ancestrais teriam dado à morte? Difícil afirmar. Todavia, surge a necessidade de cultuar os mortos e, ao mesmo tempo, salvaguardar os vivos. Isso ocorre através de rituais que visavam agradar os deuses, na esperança de proteção. O sentimento religioso surge, portanto, associado a idéia do temor. E o temor será a base dos estímulos religiosos para a conduta humana nas diversas sociedades, principalmente, Antiga e Medieval.
A civilização do Nilo, por sua vez, atribuía à morte uma dimensão metafísica. Em O Livro dos Mortos, provavelmente com origem na V Dinastia (2.345 a.C.) os egípcios buscavam indicações sobre a passagem do morto pelas diversas etapas em sua jornada pós-morte. Os rituais mortuários no antigo Egito, tipificavam a morte como uma continuação da vida. Daí a necessidade da preservação do corpo (privilégio, normalmente, da nobreza) para que o espírito a ele retornasse, após sua jornada pelo mundo dos mortos. Atribuiu-se tal importância à morte que quarenta e cinco séculos antes de Cristo, na mitologia egípcia, Anúbis ou Anpu, era o deus da morte, presidindo o embalsamamento e o sepultamento. Acreditava-se que o corpo devia ser conservado para permitir a sobrevivência do duplo (Ka), uma espécie de matéria vaporosa e colorida que adotava a forma do corpo e do espírito. O espírito ou alma (Ba), por sua vez, era representado por uma chama ou um pássaro que voaria na direção da luz ou acompanharia o seu sepultamento.
Bem se percebe que a idéia da imortalidade da alma, do períspirito e da reencarnação, fazia parte da cultura religiosa, não só dos egípcios, mas de grande parte dos povos da Antiguidade. Nesse sentido, a morte personificava, no Egito, não somente a imortalidade da alma, mas, também, a “imortalidade do corpo”. A morte não era vista como “fim”, mas como um processo, imanente e transcendente à existência corporal. Entretanto, o destino da alma estava subordinado ao comportamento do morto, enquanto vivo.

O nascimento da morte

Segundo Long , a inevitabilidade da morte na mitologia hindu, pode ser bem compreendida em uma interessante narrativa do Mahabharata, onde um sábio tenta amenizar o sofrimento de alguém que acabou de perder uma pessoa querida, contando-lhe uma fábula sobre a origem da morte. Segundo a história, Brahmã criou tantos seres que a Terra começou a ficar cheia a ponto de não haver mais lugar para respirar. Nessa época a morte não existia. Nasciam multidões de criaturas mas ninguém morria. Como resultado, a Mãe Terra começou a sentir-se tão sobrecarregada com o excessivo número de pessoas que suplicou que Brahmã lhe aliviasse a “carga”. Ele conteve um pouco de sua energia criadora a fim de prover tanto a criação quanto a destruição. Com isso, Brahmã dá origem a uma mulher em túnica escarlate, olhos de intensa luz vermelha, a quem denomina “morte”. Sua missão seria a de “retirar” da Terra, a seu devido tempo, todos os seres humanos. Todavia, a morte negou-se a tal tarefa, receando, naturalmente, a ira dos parentes diante da ausência de seus afetos. A morte afastou-se então da Terra, para levar uma vida ascética. Entretanto, Brahmã voltou a persuadi-la para que executasse seu dever. Finalmente, transformou as lágrimas de sofrimento da morte em moléstias, instrumentos para remover os seres da Terra.
A história é finalizada com um ensino moral: “Sabendo que a morte chega para todos, a pessoa não deveria sofrer. Pois tal como os cinco sentidos desaparecem quando a pessoa dorme profundamente, e depois voltam à vida quando a pessoa acorda, assim também, de modo semelhante, as criaturas que morrem vão deste mundo para outro, e depois voltam para aqui novamente, no seu devido tempo.”
Ora, o criador não poderia destruir sua própria criação! Encontrou meios de evitar uma super população na Terra, não destruindo, mas “removendo” para outros planos da vida, as criaturas humanas. A morte, nessa fábula, representa o princípio do equilíbrio, sem o qual a vida humana na Terra seria asfixiada. É uma benção, não uma desgraça. Para alguns historiadores, entretanto, o temor da morte seria gerado pelo desenvolvimento das idéias religiosas. Os ensinos de um castigo a pós a morte para aqueles que não agiram nessa vida de forma adequada fomentaria, em diversas culturas, o medo da morte pelo que se enfrentaria depois: dores infernais, castigos eternos....

NOTAS

1. CHIAVENATO, Júlio José. A morte: uma abordagem sociocultural. São Paulo, Moderna, 1998. Página 13
2. JULIEN, Nadia. Minidicionário Compacto de Mitologia. 1ª ed. São Paulo, Rideel, 2002. Páginas 38, 259, 260.
3. LONG, J. Bruce. Phd. A Morte que termina com a morte no Hinduísmo e no Budismo. In. Morte Estágio Final da Evolução. Elisabeth K. Ross. Nova Era.

domingo, 13 de setembro de 2009

A GUERRA FARROUPILHA: O QUE HÁ PARA COMEMORAR?




Todo o ano é a mesma coisa. Aquela data, quase mágica para os mais ufanistas, é lembrada e festejada nos diversos recantos do Rio Grande do Sul, não para relembrar um fato que, na verdade, não há muito que ser comemorado, mas para manter vivo um discurso político. Sim! Estamos nos referindo ao 20 de setembro e as comemorações da semana farroupilha.
É interessante que o escritor gaúcho Alcy Cheuiche, ao término de seu romance intitulado A Guerra dos Farrapos, lançado por ocasião do sesquicentenário da guerra, anotou: “... a guerra até hoje não chegou ao fim.”
O que podemos depreender disso? No mínimo, que essa frase está carregada de significados nem tanto ocultos. A rigor, as relações entre o Rio Grande do Sul e o Governo Federal, no final do regime militar, foram marcadas por desentendimentos políticos e econômicos, à semelhança do que ocorrera em outras épocas e, se podemos dizer, ainda ocorrem hoje, quer sob a questão tributária, ou em relação ao sentimento de marginalização do Estado, no dizer de alguns, ao que se refere às decisões do “poder central”. Dessa forma, as “feridas” se mantinham e, se mantém, “abertas” no que tange aos velhos discursos políticos.
Diante das situações de “crise do Estado” reatualizam-se os empolados discursos onde o problema da crise é devido, entre outra coisas, à posição “periférica” ocupada pelo Rio Grande do Sul, em relação as políticas do Governo Federal. Em 1984, é publicado pela Secretaria de Justiça do Estado, um manifesto intitulado Carta aos libertadores onde, entre outras coisas, afirmava-se:

“A federação é uma farsa. O centralismo financeiro está levando os Estados à insolvência. Nosso Rio Grande sofre, abalado na sua vocação de crescer pelo trabalho e ferido no seu orgulho de povo de lutas, reduzido à condição de pedinte. Jamais acalentamos o espinho divisionista, mas as razões de hoje são mais fortes que as de 35.”

Observam-se, claramente, os discursos evocativos, acirrando os velhos ideais farroupilhas no presente. Por esses, entre outros fatores, é que as comemorações da semana farroupilha se tornam, a cada ano, mais empoladas nas representações do regionalismo sulino e, portanto adequada aos sucessivos discursos políticos e ideológicos de nosso Estado. De certa forma, isso visa colocar, não o Rio Grande do Sul como protagonista de uma “grande façanha”, mas a lógica é exatamente o contrário. Trata-se de vincular a figura do Estado a uma espécie de espoliação do Governo Federal e, com isso, delegamos o teor das grandes responsabilidades a um agente externo.
Esse discurso é interessante, pois, com ele, passa-se a “deslocar” os problemas do Estado e, com isso, tenta-se – de certa forma – resguardar as responsabilidades de nossos governantes locais. Com isso, não estamos defendendo ou desconsiderando as responsabilidades federais diante da séria e evidente questão fiscal, nem mesmo estamos eximindo de responsabilidades o governo federal por sua, às vezes, excessiva centralidade política.
Em 1985, o então Ministro da agricultura e depois governador do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, enfatizava:

“[...] A forma pela qual o Rio Grande participa da vida nacional está ancorada em dificuldades que vêm de longa data. Refiro-me à maneira tradicional de inserção do Rio Grande na política nacional. Nossa participação na vida política tem oscilado entre dois extremos. De um lado, a participação periférica no sistema de poder central. Com a revolução de 30 nossos melhores quadros políticos e administrativos emigraram para o centro do país e ocuparam posições de destaque na administração federal. O projeto de modernização que se implantou a partir daí, entretanto, não contemplava o Rio Grande com um posição destacada, equivalente a nossa contribuição para a direção da máquina estatal.”

Ocorre que, passados um longo tempo da guerra farroupilha, os discursos continuam de certa forma, com a mesma tônica, enaltecendo as “diferenças históricas” do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil. Muito embora, essas diferenças estarem, em muito, somente no imaginário coletivo dos rio-grandenses através da habilidade de seus dirigentes em “adequar a memória histórica”ao seus interesses. Com isso, as classes dominantes sulinas buscaram, historicamente, fora de suas fronteiras os “culpados” para justificar os seus problemas internos e, portanto, reforçar – ontem como hoje – uma idílica identidade que se revigora nos momentos de crise.
Assim sendo, a guerra farroupilha tem sido difundida, nos mais diversos eventos, como uma insurreição cujo caráter representava os ideais de “liberdade, igualdade e humanidade” que continuam norteando os interesses do Rio Grande do Sul. Sem pretendermos, no breve espaço desse artigo, o aprofundamento dessa questão, torna-se interessante alguns apontamentos sobre o ideário dos farrapos.
A guerra farroupilha enquadra-se no conjunto das tantas revoltas provinciais que investiram contra o Governo Central, no que tange a configuração de um modelo de Estado Nacional Brasileiro que lhes atendesse os interesses de maior liberdade econômica e política. Tal questão definiu uma conjuntura de conflitos pela redefinição de poderes entre as elites regionais, que, no caso do Rio Grande do Sul, era formada, em grande parte, pelos estancieiros e chefes militares da Campanha.
O modelo de governo defendido pelas elites pastoris, com a guerra dos farrapos, pretendia assegurar-lhes o controle sobre o Sul, já que o liberalismo farroupilha era profundamente conservador internamente. Isso fica evidente com a Constituição da República Rio-grandense em seus vários artigos e, especialmente, em seu Título II, Artigo 6º, onde se lê: “São cidadãos rio-grandenses todos os homens livres nascidos no território da República.” Ora, isso excluía do direito à cidadania os trabalhadores escravizados, os imigrantes e as mulheres. Alem do mais, a república dos farrapos excluía de votação nas assembléias paroquiais, entre outros, os que não tivessem renda anual de cem mil réis por bem de raiz, comércio ou emprego.
Ora, que modelo de liberdade é esse de que tanto os rio-grandenses se ufanam? A questão da igualdade defendida pelos farrapos era uma farsa, uma vez que eles próprios não libertaram seus cativos. A liberdade, por sua vez, vinculava-se à idéia de ganhar mais autonomia econômica e política em relação ao Império como forma de garantir a propriedade. A rigor, os farrapos formavam um grupo político, os liberais (moderados e exaltados) que não possuíam um projeto de reformas sociais, mas sim, de ampliação do seu “status quo” dominante.
No passado, como no presente, a manipulação do imaginário social pelo discurso político, potencializa um “sentimento agregador”, indispensável para a formatação da identidade de uma coletividade. Identidade essa, formada pelas representações simbólicas que tipificam a ideologia da classe dominante. Ora, quem tem o poder de criar representações sobre o passado, manipulando a memória, tem o poder de criar “verdades” e perpetuar o próprio poder.
Nesse sentido, as “datas comemorativas” possuem essa função de manter vivo, na memória popular, os elementos simbólicos onde o passado revitaliza o presente. No final do século XIX, Júlio de Castilhos já defendia a comemoração do 20 de setembro como uma data representativa dos ideais republicanos. Após a proclamação da república, na medida em que o PRR (Partido Republicano Rio-grandense) assumia o poder político, passava-se a definir os símbolos oficiais do Estado inspirados na guerra farroupilha.
Portanto, não é de se estranhar que a sede do governo do Estado seja denominada “Palácio Piratini”, em alusão à cidade que foi sede da república Rio-grandense. Ou que o hino Rio-grandense seja uma apologia a guerra de 35, ou então, que a bandeira tricolor do Estado represente os qualificativos da “alma gaúcha”: “a coragem”, “o sacrifício”, “o sangue derramado” para defender o Rio Grande do Sul de seus algozes.
Vivemos num Rio Grande do Sul de muitos matizes e contradições sociais que, na maioria das vezes, parecem ficar submersos, às vezes, alienados, nos festejos superficiais sem o devido aprofundamento da reflexão histórica. Dessa forma, a sociedade gaúcha, continua sendo cooptada, pela mídia, pelo poder institucional e por certos setores intelectuais, a manter vivas as “tradições” dos “donos do poder”.

Referência Bibliográfica

ALMEIDA, Jerri Roberto S. Heróis de Papel as representações sobre a Revolução Farroupilha na literatura. Porto Alegre: Editora Alcance, 2007.

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