domingo, 3 de fevereiro de 2013

A VOZ QUE VEIO DA BOÊMIA


Jerri Almeida

Ele tornou-se, em sua época, um dos maiores críticos dos desvirtuamentos e desvio de rota que o cristianismo sofria. Uma voz, por vezes solitária, irrompia no interior da Universidade de Praga, onde lecionava e tornara-se reitor. Nos sermões proferidos, conclamava os ouvintes a praticar as virtudes dos apóstolos, dos pobres e dos iluminados pelos ensinamentos de Jesus.  Referimo-nos ao professor João Huss (1369-1415), nascido no antigo reino da Boêmia, região da extinta Tchecoslováquia. No século XIV, a Boêmia era um dos reinos que compunham o Sacro Império Romano-Germânico. Conhecedor profundo dos textos bíblicos, formado em teologia e professor num importante centro intelectual da Europa, João Huss denunciava a farsa dos milagres e da corrupção pelo poder entre os religiosos.  Insistia, no entanto, na necessidade de se procurar o Cristo dos Evangelhos, um Cristo muito diferente daquele divulgado pela Igreja.
No ano de 1414, Huss foi enviado pelo imperador Segismundo, do Sacro Império, para o Concílio de Constança, onde deveria se defender das acusações de heresia contra a Igreja. Deveria, na verdade, provar sua inocência renunciando as suas ideias, na frente dos bispos e cardeais presentes no concílio. Ele, todavia, não voltou atrás, mantendo suas ideias e críticas ao sistema teológico de sua época. Condenado por heresia, foi morto na fogueira em praça pública.
Conforme nos informa o historiador José Rivair Macedo, (MACEDO, 1996, p. 74-75) a execução de João Huss tornou-se um estopim de uma revolução não somente contra o imperador, mas também contra as autoridades eclesiásticas. Os hussitas, como ficaram conhecidos os seguidores de Huss, rejeitavam os dogmas sobre o purgatório, desprezavam os rituais e não acreditavam nas imagens, além de postularem um cristianismo mais límpido e sem pena de morte. No entanto, o movimento também adentrou para posturas fundamentalistas de ódio, distanciando-se daquilo que pregava.
No ocidente, ao longo da história surgiram muitos pensadores religiosos que buscaram  aproximar-se do pensamento de Jesus na sua essência. Disto implicaria uma reformulação sobre vários aspectos da ideia de fé, sobretudo, no que tange a uma fé destituída de medo, mais livre e associada à natureza racional humana. A fé continuava, no entanto, a representar “obediência absoluta em Deus” e ao seu representante na Terra. A “conversão” tornou-se o discurso utilizado, de forma mais “branda”, de adesão ao dogmatismo e, por recompensa, para  salvação na vida pós-morte.
O estudo na natureza, sobretudo a partir do século XVI, constituía de fato uma tentativa nova para compreender Deus.  Para Robert Fludd, membro do Royal College of Physicians, o conhecimento do microcosmo, ou seja, do corpo humano, poderia revelar melhor a própria estrutura do Universo, acabando por aproximar mais o homem de Deus. Para ele, quanto maior o nosso conhecimento sobre o Universo, mais avançamos no conhecimento de nós mesmos. (ELIADE, 2011, Vol. 3, p. 242) O cientista parecia estar mais próximo de Jesus do que o teólogo.

Referências Bibliográficas

BLAINEY, Geoffrey. Uma Breve História do Cristianismo. São Paulo: Editora Fundamento, 2012.

DELUMEAU, Jaan. História do Medo no Ocidente1300-1800. Tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

ELIADE, Mircea. História das Crenças e da Ideias Religiosas. Vol.3, Trad. Roberto Cortez de Lacerda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2011.

MACEDO, José Rivair. Religiosidade e Messianismo na Idade Média. São Paulo: Moderna, 1996.




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