sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

REVISÃO EXISTENCIAL - Final


O preceito do amor ao próximo, também foi visto como algo bastante inviável para a natureza humana, por seu instinto agressivo, por sua ancestral brutalidade. Mas, mesmo ignorado pela grande maioria dos habitantes do planeta, o afastamento do amor em nada contribuiu para o melhoramento das relações humanas. Sem o imperativo do amor, a vida tornou-se vazia, mesmo quando cercada por riquezas materiais. A violência aumentou e, com ela, a insegurança nos leva ao velho dilema sobre a vida e o viver.
A indisposição humana para o “amar ao próximo como a si mesmo” não criou um mundo melhor, pelo contrário, deixou um vácuo, uma lacuna insubstituível. Ainda hoje, ideias não faltam quando se discute os problemas da convivência, da intolerância e dos preconceitos. Todavia, as alternativas oferecidas por pensadores e autoridades, são sempre pelo viés intelectual. Enquanto isso, milenarmente, o pensamento religioso e filosófico do Oriente, buscou na espiritualidade caminhos mais coerentes para a não-violência e para a convivência pacífica.
Mas para muitas criaturas, ainda hoje, o amor é uma idealização, muito vinculada ao mistério, ao romance, à paixão, quando não, um mero roteiro literário. Enquanto isso, o instinto, a violência, o desrespeito, avançam em todos os meios. Colocamos o amor no patamar do discurso, numa espécie de redoma de vidro, sendo tirado dali apenas para uso no meio familiar, quando se é correspondido, naturalmente. O resto deixou-se para os “religiosos” de profissão.
 Muitos no mundo sentem a necessidade de amar, mas não sabem exatamente o que fazer, como e quando proceder. Esse é um notável começo, ou seja, perceber, naturalmente, lá no fundo da alma, a necessidade de amar. Nessa proposta está o foco de uma verdadeira revolução na convivência. Isso ocorre na essência do próprio ser humano que passa a modificar impulsos e sentimentos, não para a conquista do céu ou de elevação espiritual, mas para viver melhor a vida, com mais plenitude e felicidade.
O Espiritismo chamou-nos a atenção para essa postura tão simples, e tão necessária. Revisitou os ensinamentos de Jesus sob uma ótica inovadora, demonstrando que o amor, sim, faz parte do potencial humano. Retirou, assim, o amor do patamar dos sentimentos inatingíveis, para aproximá-lo da vida cotidiana, da convivência diária.
A revolução da convivência, para nós espíritas, poderia bem ser exercitada no espaço da Sociedade espírita. Entre os irmãos de ideal. Não deixaremos de ter conflitos, divergências, desentendimentos, posições diferentes sobre determinados assuntos, etc. Entretanto, quando o amor está, verdadeiramente, no leme, conduzindo as rotas de nossas vidas, os desafios são enfrentados de outra forma. Mesmo as “brigas”, quando sustentadas no amor, não se tornam agressivas.
Por isso, a “boa nova” trazida pelo cristianismo, o “amor”, representou desde o início, uma proposta revolucionária, capaz de engendrar grandes transformações no relacionamento humano. Logo, a proposta revolucionária do “amar ao próximo” não se relaciona com  a conquista da salvação após a morte física, ou coisa do gênero, mas com a conquista da harmonia na convivência diária.
O Espiritismo, em termos de comportamento, nada impõe ou obriga. Deixa que cada um delibere sobre seus atos, com base em sua própria consciência. Todavia, todo o conjunto de ensinamentos teóricos da Doutrina objetiva um fim prático, inovador, para sustentar mudanças no individuo e, por extensão, na sociedade. Essas mudanças, obviamente, são gradativas e ocorrem a partir do nível mental para o comportamental. Permeando as várias fases desse processo está a educação dos sentidos, instintos e sentimentos. 

domingo, 11 de dezembro de 2011

REVISÃO EXISTENCIAL - 1ª Parte


Todos almejam uma revolução na convivência humana. Já não podemos mais assistir,  rotineiramente, cenas de agressividade e intolerância, envolvendo os diversos setores da sociedade. O novo milênio aponta para uma crescente complexidade das relações humanas. Obcecados pelo pragmatismo da vida contemporânea, o ser humano vive a vulnerabilidade dos sentimentos éticos, formadores de uma cultura da paz. A vida moderna exige com que tudo seja rápido, instantâneo, condicionando os indivíduos à impaciência e à angustia diante das situações cotidianas.
Em uma notável reflexão sobre a vida atual, Dalai Lama, em seu livro “Uma ética para o novo milênio”, assim expressou-se:

A meu ver, criamos uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil  demonstrar um mínimo de afeto aos outros. Em vez da noção de comunidade e da sensação de fazer parte de um grupo (...) encontramos um alto grau de solidão e perda de laços afetivos. 

A complexidade do mundo moderno, inexoravelmente, vem contribuindo, com sua racionalidade e técnica, para aumentar a frieza da convivência. Isso é quase automático, assim nos permitimos conduzir, desqualificando a fraternidade, a paciência e a compreensão na família e no entorno social. Convivências mal conduzidas, insatisfações psicológicas e emocionais, determinam uma fuga para os medicamentos, na expectativa de neles encontrar o elixir milagroso para uma nova vida.
Em uma de suas primeira viagens ao Ocidente, Dalai Lama conta que ficou hospedado na residência de uma família muito abastada, que gentilmente o acolheu. Havia muitos empregados na casa, todos atendiam com gentileza e isso, por um determinado tempo, fez com que ele pensasse que a felicidade poderia estar, realmente, naquela condição de abastança material. Ali poderia estar a “prova”. Entretanto, para sua surpresa, ao passar por um banheiro, percebeu, através da porta entreaberta do armário, uma quantidade expressiva de medicamentos, tranquilizantes e remédios para dormir. Ele conta que a partir daí, passou a pensar que existe uma grande diferença entre os sinais exteriores e a realidade interior.
Vivemos nesse paradoxo. Sabemos que o caminho para um nível de completude civilizatória e espiritual passa pela experiência de construirmos uma sociedade mais humana. O próprio Freud, em seu escrito sobre O mal-estar da civilização, admitiu que um dos maiores preceitos de nossa civilização é a assertiva cristã: “amar ao próximo como a si mesmo”. Mas esse, também, tem sido um dos grandes dilemas humanos. O sociólogo Zigmunt Bauman, em seu livro intitulado “Amor Líquido”, chegou a refletir sobre a “dificuldade de amar ao próximo”. Ora, se esse é um preceito fundamental, onde está sua dificuldade?
A grande indagação do ser humano, a partir do cristianismo, foi: “por que devo fazer isso?” As religiões ortodoxas, formadoras de nossa mentalidade, instituíram o “amor ao próximo” como um princípio moralista, de subserviência a Deus, para atrair sua atenção para nós, míseros humanos. Amar ao próximo tornou-se um bom argumento para barganharmos com Deus uma compensação, afinal, tudo isso é muito difícil. Mas, no geral, como Deus não faz barganha, nos decepcionamos e percebemos a inutilidade de amar ao outro.  A civilização chegou, com sua técnica e nos prometeu que com a ciência, nossos sofrimentos seriam atenuados, teríamos mais conforto, quem sabe até, a juventude permanente.
O desconcerto religioso e o pragmatismo humano, no eclodir da modernidade, afastaram de nós o interesse por “amar ao próximo”. Passamos a viver em sociedade mais por necessidade do que por prazer. A busca do prazer nos levou, significativamente, para uma vida individualizada, permeada de preocupações egoísticas. A pergunta passou a ser: “o que eu ganho em amar o próximo?” A resposta, bem formulada, para essa indagação poderia ter nos ajudado a mudar o rumo de nossa sociedade. 

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