domingo, 16 de novembro de 2014

APRECIAÇÃO SOBRE O LIVRO: "KARDEC E A REVOLUÇÃO NA FÉ"

Meu caro Jerri:

    Terminei, dias atrás, a leitura de seu excelente "Kardec e a revolução na fé", mas, como estava envolvido no encerramento da edição de novembro do jornal Opinião, só agora encontrei tempo para cumprimentá-lo pelo trabalho. Aliás, no Opinião que deverá sair nos próximos dias, redigi uma nota sobre o livro, recomendando sua leitura. Já adquirimos alguns exemplares para vendê-lo no CCEPA.
    Referi, na nota, que seu trabalho retoma temas que foram preocupações de grandes escritores espíritas brasileiros como Deolindo Amorim e J.Herculano Pires. É ótimo que seja assim, em momento em que a maioria das publicações "espíritas" se distancia da racionalidade filosófica kardequiana, para se dedicar quase que exclusivamente a produções pretensamente mediúnicas de baixa qualidade. Vejo no seu trabalho a retomada de reflexões muito bem postas especialmente por Herculano, mas, também, ouso afirmar que, em alguns aspectos, você supera Herculano Pires, imprimindo ao texto uma linguagem mais amena e com melhor abertura ao livre-pensamento. A fé espírita, para você, diferentemente do autor de "O Espírito e o Tempo", fortalece mais a dúvida filosófica do que algumas "certezas" que Herculano entronizou como definitivas.
    Dentre outras tantas qualidades, seu livro é resultado de uma atenta busca de conteúdos da "Revista Espírita", aquele verdadeiro laboratório de ideias, em cujas páginas Kardec gestou e deu corpo a um gênero de fé perquiridor, liberto do espírito de sistema das religiões e ideologias e aberto, sempre, à progressividade do conhecimento humano.
    Parabéns por seu trabalho. Espero que continue enriquecendo a cultura espírita com outras obras, nessa mesma linha independente e destemida.
    Se isso poderá contribuir com a divulgação de sua obra, você e sua editora estão inteiramente autorizados a divulgar, onde quiserem, a opinião pessoal acima dada. Agora, e apenas para sua reflexão, me permito a seguinte observação:
    Há algum tempo, deixei de utilizar, em meus escritos ou em palestras, expressões como: Jesus Cristo, moral cristã, cristianismo, etc., como ideias afins ao espiritismo.
    Com o desenvolvimento dos estudos que separam a figura mitológica de Jesus Cristo, o deus que se fez homem para salvar a humanidade, e que é a base teológica do "cristianismo", da figura histórica de Jesus de Nazaré, nós, espíritas, devemos contribuir para a melhor compreensão de um e de outro.
    Aliás, quem primeiro atentou para isso, no meio espírita, foi o próprio Herculano Pires, na Introdução de "Revisão do Cristianismo", onde traça em belíssimo texto as diferenças entre Jesus Cristo, o deus cristão, nascido de uma virgem,  e Jesus de Nazaré, o homem apontado pelo Livro dos Espíritos como "modelo e guia da humanidade". Pena que Herculano, apesar disso, tivesse continuado a se referir a "Jesus Cristo" ou "ao Cristo" e insistido nessa ideia do "cristianismo redivivo", etc. que, me parece, são incompatíveis com as ideias modernas e progressistas assumidas pelo espiritismo.
    Penso que quando nos referimos a Jesus como "o Cristo", no espiritismo, estamos reforçando essa ideia salvacionista, do "ungido", "filho unigênito de Deus", enviado à Terra para resgatar o homem do pecado original, ideia central do cristianismo que à fé racional espírita não faz nenhum sentido.
    Bem, estou transmitindo ao amigo uma reflexão que, para nós, da CEPA, hoje, implica num consenso, que fomos construindo ao curso das últimas décadas. Sabemos muito bem que o próprio Kardec se utilizou daquelas expressões e, em alguns momentos, também se valeu de conceitos "cristãos", incompatíveis, hoje, com uma visão progressista e mais racional de espiritismo. Mas, como formamos um movimento à margem, sem compromisso com a terminologia "oficial", para nós fica mais fácil esse trabalho de atualização não apenas de conceitos, mas também de linguagem. Sei - porque já senti isso na carne - que para quem ainda está vinculado ao sistema organizacional espírita, é mais difícil esse tipo de contestação. De qualquer maneira, fica a observação e o desejo, inclusive, de trocarmos ideias a respeito do tema.
    Não se trata, absolutamente, de uma crítica ao seu livro, que guarda inteira fidelidade às ideias e à linguagem de Kardec, mas de um convite a uma reflexão que pode estar abrindo um novo caminho, mais independente, mais livre-pensador, mais moderno, ao espiritismo. Sei que essas ideias nos aproximam muito.

    Um abraço afetuoso.

    Milton Rubens Medran Moreira


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