segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte?


Jerri Almeida

Sobre Deus já se disse muito. Desde que não existe, até de que já morreu. Tema fundamental não somente da teologia, mas da filosofia, o pensar sobre Deus, em tempos de hipermodernidade, continua atual. É natural, no entanto, que Deus assuma diversos significados conforme o contexto histórico e mental de cada época. Platão, no século IV a.C., foi um dos primeiros pensadores a definir Deus como uma potência superior com ilimitada inteligência e bondade: o Demiurgo, uma espécie de ordenador do mundo.  Em seu texto denominado Timeu, Platão afirma que Deus é esse poder que dá ao mundo as expressões mais perfeitas do existente: o bem, a justiça, o amor, a beleza...
O caminho direto para Deus está aberto! Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, pondo-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!” O episódio do louco de Nietzche sob um olhar contemporâneo, marca a morte do deus idealizado e temerário, capaz de castigar severamente, sem perdoar o homem infantilizado que ele próprio criou. Quanto há para pensarmos sobre Deus?
Pois é exatamente essa a proposta de João de Deus Brasil, pseudônimo adotado pelo escritor Lebrum Marques, ao publicar: Por que creio em Deus. Minha amizade, ao longo dos anos com o autor, me permite percebê-lo profundamente culto e sensível. Trata-se de um escritor que transita com segurança pelo mundo das palavras e dos argumentos. Afirma que: “muitos de nós atravessamos a existência aferrados a conceitos absurdos e não nos permitimos avançar.” E, por isso, nos conduz o raciocínio para acompanhá-lo em suas experiências que, no conjunto, propõem-se responder à questão-título desse livro.
Não se trata de um texto religioso, muito menos de memórias. Com fina habilidade, o autor utiliza-se de recortes de sua vida pessoal e familiar, para evidenciar fatos de natureza transcendentes e, ao mesmo tempo, universais. Soube interpretá-los com maturidade, extraindo imperiosas lições, como no capítulo: “O Cristo redentor”, onde relata a dramática viagem aérea com sua família, em 1967. Ao leitor compete examinar a força dos fatos, tirando suas próprias conclusões.
Passando, em sua juventude, pelas fileiras do ateísmo, o autor foi vencido pelas evidências dos fatos. Sim, possivelmente não existam ateus verdadeiramente ateus! Ainda hoje, cosmólogos e astrofísicos se indagam: como é possível o “nada” ter criado tudo? Camille Flammarion, o celebre fundador do observatório de Juvisy-sur-Orge, na França, com seu espírito perquiridor asseverava: Dieu dans la nature. Também o autor concorda com a presença de Deus na natureza, como quando apresenta o exemplo da “borboleta-coruja”, enfatizando a “assinatura do Criador ao pé de Sua obra.”
No fundo, o imperativo de Deus está inscrito, conforme observou Jung, no inconsciente coletivo. Negá-Lo, já é atestar, a priori, Sua existência. Como negar algo que não existe? Todavia, a construção da convicção sobre Deus é algo pessoal e obedece aos ditames de um aprimorado olhar sobre a vida. Cada indivíduo possui seu ritmo próprio para percorrer essa trajetória mental.
O ateísmo de hoje, projetado no tempo, transformar-se-á em ditosas reflexões e perquirições de elevado alcance sobre os mecanismos da vida e sua causalidade divina. Na medida em que a humanidade avança, o conhecimento se complexifica, desvelando novos saberes e novos horizontes conceituais. De tal forma que, inexoravelmente, não obstante os profetas do negativismo de ontem e de hoje, marchamos para uma percepção mais nítida de Deus.
Mas o autor nos evidencia, também, os fenômenos insólitos vivenciados por ele e sua família no ano de 1973, quando passaram a habitar uma antiga casa na cidade de Porto Alegre. O fenômeno das chamadas “casas mal-assombradas”, também estudado por Flammarion, discute a presença e a participação direta dos chamados “mortos”, através de eventos observados que, com grande força de lógica, atestam a tese da imortalidade da alma e sua comunicabilidade.
O materialismo nunca apresentou provas científicas da inexistência de Deus e da alma. Sempre exigiu tais provas dos meios religiosos e espiritualistas. Todavia, o amadurecimento mental do sujeito humano torna imperativo um olhar mais ingente e profícuo para a natureza humana, sem limitá-la ao fisiologismo biológico. Vivemos dias de grandes conquistas do pensamento e, por isso, de fragilidade do reducionismo materialista. É como aquela velha história: de tanto estudar a árvore, acaba-se não percebendo o bosque.  
João de Deus Brasil, em seu livro, nos convida a olhar mais amplamente esse “bosque da vida”. O próprio autor assevera: “Se só existisse matéria, o comportamento futuro dos seres e o destino das coisas teriam de ser aleatórios e incertos e, portanto, imprevisíveis.” A estrutura do Universo não parece refletir essa imprevisibilidade.
O texto aqui apresentado descortina horizontes e nos leva a reflexões. Estimula a pensar sobre temas determinantes, que sempre inquietaram o pensamento humano. Para muitos parecerá combativo ao ateísmo e ao materialismo. Preferimos considerá-lo, no entanto, um livro de argumentos!  Sua tese é robusta, pois retoma elementos da cultura contemporânea e do pensamento universal.
A ideia sobre Deus e a alma não é privilégio desta ou daquela civilização.  Em sua obra intitulada “Purificações”, Empédocles de Agrigento (493-430 a.C.) se reporta a uma alma humana espiritual e imortal, sob o influxo das ideias órfico-pitagóricas, retomando as reflexões sobre a alma e seu destino, sobre o mortal e o não-mortal. O poeta grego Homero que viveu no século VIII a.C., na Jônia, Ásia Menor, ficou conhecido amplamente por suas obras: Ilíada e Odisséia.  A ideia da alma aparece em Homero de forma substancial: “a psyché escapa como uma fumaça”,[1] por ocasião da morte.  E mais: “Durante a noite apareceu a Aquiles, em sonhos, a alma de Pátroclo, rogando-lhe para apressar a cerimônia do enterro.”[2]
A finalidade do esforço feito por João de Deus Brasil, como ele mesmo reconhece, é estender ao maior número de pessoas elementos de reflexão para estimular uma fé racional. Cremos que tal intento é louvável, e mesmo oportuno, diante da liquidez dos valores da contemporaneidade. Diante da cultura do hiperconsumo, do descartável e do hedonismo, continuamos vivendo numa sociedade da decepção, conforme denominou Lipovetsky ao refletir sobre a chamada “era do vazio”.
Para ele, uma das possíveis causas que ajudam a explicar esse fenômeno contemporâneo é o enfraquecimento dos dispositivos religiosos de socialização. Apesar das religiões não impedirem as manifestações de amarguras e os desafios humanos, elas representam, em sua versão conservadora, uma espécie de “refúgio” ou um “ponto de apoio” ou de “consolação” insubstituível.
 Temos tudo, e nada temos! Está sempre faltando algo! Vivemos possuídos pela posse possuidora, e escravos da posse que ainda não possuímos! Não obstante, poderemos perceber que o que de fato nos falta é a presença de Deus em nossos corações, assim como a consciência de nossa imortalidade e eternidade da vida.

Notas

[1] HOMERO. Ilíada, Canto XXIII
[2] Idem.

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