quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O TEMPO E NÓS!


O tempo há de poder acolher o espírito, por assim dizer. E o espírito há de ser, por sua vez, afim com o tempo e com a sua essência.

Heidegger

Narra-se, no vasto universo da mitologia grega, que Urano, o Céu, fez cair sobre a Terra o seu sêmen e, desta união, nasceram as Titânidas e os Titãs. Dentre os Titãs encontrava-se Cronos, o Tempo. Sem piedade, Cronos devorava seus próprios filhos, da mesma forma que o tempo devora as criaturas humanas. Mas Zeus, um de seus filhos, consegue escapar e, por esse fato, conquista a imortalidade. Mais tarde, Zeus, retira seu pai do poder, tornando-se o mais importante deus grego. Mas Zeus, conforme era comum nas narrativas míticas, casa-se com uma mulher não-humana, uma Titânida chamada Mnemósine, a Memória. Mnemósine era irmã de Cronos, portanto, a memória é irmã do tempo.
Essa narrativa nos permite refletir sobre a interessante relação entre a memória e o tempo. Recordamos-nos de um tempo nostálgico quando ouvimos determinada música. Ao revisarmos antigas fotos de família nos lembramos de pessoas queridas que não mais estão conosco. Passamos por determinado bairro, onde vivemos nossa infância e, imediatamente, nossa memória volta no tempo, reconstituindo certas lembranças que nos marcaram. Assim, o painel vivo de nossa memória guarda o manancial de nossas vivências e experiências ao longo do tempo.
Existe um tempo para ser feliz? Para muitas pessoas sim! Certamente não é necessário examinarmos mapas estatísticos sobre o assunto – para percebermos que um número significativo de pessoas vivem condicionando a sua felicidade a uma dimensão temporal: quando se era solteiro, quando era jovem, quando tinha saúde, quando os filhos eram pequenos. Ou então, projeta-se a felicidade para o tempo futuro em forma de expectativas, sonhos, metas, conquistas: quando me casar, quando me formar, quando comprar minha casa própria, quando ver meus filhos criados, quando..., quando..., quando....
   Quantos deixam arquivada a sua felicidade nas esquinas longínquas da memória, onde residem as lembranças de acontecimentos agradáveis, vivido pessoalmente ou em família? Isso é saudável quando trata-se da lembrança nossa de cada dia. Entretanto, prender a felicidade no passado, sufocando-a no presente, é indício de que algo não está bem. Uma decisão equivocada, tomada recentemente, poderá remeter a pessoa a fixar-se no passado como mecanismo de fuga da realidade atual. Deslocando o foco da felicidade para um tempo que somente existe em sua memória, a pessoa passa a isolar e distanciar sua condição de viver feliz.
Em tais circunstâncias, a vida atual vai se cercando de amargor, perdendo o seu brilho e sua motivação. A pessoa, enclausurando mentalmente sua felicidade no passado, vai perdendo os referenciais da alegria e da jovialidade, cedendo espaços à melancolia e, muitas vezes, à depressão. O “sentir-se feliz” é um prestimoso aliado da saúde humana por vincular-lhe o otimismo indispensável.
A experiência humana pode ser muito rica no presente, tanto como foi no passado, ela só depende da disposição de cada pessoa. Disposição que começa por se libertar das amarras do passado, visando viver com consistência o presente. Isso não significar esquecer o passado, mas aproveitar-lhe as experiências, ditosas ou não, para fazer florescer no hoje a meta do bem. O passado é irrecuperável, somente servindo como experiência norteadora para os atos do presente. O passado está inscrito na linhas inalienáveis do tempo e, portanto, não pode ser mudado.
Viver de recordações ou se atormentar com as aspirações não é uma atitude saudável, isto é, o foco de nossas atenções e ações deverá, sobretudo, estar direcionado para o enriquecimento do presente. Não se trata de: “viver intensamente os prazeres do mundo”, mas viver de forma natural, sem ansiedades exageradas em relação ao futuro nem de ressentimentos ou mágoas que nos prendem ao passado. Nesse aspecto, os sentimentos de perdão e de confiança, aliados à esperança e à determinação, serão, por excelência, os sentimentos fundadores de um estado mental positivo e saudável.
Há pessoas que vivem das lembranças de suas desgraças e perdas, recusando-se obstinadamente a viver a felicidade no presente. Rancores e ódios se avolumam, projetando suas sombras do passado, no presente de quem os mantêm vivos na memória. A fragrância do amor ensinado e vivido por Jesus nos convida, a cada novo dia, a vivência do perdão e da compreensão enquanto instrumentos de libertação psicológica de fatos e ocorrências desagradáveis do passado, recente ou remoto.
Ensina o espiritismo que o ser humano está num processo de constante crescimento ético-espiritual,  decorrendo o futuro de como vivemos o hoje. Daí, o sentido da temporalidade atual estar no foco do nosso destino mediato e imediato. Entretanto, projetar a felicidade para o futuro, enclausurando-a em suas metas, sonhos e conquistas é viver num constante “vir-a-ser”. Nós necessitamos viver o presente.
O poeta romano do século I, Horácio, costumava dizer que deveríamos “aproveitar o dia” (Carpe diem). Mas no passado, como no presente, a ideia de aproveitar o dia, muitas vezes tem assumido um ar de superficialidade, sendo vinculada à “lei do menor esforço” ou, ao gozo do prazer imediato. Para Kant (1724-1804), as pessoas deveriam se comportar com base em um código moral interno e, nesse código, estaria a base das ações corretas: “Age apenas segundo aquela máxima que possas querer que se torne uma lei universal.” Gostaríamos que a intolerância se tornasse um sentimento geral? Que a exploração do homem sobre o homem se generalizasse? Se não desejamos que algo se torne uma lei universal então não deveremos praticá-lo. Kant diz, com outras palavras, aquilo que é a essência da “ética cristã”, ou seja, “Faça somente aos outros o que desejarias que os outros te fizessem.”  Isso é o mais admirável princípio ético de todos os tempos. 
Voltando para a mitologia, agora romana, Jano era cultuado como o “deus dos inícios”. Divindade responsável pelo fim de uma etapa e início de outra. No calendário romano e depois cristão, deu origem ao nome “janeiro”, definido como o primeiro mês do ano. Dezembro, último mês do ano representa matemática e simbolicamente o fim de uma etapa, com suas experiências, acertos e desacertos, méritos e deméritos, felicidades e desditas. Vivemos na órbita do tempo e de suas representações.
O relacionamento humano com o tempo carrega uma forte bagagem de subjetividades ancoradas na memória que, aliás, na mitologia grega, é a irmã de Cronos. O tempo é depositário das lembranças, dos fatos vividos em família, com amigos, dos afetos e desafetos. Boas e más recordações fazem parte da vida. Algemar-se ao passado, principalmente sobre os eventos negativos, é algo que exige ser bem administrado pelo departamento da inteligência e dos sentimentos. Em nada contribui uma fixação melancólica no passado, uma vez que essa fixação, normalmente, retira da pessoa o foco principal de sua vida: o presente.
Ao aproximar-se o período de final de ano, pessoas há que se dizem envolver, sem que saibam explicar, por uma boa dose de tristeza e melancolia. Ficam quietas, buscam o isolamento evitando festas e diversões. A psicologia busca uma possível explicação para esse fenômeno em prováveis conteúdos inconscientes, vividos consciente ou inconscientemente, em algum momento da vida e que, por algum motivo, afloram nessa época:  a perda de uma pessoa, um desencanto amoroso, objetivos alimentados durante aquele ano mas não atingidos, etc.
Nem todos, portanto, estão convencidos de que devem comemorar, ufanisticamente, a virada do ano.  Alguns preferem o silêncio. Familiares e amigos muitas vezes não compreendem, nem respeitam, tais posturas. Cada pessoa tem sua própria forma de reagir a essas representações do tempo, pois isso mexe com conteúdos profundos de nossa alma.
 Ocorre, na lógica comum, que  comemorar o fim de ano é fazer o que todos fazem: vesti-se de  branco, se possível ir para a beira da praia, tomar champanhe e terminar a noite numa boate ou a um show qualquer, uma verdadeira festa de passagem. Quem adota outro comportamento que fuja dessas convenções é considerado uma espécie de “subversivo”, ou deve “estar doente”.
O relacionamento do homem com o tempo possui uma dimensão cultural, simbólica, idílica ou lúdica. O final do ano, nesse contexto representa uma forte tradição cultural no universo dos rituais de passagem, herdeiros do imaginário ancestral, e dos rituais pagãos. O fato é inquestionável: somos seres fortemente influenciados pela noção de tempo. Parece haver um tempo para tudo, e comportamentos convencionados para cada situação. Negar-se a aceitar essas representações do tempo sobre nós, parece ser tarefa quase revolucionária, anarquista mesmo!
Mas, como tantas outras revoluções, que expressão até certo ponto a rebeldia humana, o rebelar-se contra o tempo, seus significados e efeitos sobre nós não mudará a temporalidade das coisas. Será uma batalha perdida! Melhor, talvez, seja aprendermos a conviver bem com o presente e tudo o que dele possamos extrair para torná-lo pleno de possibilidade e de ações afirmativas na composição de um ser humano mais ético e solidário.  

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

JESUS: "UM HOMEM INCOMPARÁVEL"


Os historiadores do cristianismo empenham-se por encontrar os indícios materiais que comprovariam a existência do homem Jesus. Além da Bíblia, encontramos outras poucas referências a Jesus em autores como Flavius Josephus, um historiador judeu do primeiro século. Em sua obra: Antiguidades , ele afirma: “Havia por aquele tempo Jesus, um homem sábio, se for direito chamá-lo de homem...” [1]
No século II, Tácito, um famoso historiador romano também se refere a: “...Cristo, que o procurador Pôncios Pilatos entregou ao suplício.” [2] Seria desnecessário enumerar outras referências. O fato é que o cristianismo ganhou cada vez mais espaço dentro do declinante império romano, passando, também, a sofrer uma mistura cultural, quase inevitável.
No ano 313 d.C. o imperador Constantino, por meio do documento denominado Edito de Milão, reconhece o cristianismo como religião e libera suas manifestações no interior do império. Era uma forma de conseguir apoio dos cristãos, cada vez mais numerosos, para um império cada vez mais imerso em crises. No ano 380, o imperador Teodósio aderiu ao cristianismo e em 391 baixou uma lei proibindo a prática de todos os cultos considerados pagãos ou politeístas. Nesse sentido, o cristianismo torna-se a religião oficial do estado romano, todavia, apesar da proibição, as crenças pagãs jamais desapareceram totalmente. Passa ocorrer, a partir daí uma “transfusão” de elementos culturais-religiosos externos para o interior do cristianismo, deturpando sua simplicidade original.
 Dessa forma, a data que hoje conhecemos como atribuída ao Natal, foi definida no ano 336 d.C. O 25 de dezembro, oficializado no século IV,  originou as festividades do nascimento de Jesus. Foi uma transposição cultural às comemorações, na mesma data, do nascimento de Mitra, o deus-sol de origem Persa.[3] O dia da semana que se dedicava, tradicionalmente, ao culto ao “Sol invencível”, chamado na cultura pagã de: “dia do sol”, passou a se chamar “domingo”, o “dia do Senhor”. [4] Para o historiador Ernest Renan, Jesus teria nascido por volta do ano 750 da data da fundação de Roma, na cidade de Nazaré, uma pequena cidade da Galiléia.[5] O 25 de dezembro é, portanto, uma data simbólica, no entanto, impregnada de grande significado espiritual.  
O Natal aí está, quer seja nos seus aspectos simbólicos, econômicos, ou no sentimento que impele o ser humano a uma profunda revisão de seus valores. Na crise de civilização que a humanidade atravessa a proposta cristã – fundada na ética do amor – é muito mais profunda do que as meras apelações comerciais construídas pela sociedade capitalista.
Na verdade, podemos identificar na mensagem natalina um verdadeiro desafio à renovação interior. Muito embora sem nada escrever, Jesus Cristo continua influenciando milhões de pessoas, em todo o mundo.  Longe de estarem superados, os seus ensinos morais representam um admirável repositório de sabedoria capaz de promover uma convivência, entre indivíduos e povos mais pacífica e fraterna. Em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec na questão 625 indagando os benfeitores espirituais sobre quem seria o Ser mais notável que Deus enviou à Terra para nos servir de modelo e guia, obteve como resposta: “Jesus”.
Figura paradigmática, Jesus é o homem mais falado da história. Sobre nenhum outro personagem se escreveu tantos livros, seja para desvendar sua personalidade, para interpretar seus ensinos ou para mencionar seus fatos notáveis. Apesar disso, o jornalista e psicólogo espanhol Juan Árias chegou a afirmar sobre Jesus: “Esse grande desconhecido”.  Antes dele, no entanto, o historiador francês Ernest Renan já havia dito que Jesus era: “Um homem incomparável”.
O Natal não deve ser visto nos acanhados limites dos rituais religiosos ou nos festejos para troca de presentes. A proposta apresenta por Jesus nesses vinte e um séculos de cristianismo é profundamente inovadora, repercutindo numa nova ética para a vida. O valor da Boa Nova, mensagem de amor trazida por ele, é de alta transcendência para o homem.
Nos dias atuais, marcados por tanta rigidez dos sentimentos, de violência e de desigualdades sociais marcantes caracterizando uma sociedade que atingiu alto nível de desenvolvimento tecnológico, mas que ainda se encontra encarcerada nos grilhões da indiferença, a mensagem do Cristo é emblemática para a edificação de um novo ser humano.
 O verdadeiro sentido do Natal, portanto, se dará quando Jesus, e tudo aquilo que ele representa nascer efetivamente na Terra. Dessa vez, não mais em uma tosca cabana, mas no coração do próprio ser humano.

Referências Bibliográficas


[1] CARREIRO, Marcelo. Contemporizando Cristo: Um estudo histórico e Documental do Cristianismo Primitivo. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1999.  Capítulo V: Fontes Históricas.  Pág. 62 – 78.
[2] Idem.
[3] MACEDO, José Rivair. Religiosidade e Messianismo na Idade Média. São Paulo: Moderna, 2006. Pág. 12-13.
[4] Idem. Pág. 13.
[5] RENAN, Ernest. Vida de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 2003. Capítulo 2, Pág. 99-100. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

REVISÃO EXISTENCIAL - Final


O preceito do amor ao próximo, também foi visto como algo bastante inviável para a natureza humana, por seu instinto agressivo, por sua ancestral brutalidade. Mas, mesmo ignorado pela grande maioria dos habitantes do planeta, o afastamento do amor em nada contribuiu para o melhoramento das relações humanas. Sem o imperativo do amor, a vida tornou-se vazia, mesmo quando cercada por riquezas materiais. A violência aumentou e, com ela, a insegurança nos leva ao velho dilema sobre a vida e o viver.
A indisposição humana para o “amar ao próximo como a si mesmo” não criou um mundo melhor, pelo contrário, deixou um vácuo, uma lacuna insubstituível. Ainda hoje, ideias não faltam quando se discute os problemas da convivência, da intolerância e dos preconceitos. Todavia, as alternativas oferecidas por pensadores e autoridades, são sempre pelo viés intelectual. Enquanto isso, milenarmente, o pensamento religioso e filosófico do Oriente, buscou na espiritualidade caminhos mais coerentes para a não-violência e para a convivência pacífica.
Mas para muitas criaturas, ainda hoje, o amor é uma idealização, muito vinculada ao mistério, ao romance, à paixão, quando não, um mero roteiro literário. Enquanto isso, o instinto, a violência, o desrespeito, avançam em todos os meios. Colocamos o amor no patamar do discurso, numa espécie de redoma de vidro, sendo tirado dali apenas para uso no meio familiar, quando se é correspondido, naturalmente. O resto deixou-se para os “religiosos” de profissão.
 Muitos no mundo sentem a necessidade de amar, mas não sabem exatamente o que fazer, como e quando proceder. Esse é um notável começo, ou seja, perceber, naturalmente, lá no fundo da alma, a necessidade de amar. Nessa proposta está o foco de uma verdadeira revolução na convivência. Isso ocorre na essência do próprio ser humano que passa a modificar impulsos e sentimentos, não para a conquista do céu ou de elevação espiritual, mas para viver melhor a vida, com mais plenitude e felicidade.
O Espiritismo chamou-nos a atenção para essa postura tão simples, e tão necessária. Revisitou os ensinamentos de Jesus sob uma ótica inovadora, demonstrando que o amor, sim, faz parte do potencial humano. Retirou, assim, o amor do patamar dos sentimentos inatingíveis, para aproximá-lo da vida cotidiana, da convivência diária.
A revolução da convivência, para nós espíritas, poderia bem ser exercitada no espaço da Sociedade espírita. Entre os irmãos de ideal. Não deixaremos de ter conflitos, divergências, desentendimentos, posições diferentes sobre determinados assuntos, etc. Entretanto, quando o amor está, verdadeiramente, no leme, conduzindo as rotas de nossas vidas, os desafios são enfrentados de outra forma. Mesmo as “brigas”, quando sustentadas no amor, não se tornam agressivas.
Por isso, a “boa nova” trazida pelo cristianismo, o “amor”, representou desde o início, uma proposta revolucionária, capaz de engendrar grandes transformações no relacionamento humano. Logo, a proposta revolucionária do “amar ao próximo” não se relaciona com  a conquista da salvação após a morte física, ou coisa do gênero, mas com a conquista da harmonia na convivência diária.
O Espiritismo, em termos de comportamento, nada impõe ou obriga. Deixa que cada um delibere sobre seus atos, com base em sua própria consciência. Todavia, todo o conjunto de ensinamentos teóricos da Doutrina objetiva um fim prático, inovador, para sustentar mudanças no individuo e, por extensão, na sociedade. Essas mudanças, obviamente, são gradativas e ocorrem a partir do nível mental para o comportamental. Permeando as várias fases desse processo está a educação dos sentidos, instintos e sentimentos. 

domingo, 11 de dezembro de 2011

REVISÃO EXISTENCIAL - 1ª Parte


Todos almejam uma revolução na convivência humana. Já não podemos mais assistir,  rotineiramente, cenas de agressividade e intolerância, envolvendo os diversos setores da sociedade. O novo milênio aponta para uma crescente complexidade das relações humanas. Obcecados pelo pragmatismo da vida contemporânea, o ser humano vive a vulnerabilidade dos sentimentos éticos, formadores de uma cultura da paz. A vida moderna exige com que tudo seja rápido, instantâneo, condicionando os indivíduos à impaciência e à angustia diante das situações cotidianas.
Em uma notável reflexão sobre a vida atual, Dalai Lama, em seu livro “Uma ética para o novo milênio”, assim expressou-se:

A meu ver, criamos uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil  demonstrar um mínimo de afeto aos outros. Em vez da noção de comunidade e da sensação de fazer parte de um grupo (...) encontramos um alto grau de solidão e perda de laços afetivos. 

A complexidade do mundo moderno, inexoravelmente, vem contribuindo, com sua racionalidade e técnica, para aumentar a frieza da convivência. Isso é quase automático, assim nos permitimos conduzir, desqualificando a fraternidade, a paciência e a compreensão na família e no entorno social. Convivências mal conduzidas, insatisfações psicológicas e emocionais, determinam uma fuga para os medicamentos, na expectativa de neles encontrar o elixir milagroso para uma nova vida.
Em uma de suas primeira viagens ao Ocidente, Dalai Lama conta que ficou hospedado na residência de uma família muito abastada, que gentilmente o acolheu. Havia muitos empregados na casa, todos atendiam com gentileza e isso, por um determinado tempo, fez com que ele pensasse que a felicidade poderia estar, realmente, naquela condição de abastança material. Ali poderia estar a “prova”. Entretanto, para sua surpresa, ao passar por um banheiro, percebeu, através da porta entreaberta do armário, uma quantidade expressiva de medicamentos, tranquilizantes e remédios para dormir. Ele conta que a partir daí, passou a pensar que existe uma grande diferença entre os sinais exteriores e a realidade interior.
Vivemos nesse paradoxo. Sabemos que o caminho para um nível de completude civilizatória e espiritual passa pela experiência de construirmos uma sociedade mais humana. O próprio Freud, em seu escrito sobre O mal-estar da civilização, admitiu que um dos maiores preceitos de nossa civilização é a assertiva cristã: “amar ao próximo como a si mesmo”. Mas esse, também, tem sido um dos grandes dilemas humanos. O sociólogo Zigmunt Bauman, em seu livro intitulado “Amor Líquido”, chegou a refletir sobre a “dificuldade de amar ao próximo”. Ora, se esse é um preceito fundamental, onde está sua dificuldade?
A grande indagação do ser humano, a partir do cristianismo, foi: “por que devo fazer isso?” As religiões ortodoxas, formadoras de nossa mentalidade, instituíram o “amor ao próximo” como um princípio moralista, de subserviência a Deus, para atrair sua atenção para nós, míseros humanos. Amar ao próximo tornou-se um bom argumento para barganharmos com Deus uma compensação, afinal, tudo isso é muito difícil. Mas, no geral, como Deus não faz barganha, nos decepcionamos e percebemos a inutilidade de amar ao outro.  A civilização chegou, com sua técnica e nos prometeu que com a ciência, nossos sofrimentos seriam atenuados, teríamos mais conforto, quem sabe até, a juventude permanente.
O desconcerto religioso e o pragmatismo humano, no eclodir da modernidade, afastaram de nós o interesse por “amar ao próximo”. Passamos a viver em sociedade mais por necessidade do que por prazer. A busca do prazer nos levou, significativamente, para uma vida individualizada, permeada de preocupações egoísticas. A pergunta passou a ser: “o que eu ganho em amar o próximo?” A resposta, bem formulada, para essa indagação poderia ter nos ajudado a mudar o rumo de nossa sociedade. 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

FELICIDADE E LEI DO TRABALHO


A felicidade, vista sob a ótica do pensamento espírita, é um processo que, naturalmente, não se configura plenamente em uma única etapa existencial, pois o ser humano, na sua incompletude, é um verdadeiro “universo em expansão”. Assim como os instrumentos musicais em uma orquestra, necessitam estar “afinados” para produzirem, através da habilidade de seus músicos, melodias que encantam os ouvidos mais refinados, nós – seres humanos – também necessitamos sintonizar com a ideia de crescimento moral para fazer “expandir nossa felicidade”.
Dessa forma, a questão da felicidade se enquadra dentro da “lei do trabalho”, estudada por Allan Kardec, isto é, a felicidade não é algo que “caia do céu”, mas fruto do esforço pessoal de cada um para conquistá-la. O pulsar do universo nos convida, a cada instante, não somente ao trabalho necessário para garantir nossa sobrevivência física (única preocupação de muitos), mas, sobretudo, ao trabalho interior: revisando hábitos e tendências, ações e comportamentos, pensamentos e decisões. Nenhuma reflexão dessa natureza deverá servir para fomentar sentimentos de culpa, remorsos ou ressentimentos. Tal esforço é válido no sentido de buscarmos compreender melhor nossas emoções, ações e reações no plano de nossa felicidade.
O espiritismo ressalta que o conhecimento do que somos é uma de nossas grandes tarefas na Terra, visto que uma relação de harmonia com o meio, reflete a relação do homem consigo mesmo. Sendo assim, a cultura espírita é fruto de uma cosmovisão da vida numa perspectiva multidisciplinar, integrando ciência, filosofia e religião, em sua estrutura básica, partindo para a arte e a literatura como forma de expressão estética elevada da sensibilidade humano-espiritual.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ABERTA 26ª FEIRA DO LIVRO DE OSÓRIO


   Com show do músico Eduardo Winits, Banda Municipal, Loreno Santos, a presença do público e autoridades municipais, foi aberta na noite de segunda-feira, dia 28, a 26ª Feira do Livro de Osório, no Largo dos Estudantes Sônia Chemale, centro da cidade. O patrono da feira, o professor de História e escritor Jerri Almeida, a homenageada Irmã Ágata Buss e o xerife Davenir Klagemberg foram homenageados.
   Alunos da Escola Estadual Prudente de Morais, onde o patrono leciona, fizeram um agradecimento pelo trabalho realizado pelo professor que foi presenteado com uma placa, assim como o xerife Davenir Klagemberg. "A feira representa uma oxigenação de ideais, trazendo os nossos jovens, envolvendo-os nesse universo literário. Esse é um espaço para a comunidade se apropriar e enriquecer seus horizontes", disse o patrono.

Fonte: http://jornalbonsventos.com.br/exibir.php?noticia=3586

domingo, 27 de novembro de 2011

Entre ter razão e ser feliz!


A compreensão dos fatores reencarnacionistas nos permite perceber, e analisar sob um ângulo mais profundo, o papel das relações humanas no interior da família. Em linhas gerais, quando o espírito – conforme o seu grau de maturidade ou sob a orientação de seus instrutores, programa sua próxima reencarnação, ele o faz com base em suas experiências passadas e a partir de suas necessidade permanentes. Tais necessidades, de modo amplo, representam a sua busca evolutiva na direção do amor e da qualificação intelectual.
A rigor, o “estar-no-mundo”, como já enfatizamos, não é algo casual, mas uma nova oportunidade de crescimento interior, de ajustamento e reajustamento com a vida. O modelo de felicidade, na visão espírita, nesse sentido, agrega a “necessidade de amar, mais do que ser amado”, “dar, mais do que receber”, “compreender, mais do que ser compreendido”.  O psicólogo Jaci Regis já alertava de forma oportuna que:

Muitos casais querem alcançar a felicidade, isolando-se num relacionamento a dois, fechadíssimo, sem se importar com o que ocorre em torno. Não poucos abandonam as alegrias da maternidade e da paternidade a pretexto de se bastarem mutuamente. Ou então, permanecem em ligações passionais de ciúme, medo ou exacerbação afetiva. Pensam que são felizes, quando se aprisionam em gaiolas de paixões consumindo tempo e energias sem produzir situações que possam criar um clima de produtividade e aproveitamento positivo da existência. [1]

Seja no encantamento, ou nos conflitos, a relação conjugal enseja a troca de emoções gerando estímulos para o aprendizado e amadurecimento vivencial de todos os envolvidos. O canal da reencarnação abre o “tabuleiro” de possibilidades, onde algumas “peças” se encaixam com mais facilidade e outras exigirão mais trabalho e dedicação.  Por isso, os momentos difíceis da convivência, conjugal e familiar, poderão ser ressignificados, sobretudo, para que deles surjam experiências “produtivas” no terreno da evolução espiritual. 
Sabemos que a síntese da problemática existencial e os próprios dilemas da felicidade, refletem um contexto espiritual mais profundo, que vincula, nem sempre por simpatia, os membros ou os componentes do núcleo familiar. Sendo assim, o desafio proposto pela reencarnação, é o de tornarmos essas uniões mais compensatórias e produtivas. O esforço que cada um possa fazer pela manutenção da harmonia, adotando-se “atitudes construtivas”, fará reverberar no ambiente doméstico uma atmosfera psíquica altamente positiva para a saúde da família e de seus membros.
Durante uma palestra sobre simplicidade no mundo do trabalho, uma empresária contou  interessante história ilustrativa que iremos reproduzir ao sabor de nossa interpretação. Eram oito horas da noite numa avenida movimentada. O casal já estava atrasado para o jantar na casa de alguns amigos. O endereço era novo muito embora o caminho ter sido conferido diversas vezes no mapa pela esposa. O marido dirigia o carro. A esposa o orientava e, a certa altura, pede para que vire na próxima rua à esquerda. Ele discorda, pois tem certeza de que o certo é   à direita e então acabam discutindo. Percebendo que, além de atrasados, poderiam ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida.  O marido vira a direita e, após alguns minutos, percebe que estava errado. Mas o problema é admitir que se está errado. Finalmente ele resolve manobrar o veículo e retornar ao roteiro do mapa. A esposa sorri e diz que não há problema algum em chegar alguns minutos mais tarde. Mas ele, sem estar a vontade, indaga: Se você tinha tanta certeza de que eu estava tomando o caminho errado, porque não insistiu na sua posição? Ela, entretanto, considera: Entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz. Estávamos à beira de uma briga, se eu insistisse mais, teríamos estragado a noite.
Assumir atitudes construtivas, num ambiente em conflito, nem sempre é um comportamento simples e fácil. Implica superarmos a superficialidade das relações humanas, abrindo espaço para a compreensão das atitudes alheias, mesmo que não concordemos com elas. Nutrir os pensamentos e sentimentos, com o teor de estimulantes mensagens e reflexões, produz uma reserva de energias positivas com as quais poderemos contar nos momentos desafiadores.


[1] REGIS, Jaci. Amor, Casamento & Família 10ª. ed. Santos – SP: Licespe, 1987. P. 80.

domingo, 20 de novembro de 2011

“Eu vi a cara da morte!”


 Em 1972, quando ingressou na faculdade de medicina, o Dr. Raymond  A.  Moody Jr., já havia coletado um número significativo de relatos de pessoas que estiveram entre a fronteira da vida com a morte. Essas experiências – cerca de 150 casos – coletadas e investigadas pelo Dr. Moody, deram origem à denominação E.Q.M., ou Experiências de Quase Morte, cujos relatos foram catalogados em três situações distintas:
1) pessoas que foram ressuscitada depois de terem sido declaradas ou consideradas mortas pelos seus médicos;
2) pessoas que, no decorrer de acidentes ou doenças ou ferimentos graves, estiveram muito próximas da morte;
3)  pessoas que, enquanto morriam, contaram a outras pessoas que estavam presentes o conteúdo de suas experiências naquele momento.
No geral, as pessoas que vivenciaram essas experiências desenvolveram um sentido de maior valorização pela vida, compreendendo-a não mais limitada a existência material.
A revista “Isto é”, do dia 15 de julho/1998, traz em sua reportagem de capa: “Eu vi a cara da morte”, relatos sobre a experiência de quase morte no Brasil. Dentre os vários casos citados, encontramos o da radialista paulista Maria Aparecida Cavalcante, de 42 anos. Cida, como é conhecida, “(...) teve uma crise de apendicite e foi operada às pressas. ‘Foi tão vivo, tão forte. Não tinha dúvidas de que era verdade.’ Ela conta ter ouvido sua sentença de morte da boca dos médicos. ‘(...) tentei abrir os olhos e tocar na enfermeira. Minha mão atravessou o braço dela. (...) Eles colocaram o meu corpo numa maca e me levaram para a UTI, de repente (...) saí voando pelo corredor. Quando entrei na UTI, vi tudo branco e apaguei.’ Recuperada, ela diz que perdeu o medo de morrer.”
Quais são os objetivos dessas experiências? Podemos analisar sob duas angulações: primeiro, pelo aspecto social, a E.Q.M. visa oferecer comprovações plausíveis da imortalidade da alma. Segundo, pelo aspecto individual, a E.Q.M. oportuniza uma profunda análise consciencial, ensejando uma revisão de hábitos e valores pessoais. Vejamos o caso de Cida: “Sou uma pessoa mais tranqüila e muito mais ética.  Isso aqui é um laboratório. Temos que fazer o bem.”
Em “Vida Depois da Vida”, uma pessoa relata: “Desde então, tem sido uma constante na minha mente o que fiz da minha vida, e o que fazer da minha vida. (...) Tento fazer coisas que tenham maior significado, e isso faz com que a minha mente e a minha alma se sintam melhor.  Tento não ser parcial e não julgar as pessoas. Quero fazer coisas que sejam boas, e não coisas que sejam boas só para mim. E parece que a compreensão que tenho das coisa é muito melhor. Sinto-me assim por causa dos lugares aonde fui e das coisas que vi nessa experiência.”
Outra pessoa declara: “De certo modo foi uma bênção, porque antes daquele ataque do coração eu estava tão ocupado em planejar o futuro dos filhos, e em me preocupar com o dia de ontem, que estava perdendo as alegrias do presente. Agora tenho uma atitude muito diferente.”
Interessantes relatos mencionaram uma nova forma de se relacionar consigo: “Na ocasião eu fiquei consciente da minha mente mais do que do meu corpo físico. A mente era a parte mais importante, em vez da forma do corpo. E, antes, toda a minha vida tinha sido exatamente o inverso. O corpo era o interesse principal, (...). Mas, depois que aquilo aconteceu, minha mente ficou sendo o principal ponto de atração, e o corpo (...) não mais do que algo que servia de embalagem para a mente.” Sim, o corpo é uma “embalagem do espirito”, mas é bom mantermos a coerência não adotando – com ele – posturas  arbitrárias de desprezo ou endeusamento.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Calcanhares de Áquiles


Narra à mitologia grega, que a deusa Tétis apaixonou-se por um rei humano chamado Peleu. Desse amor nasceu um menino. Todavia, a mãe percebeu que a criança havia herdado as características humanas do pai. Entristecida, Tétis passou a banhar, periodicamente o filho nas águas do Estige, na expectativa de torná-lo invulnerável, com os qualificativos dos deuses. Certa noite, no entanto, Peleu já desconfiado das ausências de sua esposa, resolveu segui-lá. Aquela seria a última etapa, faltava somente mergulhar os calcanhares do menino, por onde ela habitualmente o segurava. Mas Peleu, sem nada saber, imaginando que sua divina esposa pudesse ter enlouquecido e que ela afogaria seu pequeno filho, avança arrancando Áquiles de seus braços.
O menino cresce e transforma-se no mais notável guerreiro. Mas Áquiles, apesar disso, possuía seus pontos frágeis: os calcanhares. Foi assim que, na guerra de Tróia, um arqueiro desastrado atingiu-lhe o calcanhar, fazendo o poderoso soldado tombar e, ali mesmo, Áquiles pereceu.
Nessa breve introdução, desejamos ressaltar que todos nós possuímos nossas vulnerabilidades. Na convivência humana esses “calcanhares” se chocam, se atritam, provocando no panorama do mundo contemporâneo, com sua cultura utilitarista, uma espécie de esvaziamento das relações.  No cerne dessa temática surge o problema da decepção com o outro que foge, determinantemente, de nossas idealizações de perfeição.
Discutindo a chamada “sociedade da decepção”, o filósofo francês Gilles Lipovetsky afirmou:

Os valores hedonistas, a sobrecarga, os ideais psicoculturais, os fluxos de informação, tudo isso deu origem a um gênero de individuo mais introvertido, mais exigente, mas também, mais vulnerável aos tentáculos da decepção. Após a “cultura do aviltamento” e a “cultura da culpabilidade” (...) temos agora o tempo das culturas da ansiedade, da frustração e da decepção.

Para ele, uma das possíveis causas que ajudam a explicar esse fenômeno contemporâneo é o enfraquecimento dos dispositivos religiosos de socialização. Apesar das religiões, conforme Gilles, não impedirem as manifestações de amarguras e os desafios humanos, elas representam, em sua versão conservadora, uma espécie de “refúgio” ou um “ponto de apoio” ou de “consolação” insubstituível.
Kardec, muito antes de Gilles, já afirmava durante a Viagem Espírita de 1862, em discurso pronunciado nas reuniões gerais em Lyon e Bordeaux que:

O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingiram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem à vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a algo melhor: sonha com melhores instituições; quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos. Mas, como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo?

Para Kardec a imperfeição humana é a fonte geradora de múltiplos conflitos.  Ele observa, durante um banquete que lhe é oferecido na cidade de Lyon, que o conhecimento do Espiritismo não mais conduziria nem ao isolamento, nem ao desespero. Sua influência educativa já havia corrigido muitas imperfeições, levado paz a inúmeras famílias, propagando esperança e felicidade.

Jerri Almeida - Livro: A Convivência na Casa Espírita.

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