domingo, 22 de maio de 2011

OS MODOS DE SOFRER


Nossa cultura contemporânea fez do prazer “a medida de todas as coisas” e, com isso, negou ao ser humano um sentido existencial mais profundo. O cristianismo, durante séculos, produziu um modo de sofrer, ou seja, ofereceu um significado para o sofrimento e para a própria vida. Isso produz conforto, consolo, a pessoa não deixa de sofrer, mas o sofrimento passa a ter um sentido existencial.
As angústias humanas necessitam de significados e, na medida que passamos a compreender melhor os mecanismos da vida, desenvolvemos uma espécie de cosmovisão sobre “o existir”.  O Espiritismo desvelou os mecanismos mais profundos da vida, oferecendo um “modo de sofrer”, não no sentido compensatório, de sofrer hoje para ser feliz na outra vida, mas no sentido educacional, na medida em que os desafios servem, conforme observou Léon Denis, como: “... agentes do desenvolvimento humano.”
O sofrer faz parte das contingências do mundo e deveríamos ensinar para nossos filhos que isso é natural. Viver suas angústias e inquietações faz parte da condição do espírito humano, é “normal”, e todos vivem em algum momento seus problemas, suas dores. É importante uma relação familiar construída na confiança e no diálogo, onde os filhos sentem o apoio e a proximidade dos pais sempre, e, mais ainda, nos seus momentos difíceis.
Como um pai ou uma mãe, que vive de psicofármacos, que usa alcoólicos, poderá oferecer aos filhos exemplos de enfrentamento sadio aos desafios da vida? Os valores familiares relativizados e fragmentados terminam por falsear o grande papel formativo da família, ensejando, com isso, os grandes problemas espirituais e sociais.
O processo de educação familiar não deve jamais negligenciar a função educativa do exemplo, mas, também, deve atentar para outros fatores como a relação entre a experiência da autonomia e a castração. No período da primeira infância, a criança percebe a figura da mãe como uma espécie de “grande outro”; é aquele ser que lhe compreende, que lhe protege, que lhe dá o alimento, enfim, que representa, para a criança, uma figura suprema.
A criança cresce, internalizando a figura da mãe (às vezes do pai) e, ao longo de seu processo de desenvolvimento psicológico, se a mãe for castradora, não permitindo à criança o exercício gradativo de sua autonomia, esta poderá tornar-se um adulto dependente e inseguro, com dificuldades para tomar decisões sozinho. Poderá ser um adolescente ou um adulto que buscará sempre alguém que lhe socorra, que lhe “carregue”, nos momentos de dificuldade. Na ausência deste “arquétipo da grande mãe”, o indivíduo, que não foi criado para a autonomia e para assumir sua própria vida, poderá recorrer ao mecanismo compensatório das drogas.
Os vínculos, geradores de segurança emocional podem ser fortalecidos através do compartilhar das afinidades e das responsabilidades, tanto nos momentos de lazer em conjunto, como naqueles em que se demonstra: cuidado, zelo, incentivo, fidelidade, compreensão..., quer na relação conjugal como entre pais e filhos, sem castrações e sem permissividades.
Uma das questões mais centrais da teoria psicanalítica é o complexo de Édipo, onde Freud procurou explicar a fixação do filho pela mãe e, com isso, a tentativa de explicar um dos maiores anseios da criatura humana: a ânsia por cuidado, proteção, amor. Segundo Erich Fromm, Freud: “(...) descobriu um dos mais fundamentais impulsos do homem, o de permanecer preso à mãe, e isto é ao útero, à natureza, à existência pré-individualística e pré-consciente (...)”. Talvez, por isso, o uso da droga é quase como se o indivíduo buscasse retornar àquela condição de anulação da subjetividade, como se o ser tentasse retornar à condição infantil, no ”útero da mãe.”.
Outras vezes, porém, esse sentimento de “castração”, sofrido pelo jovem, ao invés de gerar insegurança ou impotência, produz impulsos de rebeldia, numa tentativa desesperada de constituir sua própria individuação, sua singularidade, em relação aos pais. É nesse “impulso de rebeldia”, naquilo que Rollo May chamou de “luta contra a mãe”, que poderá surgir a droga. Essas forças que criam uma grande dependência, no círculo da família, podem repousar tanto na mãe como no pai. A síntese desse conflito humano foi representada nas tragédias gregas. Enquanto Sófocles apresentou o drama de Édipo Rei, Ésquilo escreveu sobre a tragédia de Orestes.
Orestes era filho de Clitemnestra, esposa de Agamenon, rei de Micenas. Enquanto o marido comanda seus exércitos na guerra de Tróia, Clitemnestra envolve-se emocionalmente com o próprio tio. Quando Agamenon retorna, ela o assassina, transforma sua filha, Electra, numa trabalhadora servil, e Orestes é enviado para o exílio. Quando atinge a maioridade, Orestes volta para Micenas, com o objetivo de assassinar a própria mãe. Clitemnestra, no entanto, tenta comovê-lo, jogando a culpa no seu pai. Sem argumentos, a mãe tenta seduzir o próprio filho. Orestes fica paralisado sentindo-se dominado, confuso sobre si mesmo, consegue quebrar os encantos da mãe numa atitude de revolta, recupera as forças e assassina a própria mãe.
A essência desse drama imaginário, conclui Rollo May, é que a pessoa em evolução luta contra as forças do autoritarismo que lhe impedem o crescimento e a liberdade. Sabemos, porém, à luz do Espiritismo, que há espíritos com uma enorme dose de rebeldia associada às vinculações do passado, com aqueles que são seus pais na atual encarnação. Nesse caso, os dramas serão ainda mais complexos, exigindo uma terapia dos sentimentos e o aprendizado do perdão.

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