sexta-feira, 10 de maio de 2013

O FUTURO DE QUAL ILUSÃO?


Jerri Almeida

Kardec e Freud
Em um ensaio publicado em 1927, num delicado contexto histórico que marcava o período entre guerras, Sigmund Freud procurou analisar as origens da necessidade do ser humano possuir uma crença religiosa. O texto “O futuro de uma ilusão” é o quarto de uma série de seis ensaios onde Freud aborda temas ligados à cultura e a sociedade. Ao que parece, o médico vienense pretendia combater, sob o olhar da psicanálise, os argumentos da fé religiosa, pelo menos, daquelas que ele conhecera.
Um grande amigo de Freud chamado Oskar Pfister, reverendo que havia se tornado psicanalista, pois que desejava utilizar a psicanálise em sua tarefa de “pastor das almas”, reagiu ao ensaio de Freud, escrevendo um artigo intitulado: “A ilusão de um futuro”, onde afirmava que a verdadeira fé é uma proteção contra a neurose, e que a posição freudiana era, ela própria, uma ilusão.[1]
Freud buscou explicar a origem do sentimento religioso, através dos elementos do mundo psíquico, ou seja, as ideias religiosas não são produtos da experiência, são ilusões, são a busca de realizações de desejos mais antigos e fortes da humanidade, e o segredo de sua força estaria na força desses desejos. Em suas palavras:

Já sabemos que a apavorante impressão do desamparo infantil despertou a necessidade de proteção – proteção através do amor -, que é satisfeita pelo pai; a percepção continuada desse desamparo ao longo de toda a vida foi a causa de o homem se aferrar a existência de um outro pai – só que agora mais poderoso. Através da ação bondosa da Providência divina, o medo dos perigos da vida é atenuado; (...). [2]

Ao que parece, Freud, que vinha de uma origem judaica, via no sentimento religioso uma forma de dominação e de imposição de proibições ao pensamento.  Todavia, assim como Kardec teve o bom senso de aceitar a contribuição da ciência no caráter de progressividade do conhecimento espírita, Freud por sua vez, também teve a grandeza de manifestar-se de forma muito semelhante: “Se a experiência chegasse a mostrar – não a mim, mas a outros depois de mim que pensem do mesmo modo – que nos enganamos, renunciaríamos a nossas expectativas.”[3]
Oportunamente, um amigo simpatizante do Espiritismo, mostrou-me o referido livro de Freud, presenteado a ele por um “ateu”, que tentava lhe fornecer argumentos sobre a infantilidade da fé e do sentimento religioso. Disse-me ele que jamais leria esse livro, com o qual, mesmo sem ter lido, não concordava, além de considerar um verdadeiro absurdo que alguém escrevesse um livro para dissimular a ideia religiosa. Mesmo sem lhe responder nada, a questão do livro me pareceu intrigante, bem como o comportamento do meu amigo.
Em 1869 foi publicado uma obra escrita por Kardec e ainda muito desconhecida no Brasil: “Catálogo Racional – Obras para se fundar uma Biblioteca Espírita”. Nessa publicação, Kardec escreve um capítulo onde argumenta que o espírita deveria, sim, ler obras que se colocam contra o Espiritismo. Em suas palavras: “Proibir um livro é sinal de que se o teme. O Espiritismo, longe de temer a divulgação dos escritos publicados contra si e proibir-lhes a leitura a seus adeptos, chama a atenção destes e do público para tais obras, a fim de que possam julgar por comparação.”[4]
Os argumentos de Freud sobre as manifestações mediúnicas serem um produto da atividade psíquica dos médiuns e, portanto, considerando o Espiritismo um absurdo, em nada abala a fé racional construída pelos espíritas. Percebemos, em seus escritos que ele combatia o que, de fato, não conhecia.

É aqui que entra a atividade dos espíritas, que estão persuadidos da continuidade da alma individual e que pretendem nos demonstrar que essa proposição da doutrina religiosa é isenta de dúvidas. Infelizmente, não conseguem refutar o fato de as aparições e as manifestações de seus espíritos serem apenas produtos de sua própria atividade psíquica. [5] [Grifos meus]

Faltou para Freud, nesse particular, a seriedade do investigador que examina os fenômenos com o devido cuidado, buscando analisar meticulosamente os trabalhos de Kardec, Willian Crookes, Oliver Lodge, Frederic Myers, dentre outros. Se Freud tivesse lido os textos de Kardec teria percebido que o Espiritismo jamais tentou afastar a dúvida e a racionalidade de suas investigações e conhecimentos, bem como, jamais negou a possível influencia dos médiuns nas comunicações.  Também Freud evidenciou a fragilidade de seus conhecimentos nessa área, ao relacionar o Espiritismo ao conjunto das doutrinas religiosas.
Com isso desejamos ressaltar que a fé racional, quando bem estruturada no conhecimento e na reflexão, jamais abalará os seus alicerces diante dos opositores da Doutrina. Pelo contrário, perceberá o quanto os seus argumentos são superficiais, mesmo vindos de nomes vultosos. Por isso, a fé racional é inabalável, por assentar suas bases numa estrutura sólida e lógica, que não teme o contraditório; se fortalece com ele.

NOTAS


[1] CROMBERG, Renata Udler. Prefácio. FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão. Porto Alegre: L&PM, 2011.
[2] FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão. Porto Alegre: L&PM, 2011. P. 83.
[3] Idem. P. 126.
[4] KARDEC, Allan. Catálogo Racional – Obras para se fundar uma Biblioteca Espírita. São Paulo: Mandras, USE, 2004. P. 85.
[5] FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão. Porto Alegre: L&PM, 2011. P. 78.

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