quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A ARROGÂNCIA DE LUTERO


“O justo viverá da fé”

A fé, no pensamento predominante do Ocidente, esteve sempre associada ao binômio: “obediência e confiança”. Em vários textos do Novo Testamento, colheu-se a ideia de que o indivíduo deve abandonar as especulações do intelecto para “entregar-se” à crença no Reino do qual Jesus ensinava. É certo que esse “Reino” é o reino do amor e de paz, que está dentro do próprio sujeito. No entanto, os escritores do texto bíblico, apresentavam no limite de suas possibilidades, um entendimento literal das palavras e ensinos de Jesus. Os teólogos, posteriormente, parecem ter seguido pelos estreitos campos de análise, na configuração de uma teologia do medo. A tônica religiosa é atemorizar os indivíduos com a ideia de “julgamento final” para oferecer, aos que “crerem”, a salvação. Assim, o “crente” deve acreditar na mensagem do Cristo, deve obedecer ao “chamado” para viver intensamente algo que a própria pessoa não compreende.
A identidade do cristão, no cristianismo pós-Jesus, foi construída mediante ao ato de crer. Todavia, a crença não justificada pela compreensão, mesmo relativa, torna-se frágil, sem o suporte necessário para enfrentar os grandes desafios existenciais. No passado, a dúvida e o questionamento tornaram-se heresias, dignas de serem punidas com os mais terríveis castigos.  Criou-se, no dizer de Herculano Pires, uma “fé ingênua”, onde a inteligência foi subjugada pelo dogma e pelo medo.
Em Lutero, por ocasião do cisma do século XVI, a fé transformou-se no principal caminho para a salvação. Salvação do quê? A Reforma não reformou a teologia do medo. Para Eliade, o fundamento da teologia de Lutero está consubstanciado na assertiva: “o justo viverá da fé” (Rom., I:12). A Epístola aos romanos seria “o documento mais importante do Novo Testamento.” Nas observações de Mircea Eliade:

Lutero compreendeu a impossibilidade de obter a justificação (isto é, uma relação adequada com Deus) por meio de seus próprios atos. Ao contrário, o homem é justificado e salvo apenas pela fé em Cristo. Tal como a fé, a salvação é concedida gratuitamente por Deus. (ELIADE, 2011, Vol.3, p. 225)

Em uma de suas anotações de junho de 1522, escreveu Lutero: “Não admito que minha doutrina possa ser julgada pelos homens, ou mesmo pelos anjos. Aquele que não aceita minha doutrina não pode alcançar a salvação.” (Idem, p. 227) A arrogância humana parece não ter limites. Lutero considerava impossível a harmonia entre razão e fé, assim como também condenava a Ética de Aristóteles, segundo a qual as virtudes morais podem ser obtidas pela educação.
Para Erasmo de Rotterdam, que sofreu duros ataques de Lutero, a liberdade de escolher entre o bem e o mal era a condição sine qua non  da responsabilidade humana. Seu grande projeto pessoal foi aquele do esforço intelectual para compatibilizar e conciliar o cristianismo e as ciências, a fé e o saber.



Referências Bibliográficas

BLAINEY, Geoffrey. Uma Breve História do Cristianismo. São Paulo: Editora Fundamento, 2012.

ELIADE, Mircea. História das Crenças e da Ideias Religiosas. Vol.3, Trad. Roberto Cortez de Lacerda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2011.

FERRY, Luc. Aprender a Viver – Filosofia para os novos tempos. Tradução: Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

FISICHELLA, Rino. Introdução à Teologia Fundamental. Tradução de João Paixão Netto. São Paulo: Loyola, 2000.

JUSTINO, São. Diálogo de Trifão. In: FOLCH GOMES, Cirilo. Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Edições Paulinas, 1979.

ROHDEN, Cleide Cristina Scarlatelli. A Camuflagem do sagrado e o mundo moderno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.

ZILLES, Urbano. Profetas, Apóstolos e Evangelistas. 2ª. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1992.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquise no Blog

Loading

TEXTOS/ARTIGOS ANTERIORES