segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

BREVE OLHAR SOBRE O ESTUDO DO ESPIRITISMO


Aquele que estuda a forma como as coisas se originaram e passaram a existir, que se trate do estado ou de qualquer outra coisa, terá delas a mais clara visão. (Aristóteles, Política, 1252 a, 24-5)


1. Significação

O aporte do conhecimento torna-se indispensável para que o ser humano possa situar-se mais plenamente na vida. O estudo, como afirmou o velho filósofo estagirita, permite “a mais clara visão”, significando – portanto – que o ato de conhecer enseja um nível mais amplo de referenciais para o homem compreender a si mesmo e ao próprio universo, do qual faz parte. Tal questão que, para alguns não passa de cogitações filosóficas, assume vital importância para todos aqueles que desejam desenvolver uma fé racional, que lhes dê suporte no enfrentamento dos tantos desafios da vida.
O mundo contemporâneo vivendo os seus grandes dilemas – onde a questão da miséria, da corrupção, dos desvarios do comportamento, da violência, tem originado multidões de depressivos e melancólicos, além das insidiosas doenças avassaladoras – atesta  a necessidade de repensamos nossa condição humana e os valores que nutrem, historicamente, a civilização terrena. 
A rigor, não se trata de buscar medidas ou discursos salvacionistas e, tão pouco, moralistas. A criatura humana, nesse grave momento histórico-espiritual, por que passa o planeta, necessita de mais profundos esclarecimentos, permeados de consolo e motivação para o bem. É justamente por isso, que o conhecimento espírita é valioso instrumento capaz de produzir, naqueles que o absorvem, uma nova forma de pensar e se relacionar com a vida.
Quando, Allan Kardec, no importante estudo que faz sobre o “Caráter da Revelação Espírita” [1] assevera que “revelar” é retirar o véu que encobria uma determinada realidade, ele está considerando que a ignorância – não no sentido pejorativo do termo – mas a própria falta de conhecimento, é um grande obstáculo para o crescimento, como um todo, do ser espiritual que somos. 
O escritor Richard Simoneti, em uma de suas divertidas histórias[2], conta que certo dia um pregador religioso foi advertido por seus superiores de ofício, por ser acusado de agredir sua esposa. O acusado surpreendeu-se. Era um homem pacífico que jamais entrava em confusão. Diante da situação, o acusado indagou:
- Quem me acusou?
- Foi um vizinho. Ele afirmou que no dia “tal”, ouviu gritos de sua casa e, ao sair no pátio, olhando por cima do muro, percebeu sua esposa correndo, gritando por socorro e você, correndo atrás dela, batendo-lhe. 
O acusado, pensando por alguns instantes, percebeu com lucidez o equívoco que se travava. Naquela tarde, ele e a esposa estavam no jardim. Ela limpava o automóvel e ela, regava as flores. Repentinamente, sua esposa foi atacada por abelhas que estavam entre as flores. Aterrorizada, começou a correr e a gritar por ajuda. O marido, percebendo o fato, pegou um saco de estopa e passou a correr atrás da esposa, batendo-lhe nas costas, com o propósito de afugentar as terríveis abelhas. Nesse momento, o vizinho, olhado à distância e ignorante do fato, confundiu um ato de socorro com uma cena de agressão.
O conhecimento espírita, portanto, sob o prisma da imortalidade da alma, da reencarnação, da justiça divina..., permite ao ser humano novas formas de ver “os fatos” que o cercam, a partir do que poderíamos denominar de uma “cosmovisão espírita”.

2. Dinamicidade

Mas para que possam cumprir adequadamente com esse relevante serviço os Grupos de Estudo da Doutrina Espírita, necessitam instrumentalizar-se adequadamente quanto às fontes de estudo e a dinâmica da reunião. Significa dizer, portanto, que os facilitadores ou coordenadores do ESDE, longe de serem pessoas de “absoluto saber”, necessitam estar periodicamente, estudando e aprofundando seus conhecimentos doutrinários e culturais. Houve época onde a questão da “boa vontade” era tudo. Hoje sabemos que, embora fundamental, a “boa vontade” deve estar associada à capacidade de aprimoramento constantemente.
Nada mais desmotivador do que uma reunião de estudo onde as pessoas sentam-se em torno de uma mesa, limitando-se a leituras cansativas, sem aprofundamento teórico.  O monitor, muitas vezes por não ter feito o devido planejamento, simplesmente ignora os valiosos recursos didáticos (retroprojetor, quadro, vídeo...) e as dinâmicas de grupos. Dessa forma, o Estudo Sistematizado torna-se enfadonho, cansativo e termina por gerar evasões dos participantes. Mas é também necessário darmos significados práticos aos nossos estudos, sem que com isso, o estudo seja transformado numa “terapia de grupo’ onde cada participante termine, ciclicamente, se reportando a sua vida pessoal.
A habilidade do coordenador ensejará o planejamento, a diretriz e a flexibilidade nos estudos, no sentido de poder administrar o conteúdo a ser trabalhado com as aspirações, vivências e contribuições pessoais dos participantes. Tudo isso, num clima de absoluta fraternidade, cordialidade, respeito e dinamicidade.
Assim sendo, o estudo espírita não é tarefa simplista, pois a Doutrina, como afirmou Bezerra de Menezes, é “simples mas não é vulgar”. A simplificação dos estudos, se assim podemos nos referir, somente se sustenta na dinâmica de uma aula produtiva, onde os conteúdos foram adequadamente analisados, refletidos e discutidos, através de suportes didáticos, facilitadores da apreensão do conhecimento espírita em seu tríplice aspecto.




[1] KARDEC, Allan. A Gênese. Cap. 1
[2] SIMONETTI, Richard. Quem tem medos dos Espíritos?. Capítulo intitulado “Silogismo”.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A LITERATURA E A TEMÁTICA DA FELICIDADE - DOIS EXEMPLOS!


A felicidade tem sido um tema recorrente na literatura. Uma relação amorosa regada pelos conflitos e dramas humanos! O romance A Viuvinha, do escritor José de Alencar, narra  história de Jorge, filho de um negociante rico que falecera, e que foi criado por velho amigo de seu pai. Quando chega à maioridade, e passando a tomar conta de seu patrimônio, Jorge descobre os prazeres que o dinheiro pode proporcionar e entrega-se  aos seus desejos e vaidades. Mas a busca desenfreada e delirante do gozo o faz sentir um vácuo e, surge o tédio. Com o tédio, a solidão.  Percebendo que a felicidade não estava no delírio do prazer, Jorge busca num templo religioso aquele “algo mais” que representa os anseios mais profundos do ser humano. Mas a vida é curiosa! Nesse templo, o personagem de Alencar conhece uma jovem, de 15 anos – Carolina – por quem se apaixona perdidamente. Pouco tempo depois, já estavam com o casamento marcado e, ambos, com os corações enternecidos, almejavam o sonho de toda a humanidade: a felicidade.
Mas a felicidade inconstante, na trama de A Viuvinha, não se distancia muito da vida real. O que ocorre é que o desfecho literário buscou, na maioria das vezes, sintetizar as aspirações humanas por um “final feliz”. Não raro, a questão da felicidade está associada, no texto ficcional, a um amor romântico que, a cada nova cena, se vê cercado de crises e obstáculos, distanciando os protagonistas, e por extensão o próprio leitor, de seu ideal de plenitude e realização que deve ser atingido somente nas últimas páginas do livro.
O tema da felicidade esteve presente, também, em outro clássico da literatura brasileira: Olhai os lírios do campo, do escritor Érico Veríssimo. Percebe-se a universalidade do texto literário, justamente por ele enfocar questões essenciais para o ser humano. Eugenio, personagem central do romance, caminhando em uma madrugada pelas ruas desertas, passa em revista sua vida e, diante dos problemas enfrentados, indaga-se se um dia chegaria a encontrar a paz interior, tão almejada. Relendo as cartas de Olívia, sua antiga amiga e depois amante, Eugenio começa a vislumbrar, nelas, um rico manancial de ensinamentos, onde percebe que a felicidade deve estar não na “santidade” ou no “ascetismo”, mas no ato de fazer o outro feliz. (1)
O texto propõe uma relação de intimidade e afeto com a vida, de enternecimento mesmo. O romance relaciona a felicidade à bondade, mas dentro de um dinamismo essencial. Quando alguém assevera que é “bom” por não fazer o mal, está considerando somente que não realiza ações contrárias aos princípios naturais da vida. Entretanto, se a pessoa não desenvolve o seu potencial criativo nas ações nobilitantes, ela permanece passiva no bem, isto é, sem o praticar. Não basta não praticar o mal, é necessário exercitar ativamente o bem.


(1) VERISSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 171.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A derrota do "Faraó" pela geração "online"

Para que possamos compreender o que se passa no Egito atual, é importante retornarmos ao início dos anos 80. No dia 6 de outubro de 1981, o então presidente do Egito Anuar Sadat é assassinado em um desfile militar no Cairo. A ordem para sua morte teria partido de uma fatwa, uma espécie de “determinação legal” emitida pelo fundamentalismo islâmico de Omar Abdel-Rahaman, que se opunha às negociações entre o Egito e Israel iniciadas por Sadat com o apoio dos Estados Unidos.
Foi com a morte de Sadat que novas eleições foram realizadas no Egito e, o então vice-presidente de Sadat, o general Hosni Mubarak, torna-se vitorioso e assume o controle do país. Mubarak recebe o apoio americano, que investe milhares de dólares no exército egípcio, para que o país de natureza islâmica, continuasse um aliado político do Ocidente (entenda-se: “dos americanos”), entre outras razões, por sua posição geopolítica e geográfica estratégica mantendo acordo de paz com Israel, também um aliado americano no mundo árabe.
Ocorre que Mubarak impôs ao país um regime autocrático, sustentado pelo exército. A sua permanência no poder, através das eleições em 1987, 1993, 1999 e 2005 foi questionada por parte da comunidade internacional (menos os Estados Unidos é claro) pela falta de transparência do processo. Além disso, seu governo era marcado pela falta de democracia, corrupção e brutalidade das forças policiais.
Como é comum nos regimes ditatoriais, Mubarak mantinha censura sobre os meios de comunicação, além de mandar prender e torturar todos que representassem uma “ameaça à ordem pública”.
Com o agravamento dos problemas econômicos, a população egípcia, exausta de tal regime, empreendeu uma verdadeira revolução contra o governo, exigindo sua saída e oferecendo ao mundo um notável exemplo de consciência política pelos direitos democráticos.
Essa revolução nasceu no seio da população mais jovem e se multiplicou graças ao uso das redes sociais que conseguiam furar os bloqueios da ditadura. É interessante observarmos, também, que a revolução no Egito ocorreu sem a interferência de outros países, como é comum nesses casos.
É imperativo pensarmos, cada vez mais, no papel da internet e das redes sociais, não somente como espaços democráticos, mas também como instrumentos de mobilização social. Podemos, jocosamente, dizer que a antiga ditadura do governo egípcio foi derrotada pela nova geração “online”.
O povo egípcio nos ofereceu exemplos de uma nova revolução e aponta para o futuro, jamais pensado por Karl Marx, das modernas formas de mobilização da sociedade na defesa de seus interesses e fixando na contemporaneidade suas marcas na história.  
Hosni Mubarak, talvez um antigo faraó ou nobre imponente do passado reencarnado atualmente, conheceu como poucos governantes arbitrários, o peso do poder determinado da população egípcia, certamente, num resgate notável de sua liberdade e de sua dignidade.
A grande questão é como o governo provisório procederá na transição para um novo governo democrático, e como esse novo governo se comportará no contexto da geopolítica internacional, sobretudo, na relação Ocidente/Oriente.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O ESTADO DE NATUREZA


“O moral e a inteligência são duas forças que só com o tempo chegam a equilibrar-se.”
O Livro dos Espíritos. Questão 780 b

Preâmbulo

Nos séculos XVII e XVIII floresceu na Europa diversas teorias explicativas sobre a origem da desigualdade social  entre os homens. Destacaram-se especialmente os pensamentos de Hobbes e Rousseau. Numa tentativa de explicar o problema do surgimento da sociedade civil, desenvolvem o conceito do Estado de Natureza. A concepção filosófica de cada autor irá variar, como veremos, sobre o modo de vivência  do homem nesse estado inicial. Interessa-nos, no entanto, além de examiná-las genericamente, estabelecer as interfaces com a teoria espírita.
A  denominação “estado de natureza” parte da concepção filosófica européia. Assim, quando Allan Kardec aborda essa questão em O Livro dos Espíritos,  apresenta, na verdade, um modelo explicativo espírita sobre o assunto, numa abordagem multidimensional da realidade humana.

1-Um constante estado de insegurança

A forma como os seres humanos viviam, em comunidades iniciais, antes da formação do Estado ou da sociedade civil organizada, é denominada estado de natureza. Esse estágio, caracterizava-se, segundo  Hobbes, pela insegurança da vida humana, pois vigia a lei do mais forte. Nesse período, todos eram  livres de padrões sociais. Os conflitos pela posse, no entanto, geravam um constante estado de guerra.
Conforme pensa  Thomas Hobbes, no estado de natureza o homem vivia impulsionado por uma ferocidade instintiva, impeditiva da convivência pacífica, pois, segundo ele: “o homem é lobo do  próprio homem “. Hobbes  parte do princípio que o homem não é naturalmente sociável, pois cada ser humano alimenta em si a ambição do poder e a tendência para o domínio sobre os outros homens.
Para romper com esse estado caótico,  as pessoas obrigadas pela insegurança da própria vida e pelo receio de perderem suas propriedades  resolvem fazer um “contrato” ou um “pacto social” no qual abdicam de sua liberdade em favor da própria sobrevivência.  Delegam  os seus direitos a um homem – soberano – ou  a uma assembléia de homens que personifica a sociedade e que assume o encargo de conter esse estado de insegurança.   Locke afirma ainda, que esse contrato é feito  visando a manutenção dos direitos naturais do homem, quais sejam: direito à vida, direito à propriedade privada e direito de liberdade. Hoje, esses direitos são conhecidos por “direitos humanos”.
Mas, ainda conforme o pensamento de Hobbes, os homens se associaram não por gostarem de viver em sociedade, mas por interesse e necessidade. O Estado, assim, surge para conter a “fúria natural dos indivíduos”.
À luz da teoria espírita, a vida em sociedade é princípio natural e necessário. Concordamos com o escritor Silvino José Fritzen quando afirma que: “as convivências são formativas: ajudam a reflexão e a interiorização pessoal, e representam uma rejeição viva à sociedade egoísta”. A vida social desenvolve os sentimentos e o intelecto humano, predispondo-nos ao trabalho de intercambiar experiências com vistas ao melhoramento do grupo onde nos encontramos. Assim, ampliam-se os horizontes da arte, da cultura, da ciência, da religião, da tecnologia, etc.
Depreende-se, portanto, que o estágio da convivência social é, para o espírito humano, a superação do isolamento vivencial e existencial das faixas iniciais da evolução.

2-Instintos, sensações, felicidade...

No seu ponto de partida, a filosofia de Rousseau é diametralmente oposta à de Hobbes.  Para Rousseau o Estado de Natureza não era o estado da barbárie ou do caos, mas da felicidade.  O homem no estado de natureza é sadio, ágil e robusto. Os únicos bens que conhece são os alimentos, a mulher e o repouso. Os únicos males que teme são a dor e a fome. Mas o homem adquire – para sua felicidade no início e para sua “desgraça” mais tarde - duas    virtudes que o diferenciam dos animais e que irão modificar o seu estado primitivo: a faculdade de aquiescer ou resistir, isto é, a possibilidade de reconhecer-se livre, e a faculdade de aperfeiçoar-se. Essas duas capacidades auxiliadas pelas múltiplas experiências do cotidiano, desenvolveram a inteligência, a linguagem, e todas as outras faculdades que estavam em potencial na criatura humana.
Em seu “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” publicado em 1755, Rousseau afirma que o primeiro sentimento do homem foi o da sua existência; o primeiro cuidado, o da sua conservação. Os produtos da terra lhe forneciam todos os auxílios necessários; o instinto o levou a servir-se deles . A forme e outros apetites fizeram-no experimentar, alternadamente, diversas maneiras de existir, e houve um desejo que o convidou a perpetuar a espécie.
Tal foi a condição do homem no começo. Vivendo no limite das sensações o homem aproveitava as possibilidades que a natureza lhe oferecia.  Todavia, cedo se apresentaram dificuldades e foi preciso aprender a vencê-las: a altura das árvores que o impedia de alcançar os frutos, a concorrência com os animais que dele buscavam nutrir-se, as forças telúricas e os fatores mesológicos inóspitos. Tudo isso o obrigava a exercitar o corpo e o intelecto. Foi necessário fazer-se ágil, rápido na corrida, vigoroso no combate. As armas naturais – as pedras e os ramos de árvores – cedo se acharam em suas mãos.  Ele aprendeu a sobrepujar os obstáculos da Natureza, a combater por necessidade os outros animais, a disputar a subsistência com os próprios semelhantes ou se compensar quando era forçado a ceder ao poder do mais forte.
No modelo  hobbesiano a luta competitiva é a norma, pois no estado de natureza,  predomina a “guerra de todos contra todos”. Rousseau, todavia, compreende que “o homem é pacífico por natureza”, isto é,  Rousseau não aceita a tese do pecado original, que marcaria todo aquele que nasce; o mal não é do homem enquanto natureza, como, de certa forma entendia Hobbes.
O espiritismo não parte desses modelos dicotômicos, mas apresenta um modelo explicativo da evolução onde afirma que o espírito humano, em seu início, é “simples e ignorante”, isto é, não possui conhecimento nem do bem nem do mal. Todavia, a criatura humana possui, em estado potencial, as sementes das perfectibilidades que lhe cumpre atingir.
Concorda, que no início de sua trajetória no reino hominal, o espírito humano ainda muito incipiente, experenciava  as possibilidades dos instintos e das sensações que o dominavam, visando atender as necessidades mais imediatas da vida. É a fase da Anomia, isto é, da ausência de normas. A criatura humana encontra-se numa fase pré-moral, onde o homem vive em bandos,  sem a existência de uma organização social mais complexa.
Abordando a questão diz Allan Kardec:   “O  estado de natureza é a infância da Humanidade e o  ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral”.  [O Livro dos Espíritos. Comentário, questão 776].  O conceito é semelhante ao de Rousseau: “...tal estado é a verdadeira juventude do mundo...”.[5]
A ideia de Rousseau sobre a questão da felicidade no estado de natureza, suscitou, por certo, a questão 777 de O Livro dos Espíritos. Vejamos:  Kardec indaga os espíritos sobre o “(...)que se deve pensar da opinião dos que consideram aquele estado como o da mais perfeita felicidade na Terra?”  A resposta é incisiva:  “(...) É a felicidade do bruto. Há pessoas que não compreendem outra.”   A ideia de felicidade, nesse contexto, prende-se rigorosamente, a ideia de subsistência. É um tipo de felicidade circunscrita, em nossa concepção atual, exclusivamente a satisfação de suas necessidades fisiológicas. Somente com o passar do tempo, o ser humano vai forjando relações de vida mais complexas, de onde faz surgir novas necessidades-desafios e, portanto, novas formas de felicidade-infelicidade.


4-A Metacivilização

As teorias de Hobbes e Rousseau sobre o Estado de Natureza analisam o homem a partir de pressupostos teóricos, onde a criatura humana está circunscrita a uma única existência material. O espiritismo, todavia,  propõe uma abordagem  multidimensional da questão. O homem é um ser imortal e, pelas sucessivas experiências palingenéticas ou reencarnatórias, frente aos desafios impostos pela natureza, vai imprimindo novas culturas e saberes. Forjando novas formas de viver e conviver com o outro.
Desse complexo processo interativo, que não ocorre somente no plano físico mas igualmente, na dimensão extrafísica ou espiritual, o espírito humano vai aperfeiçoando-se na universidade da vida, para compreender os seus mecanismos constitutivos. Daí, a transição do Estado de Natureza para o Estado de Civilização e, dessa, para uma  metacivilização, isto é, a civilização do senso moral: da justiça, do amor e da caridade. A denominada Metacivilização será o estágio onde a sociedade humana passará a articular o valor-intelecto com o valor-sentimento, proporcionando, com isso, o equilíbrio entre os valores espirituais e os valores materiais, numa dinâmica de vida muito mais satisfatória e positiva.


Referências Bibliográficas

1-KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questões: 776,777,780. 68ª ed. Brasília, Feb, 1987.

2- ____. O Evangelho Segundo o Espiritismo.  Cap. 3, item 3 e 4. 100ª ed. Brasília, Feb, 1989.

3- ____.  A Gênese. Cap. Item 10. 34ª ed. Brasília. Feb. 1991.

4-PIRES, J. Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. Cap. 7, 2ª ed. São Paulo, Feesp, 1993.

5-ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social e outros escritos. 4ª ed. São Paulo. Cultrix.

6-MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 22ª ed. São Paulo, Saraiva.

7-LARA, Tiago Adão. A Filosofia Ocidental do Renascimento aos Nossos Dias. 6ª ed. Petrópolis, Vozes.

8-ANDRÉIA, Jorge. Nos Alicerces do Inconsciente.3ª ed. Brasília, Edicel.


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