domingo, 23 de junho de 2013

ANGÚSTIAS E DÚVIDAS

Jerri Almeida

A fé raciocinada não se impõe, pois se trata de uma construção pessoal, elaborada por aqueles que sinceramente desejam atingi-la. Mas além da instrução, ou do conhecimento, quais os demais fatores pertencentes a esse processo de construção da fé? Léon Denis, em sua magistral análise sobre o assunto, adverte: “Ninguém adquire essa fé sem ter passado pelas tribulações da dúvida, sem ter padecido as angústias (...). Muitos param em esmorecida indecisão e flutuam longo tempo entre opostas correntezas.”[1] 
O eminente filósofo espírita destaca duas perspectivas desse processo: dúvidas e angústias. A dúvida pode ser um instrumento, como foi para Descartes na filosofia, capaz de conduzir para a análise e rejeição de certas opiniões ou conhecimentos instituídos pelas tradições. A dúvida parte de uma incerteza sobre determinado assunto. Se esse assunto diz respeito às questões religiosas e existenciais, então, essa “dúvida” poderá carregar certas angústias.
Nesse caso, essa dúvida poderá ser considerada uma “dúvida natural”, quando vem acompanhando o indivíduo em sua caminhada existencial, ou uma “dúvida despertada”, quando gerada por uma situação externa. Por exemplo, o defrontar-se com a morte de uma pessoa querida, poderá despertar no sujeito certas dúvidas, sobre a existência humana e o sentido da vida. O evento “morte”, por vezes gerador de “angústias”, torna-se um agente capaz e desencadear dúvidas.
A dúvida poderá, nesses casos, tornar-se um elemento desestabilizador de algumas “certezas”, sobretudo, quando elas não foram suficientemente amadurecidas pela razão. Esse é um momento angustiante do qual nos fala Léon Denis. Todavia, isso gera um efeito positivo, na medida em que demonstra a superficialidade das certezas não amadurecidas.
Conforme a personalidade do indivíduo, ele poderá, nesse caso, se motivar a um processo de busca por respostas que lhes sejam mais consistentes. Enveredando-se em uma jornada admirável, percorrerá inúmeras possibilidades explicativas, sintonizando-se com aquela que melhor apaziguar suas angústias.
A dúvida está na base da busca pela verdade. O sociólogo francês E. Durkheim afirmou que os primeiros sistemas de representação que o ser humano elaborou são de origem religiosa. Para ele a filosofia e a ciência, tiveram suas origens na religião. Mas, a religião, pura e simplesmente, enclausurada em verdades fechadas, deixa de satisfazer, no mundo complexo em que vivemos, as diversas inquietações e angústias humanas.
Allan Kardec, dialogando com o Padre, no Terceiro Diálogo, do livro O Que é o Espiritismo, afirma: “O Espiritismo não se impõe porque, como disse, respeita a liberdade de consciência. Compreenda muito bem, por outro lado, que toda fé imposta é superficial e só oferece aparências da fé; nunca é a fé sincera.”
Sócrates, há seu tempo, interrogando o oráculo de Delfos, parte da dúvida para alcançar,  através do raciocínio perquiridor, a certeza e a verdade. Quando se duvida, portanto, é para se conhecer, com mais elevado grau de certeza. Claro que estamos falando de uma dúvida responsável, associada à angústia, e, por isso mesmo, compromissada com a busca da verdade.
Apoiando-nos em Léon Denis, percebemos que a fé racional pode ser construída e elaborada por esses “movimentos internos” da alma, que trás na sua essência, a necessidade do saber. Esse saber, na escalada evolutiva do espírito, nunca é totalmente absoluto. O que abre sempre novas possibilidades, de um lado, para a presença da fé enquanto sentimento de “confiança”, e por outro, para a progressividade do acesso à verdade.
Mas Kardec alertou que a construção da fé raciocinada é um processo, isto é, não se dá repentinamente: “A transição jamais se opera de maneira brusca, mas pela mistura temporária das ideias antigas e das ideias novas; é, de início, uma fé mista, que participa de umas e de outras; pouco a pouco a velha crença se extingue, a nova cresce, até que a substituição seja completa.”[2]
A fé raciocinada, portanto, está diretamente associada a uma convicção que vai sendo estruturada ao longo do tempo, inclusive, através das múltiplas experiências reencarnatórias. No que se refere à convicção espírita, ele esclarece que ela só se adquire pelo estudo, pela reflexão e por uma observação continuada sobre os aspectos do cotidiano, e, portanto, amadurecendo reflexões sobre teoria e experiências.[3]


NOTAS

[1] DENIS, Léon. Depois da Morte. Fé, esperança, consolações. p. 258
[2] KARDEC, Allan. As Três Filhas da Bíblia. Revista Espírita.  Fevereiro de 1867. P. 69. FEB
[3] KARDEC, Allan. Discurso na S.P.E.E. por Ocasião da Renovação  do Ano Social de 1861.  Revista Espírita – Maio de 1861.

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