domingo, 30 de janeiro de 2011

O DESCONFORTO HUMANO

A desagregação das instituições, aparente ou não, tem conduzido a valiosas reflexões sobre a necessidade de construirmos bases mais sólidas de valores, para obtermos uma sociedade mais feliz. As paixões debilitaram as sociedades, aparentemente, dominadas, por um lado, pela ânsia do consumo e, por outro, pela imensa desigualdade social, aumentando o fosso entre ricos e pobres. Assim, o desenvolvimento tecnológico coexiste com o subdesenvolvimento moral. Para o espiritismo, vivemos ainda a predominância da natureza animal, instintiva, sobre a natureza espiritual, do racionalismo e dos sentimentos nobres.  
  Atualmente, vivemos um modelo de vida centrado, não na pessoa, mas na economia. Tudo gira, em discursos e em práticas, na defesa do equilíbrio econômico. Por esses tempos, ouvimos coisas estranhas do tipo: “o mercado acordou nervoso”, como se estivéssemos falando de uma pessoa. A ditadura da economia foi bem definida pelo economista egípcio, Samir Amim, como um “money-teísmo”.  Com a cultura do “tempo é dinheiro,” passamos a permitir com que o vírus da ansiedade tomasse conta de nossas mentes e emoções.  A felicidade, individual e coletiva, deixou de depender de nós mesmo, para se subordinar às condições da economia e do mercado.
 Na medida em que as paixões humanas triunfam sobre a razão e os sentimentos nobres, criamos, em nível de humanidade, novas situações que debilitam a nossa vida. A busca do consumo excessivo, sem freios, através da ditadura da publicidade e das imagens apelativas, criou uma cultura que fixa, por demais, o homem no mundo dos sentidos materiais e, com isso, nossa vida passou a depender das “coisas externas”. Para Touraine: “Somos atraídos, dirigidos, manipulados pelas forças que dominam a sociedade, ainda mais do que pelas elites dirigentes da própria sociedade.” [1]
A sociedade humana, de forma geral, vive, por um lado, a sedução do consumo e, por outro, a insegurança e o medo da perda. Essa evocação ao “ter” envolve sem piedade as mentes juvenis, tornando o jovem uma presa fácil da ansiedade da posse. Muitos jovens cresceram ouvindo e vivenciando a idéia de que a felicidade pode ser comprada. O amadurecimento psicológico deve, todavia, instrumentalizar o ser humano para resistir aos apelos transloucados da sociedade utilitarista contemporânea. Surge, daí, a grande responsabilidade dos pais, em proporcionar aos jovens uma base de valores apoiados numa cultura humanista e espiritualista, que evidencie a insensatez das concepções do materialismo. Em novembro de 2002, o Brasil parou diante do caso Richtofhen. Seria mais um lamentável ato de violência ocorrido em São Paulo, não fosse a descoberta de que a própria filha do casal, Susane, havia com seu namorado e o irmão dele, planejado o assassinato dos próprios pais. O julgamento dos três, em 2006, atraiu uma multidão de pessoas!
A população acompanhou o desfecho do caso e as sentenças dos réus com extremo interesse. Poderíamos indagar, o porquê de esse caso ter gerado tanta repercussão? Naturalmente, esse fato, além de ter evidenciado um profundo drama familiar, trouxe a baila, mais uma vez, a tão discutida questão dos valores. A filha, ao que se sabe, teria planejado o assassinato dos pais não somente por “amor” ao namorado, mas, também, pelo de desejo obter mais rapidamente a sua “herança material”.
O caso Richtofhen expôs, e por isso a sua grande repercussão, a fragilidade dos laços e dos valores vivenciados e ensinados no seio do núcleo familiar. A educação moral e religiosa, muitas vezes esquecida ou desconsiderada, no mundo contemporâneo, necessita ser resgatada urgentemente, se assim desejarmos formar pessoas de bem.  O ocorrido com essa família em São Paulo, tornou claro onde a imaturidade espiritual das criaturas pode chegar, ou seja, ao nível de uma filha valorizar mais a riqueza dos pais, do que a vida dos próprios pais. Isso choca! Isso nos faz repensar valores!
Na onda da modernidade nos chocamos com a crise geral de autoridade envolvendo os diversos setores da sociedade humana. Os pais experimentam os dilemas e os reflexos pela negligência da autoridade, no trato com a questão educacional e comportamental de seus filhos. Primeiro, porque a questão da autoridade está intimamente relacionada com os exemplos que os pais oferecem aos filhos no cotidiano da vida relacional. E, segundo, porque ter autoridade sobre os filhos dá trabalho, exige acompanhamento, dedicação, diálogo, posturas claras e firmes, afeto, etc. E, como vivemos numa cultura do “menor esforço”, os pais terminam por se tornar permissivos, alegando que não desejam ser autoritários.
A crise da autoridade, dessa forma, se espalha avassaladora para as demais instituições. No âmbito da política, aqueles que recebem um mandato popular para promoverem o desenvolvimento social, vêem-se, a todo instante, cercados de escândalos no mar da corrupção. Tal problema termina gerando no seio das instituições, e na mente das pessoas, o sentimento de libertinagem, desconfiança e impunidade. Os reflexos disso colaboram para que a insegurança se multiplique, tornando o “mundo humano” um espaço em conflito permanente.



Nota

[1] TOURAINE, Alain. Um Novo Paradigma. Para compreender o mundo de hoje. Trad. Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.p. 123.

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