domingo, 26 de dezembro de 2010
O "ANO NOVO" E A NOSSA RELAÇÃO COM O TEMPO
Na mitologia grega, quando Urano, o Céu, fecunda a Terra, nasce a geração dos Titâns e, dentre eles, Cronos, o tempo. Com extrema ferocidade, Cronos devora os seus próprios filhos, com exceção de Zeus que resiste ao tempo, conquistando a imortalidade. O tempo é implacável! É rápido como um raio de luz que cruza o ambiente com uma rapidez audaz, imperceptível. O tempo é dominador, subjuga as criaturas humanas de forma indelével e a faz suas escravas.
Voltando para a mitologia, agora romana, Jano era cultuado como o “deus dos inícios”. Divindade responsável pelo fim de uma etapa e início de outra. No calendário romano e depois cristão, deu origem ao nome “janeiro”, definido como o primeiro mês do ano. Dezembro, último mês do ano representa matemática e simbolicamente o fim de uma etapa, com suas experiências, acertos e desacertos, méritos e deméritos, felicidades e desditas. Vivemos na órbita do tempo e de suas representações.
O relacionamento humano com o tempo carrega uma forte bagagem de subjetividades ancoradas na memória que, aliás, na mitologia grega, é a irmã de Cronos. O tempo é depositário das lembranças, dos fatos vividos em família, com amigos, dos afetos e desafetos. Boas e más recordações fazem parte da vida. Algemar-se ao passado, principalmente sobre os eventos negativos, é algo que exige ser bem administrado pelo departamento da inteligência e dos sentimentos. Em nada contribui uma fixação melancólica no passado, uma vez que essa fixação, normalmente, retira da pessoa o foco principal de sua vida: o presente.
Ao aproximar-se o período de final de ano, pessoas há que se dizem envolver, sem que saibam explicar, por uma boa dose de tristeza e melancolia. Ficam quietas, buscam o isolamento evitando festas e diversões. A psicologia busca uma possível explicação para esse fenômeno em prováveis conteúdos inconscientes, vividos consciente ou inconscientemente, em algum momento da vida e que, por algum motivo, afloram nessa época: a perda de uma pessoa, um desencanto amoroso, objetivos alimentados durante aquele ano mas não atingidos, etc.
Nem todos, portanto, estão convencidos de que devem comemorar, ufanisticamente, a virada do ano. Alguns preferem o silêncio. Familiares e amigos muitas vezes não compreendem, nem respeitam, tais posturas. Cada pessoa tem sua própria forma de reagir a essas representações do tempo, pois isso mexe com conteúdos profundos de nossa alma.
Ocorre, na lógica comum, que comemorar o fim de ano é fazer o que todos fazem: vesti-se de branco, se possível ir para a beira da praia, tomar champanhe e terminar a noite numa boate ou a um show qualquer, uma verdadeira festa de passagem. Quem adota outro comportamento que fuja dessas convenções é considerado uma espécie de “subversivo”, ou deve “estar doente”.
O relacionamento do homem com o tempo possui uma dimensão cultural, simbólica, idílica ou lúdica. O final do ano, nesse contexto representa uma forte tradição cultural no universo dos rituais de passagem, herdeiros do imaginário ancestral, e dos rituais pagãos. O fato é inquestionável: somos seres fortemente influenciados pela noção de tempo. Parece haver um tempo para tudo, e comportamentos convencionados para cada situação. Negar-se a aceitar essas representações do tempo sobre nós, parece ser tarefa quase revolucionária, anarquista mesmo!
Mas, como tantas outras revoluções, que expressão até certo ponto a rebeldia humana, o rebelar-se contra o tempo, seus significados e efeitos sobre nós não mudará a temporalidade das coisas. Será uma batalha perdida! Melhor, talvez, seja aprendermos a conviver bem com o presente e tudo o que dele possamos extrair para torná-lo pleno de possibilidade e de ações afirmativas na composição de um ser humano mais ético e solidário.
domingo, 19 de dezembro de 2010
UM NOVO SENTIDO PARA O NATAL
Os historiadores do cristianismo empenham-se por encontrar os indícios materiais que comprovariam a existência do homem Jesus. Além da Bíblia, encontramos outras poucas referências a Jesus em autores como Flavius Josephus, um historiador judeu do primeiro século. Em sua obra: Antiguidades , ele afirma: “Havia por aquele tempo Jesus, um homem sábio, se for direito chamá-lo de homem...”
No século II, Tácito, um famoso historiador romano também se refere a: “...Cristo, que o procurador Pôncios Pilatos entregou ao suplício.” Seria desnecessário enumerar outras referências. O fato é que o cristianismo ganhou cada vez mais espaço dentro do declinante Império Romano, passando, também, a sofrer uma mistura cultural, quase inevitável.
Dessa forma, a data que hoje conhecemos como atribuída ao Natal, foi definida no ano 336 d.C. O 25 de dezembro, oficializado no século IV, originou as festividades do nascimento de Jesus. Foi uma transposição cultural às comemorações, na mesma data, do nascimento de Mitra, o deus-sol de origem Persa.
O Natal, entretanto, aí está, quer seja nos seus aspectos simbólicos, ou no sentimento que impele o ser humano a uma profunda revisão de seus valores. Na crise de civilização que a humanidade atravessa, a proposta cristã – fundada na ética do amor – é muito mais profunda do que as meras apelações comerciais construídas pela sociedade capitalista.
Na verdade, podemos identificar na mensagem natalina um verdadeiro desafio à renovação interior. Muito embora sem nada escrever, Jesus Cristo continua influenciando milhões de pessoas, em todo o mundo. Longe de estarem superados, os seus ensinos morais representam um admirável repositório de sabedoria capaz de promover uma convivência, entre indivíduos e povos mais pacífica e fraterna. Em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec na questão 625 indagando os benfeitores espirituais sobre quem seria o Ser mais notável que Deus enviou à Terra para nos servir de modelo e guia, obteve como resposta: “Jesus”.
Figura paradigmática, Jesus é o homem mais falado da história. Sobre nenhum outro personagem se escreveu tantos livros, seja para desvendar sua personalidade, para interpretar seus ensinos ou para mencionar seus fatos notáveis. Apesar disso, o jornalista e psicólogo espanhol Juan Árias chegou a afirmar sobre Jesus: “Esse grande desconhecido”. Antes dele, no entanto, o historiador francês Ernest Renan já havia dito que Jesus era: “Um homem incomparável”.
O Natal não deve ser visto nos acanhados limites dos rituais religiosos ou nos festejos para troca de presentes. A proposta apresenta por Jesus nesses vinte e um séculos de cristianismo é profundamente inovadora, repercutindo numa nova ética para a vida. O valor da Boa Nova, mensagem de amor trazida por ele, é de alta transcendência para o homem.
Nos dias atuais, marcados por tanta rigidez dos sentimentos, de violência e de desigualdades sociais marcantes caracterizando uma sociedade que atingiu alto nível de desenvolvimento tecnológico, mas que ainda se encontra encarcerada nos grilhões da indiferença, a mensagem do Cristo é emblemática para a edificação de uma nova sociedade.
O verdadeiro sentido do Natal, portanto, se dará quando Jesus, e tudo aquilo que ele representa nascer efetivamente na Terra. Dessa vez, não mais em uma tosca cabana, mas no coração do próprio ser humano.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Manifesto contra o aumento imoral no salário dos deputados federais
Esse é um espaço destinado geralmente para temas filosóficos envolvendo espiritualidade. Mas, julgo necessário abrirmos, nesse momento, espaço para um manifesto de repúdio, onde nos associamos à indignação de grande parte da população brasileira. É sabido que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo. O cidadão que cumpre com seus deveres para com o Estado, que ganha como uma grande parcela da sociedade brasileira, até dois salários mínimos, sente-se profundamente horrorizado diante do escárnio cometido pelos senhores deputados federais.
A categoria que, por natureza histórica, goza de profundas benesses dentre as quais, a de votar seu próprio aumento salarial. São esse indivíduos, verdadeiros parasitas do poder, de suspeita moral, que votam para si um aumento absurdo de 60% em seus salários. Imaginem o que irá representar isso para os cofres públicos e, portanto, para os nossos bolsos? São 513 deputados federais que chegavam, antes do aumento, a custar para a sociedade brasileira, cerca de 100 mil reais por mês, cada um. Obviamente, pelo fato dos senhores deputados terem verba de 50 mil para pagarem seus assessores, assinatura dos principais jornais e revistas do país, verba para no mínimo duas passagens de avião, custos com gasolina, telefone celular.... Tudo isso pago por nós!
Como se já não bastasse, eles – apesar do salário de 16 mil por mês - estavam com dificuldades para sobreviver. Era necessário mais! Foi com essa ganância abissal, com o instrumento de uma votação esdrúxula que, na calada da noite, passaram seus parcos salários para 26 mil reais por mês. Um verdadeiro escárnio com o trabalhador brasileiro. Sorte do Tiririca que iniciará seu mandato já com o novo salário. Certamente sua votação foi emblemática, também nesse sentido. Há uma mensagem por traz dessa votação exclamando que: “a política no Brasil deixou, faz muito tempo, de ser coisa séria.”
O que mais poderemos esperar desses deputados? O que podemos pensar, nesse país, onde policiais militares e professores ganham miseráveis salários, muitos tendo que fazer “bicos” para poderem levar uma vida material menos penosa. Realmente é desolador, pois é o povo que sustenta esses políticos ignóbeis, verdadeiros “picaretas do poder” e inoperantes funcionais.
O certo é que a sociedade brasileira continua sendo traída pelos seus lídimos representantes que, uma vez eleitos, passam a legislar em causa própria, em nome de seus interesses pessoais e corporativos. O aumento imoral, nada mais reflete, portanto, do que a “imoralidade” daqueles que o aprovaram.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
A FILOSOFIA DA FELICIDADE
O que é efetivamente a felicidade? Como lográ-la? Tais questões vêm acompanhando o pensamento e o coração humano através dos tempos. No passado, levantou-se a filosofia para explicar o enigma da vida e da realidade humana. Pensadores diversos, principalmente na Grécia, apresentaram visões explicativas da felicidade humana, algumas impregnadas de negativismo, fruto natural dos conflitos pessoais daqueles que as formulavam. Outras, todavia, traziam perspectivas otimistas e enobrecedoras, visando a promoção da criatura humana.
A Doutrina Espírita, em sua ampla e dinâmica conceituação doutrinária, fazendo uma releitura da vida, através do prisma da imortalidade, oportuniza um novo olhar sobre os valores que envolvem a questão da felicidade. Nos propomos a uma breve reflexão sobre essa, sempre oportuna, temática.
O Hedonismo e a Doutrina Cínica
O termo hedonismo vem do grego (hedoné = prazer) e o seu sentido filosófico é aplicado às teorias que buscavam respostas para a seguinte indagação: qual a norma do bem viver? O epicurismo (Epicuro 341-270 a.C.), por exemplo, buscou responder essa pergunta afirmando que o “prazer” seria o móvel das ações humanas, isto é, a felicidade estaria consubstanciada no prazer “da carne e do ventre”.
O sentido inicial da concepção epicurista da felicidade, relacionada à satisfação sensível, não estava vinculado ao prazer desregrado e exclusivo. A felicidade estava na posse do bem satisfatório ou seja, no Ter, em sua justa medida. Assim, é bom o que agrada; é mau o que traz sofrimento. No entanto, deve-se fugir de determinados prazeres imediatos para se evitar sofrimentos conseqüentes no futuro.
Dessa forma, a razão passa a ser importante instrumento esclarecedor – em conjunto com as sensações – para a adoção de um comportamento cujas escolhas poderão conduzir à felicidade ou à desdita. A visão hedonista deturpou-se com o tempo. Hoje, o hedonismo é um termo quase pejorativo, ligado à busca do prazer na sensualidade e na erotização, como parte da cultura utilitarista contemporânea.
Não obstante, na Grécia, floresceu também a visão filosófica da felicidade vinculada à idéia de pobreza. Diógenes (413-323 a.C.) filósofo grego que viveu na cidade de Corinto, e em Atenas, sustentava que a felicidade se obtém pela satisfação das necessidades da maneira mais econômica e simples. Quem tem posses tem medo de perder o que tem, logo, o medo afasta a pessoa da felicidade. Quem não tem nada não tem medo da perda. Diógenes foi chamado de filósofo cínico e tornou-se uma figura peculiar, sendo-lhe atribuídas várias anedotas, dentre as quais, seu encontro com o grande conquistador macedônico Alexandre Magno. O grande conquistador se deteve ante o barril em que Diógenes morava e, fazendo-lhe sombra, perguntou-lhe o que desejava. Diógenes respondeu: “Que não me tires o que não me podes dar”. Referia-se à luz do sol.
Estoicismo e Cristianismo
Para Zenão de Cício (336-264 a.C.) a busca da felicidade consistia em uma proposta de se viver em harmonia com a natureza, aceitando-se corajosamente todas as suas leis e vicissitudes. A virtude é o bem supremo, e ela consiste na retidão. Assumir-se uma postura de equilíbrio perante o sofrimento é sinônimo de sabedoria.
Doenças, desprezo, infortúnios... para os estóicos deveriam ser vistos como “realidades indiferentes”. Diante de tais circunstâncias, assumir-se-ia uma postura de total apatia ou indiferença. De certa forma, percebemos a grande influência do estoicismo na cultura religiosa do Ocidente e do Oriente.
Na Bíblia, inúmeras passagens reportam-se a essa questão estóica vinculada à idéia de felicidade. Dentre elas, lemos em Tiago 5:11: “Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram.” Em suas Bem-aventuranças, Jesus reporta-se àqueles que choram, e serão consolados. Cristo asseverou, entre outras coisas, que o seu reino não era desse mundo, portanto, disso concluiu-se que a felicidade, igualmente, não seria desse mundo “material”. Aqui entramos numa outra reflexão.
Muitos religiosos, a partir de uma interpretação simplista do pensamento cristão, passaram a estabelecer a inacessibilidade da felicidade na Terra. Aqui deveríamos somente sofrer para, na outra vida, sermos felizes. Ora, é bem verdade que Jesus não depositou a felicidade no mundo material, ou melhor, nas coisas materiais. Sempre que transferimos a nossa felicidade para as posses materiais, ela passa a ser frágil e inconstante. Entretanto, afirmar-se que a felicidade na Terra é uma utopia, parece-nos, no mínimo, um raciocínio equivocado. Mas então, de que “mundo” é essa felicidade? Sem dúvida, é do nosso “mundo interior”.
Porém, o pragmatismo Capitalista-Ocidental, dentro de uma racionalidade econômica, estabeleceu um modelo de felicidade alicerçado no valor-propriedade. As propagandas, poderosos instrumentos de mídia, criam necessidades e convencem os menos previdentes que, para ter sucesso, é necessário adquirir esse ou aquele produto. Originando, daí, a geração do vir-a-ser.
A Geração do vir-a-ser
Após a Segunda Guerra Mundial, floresceu a denominada sociedade do consumo, fruto do admirável processo de industrialização do pós-guerra. Nesse contexto, a criatura humana, seduzida pelas ambições decorrentes da posse, do poder e gozos materiais, identificou-se com uma filosofia existencialista que pregava o prazer imediato. O poder, a riqueza e a juventude, consubstanciariam elementos indispensáveis à felicidade. O vírus da ansiedade espalhou-se pela Terra.
Inserido nessa racionalidade, o ser humano passa a ser escravo do que não possui, na ânsia frenética do consumo e, portanto, da felicidade. A visão do vir-a-ser (feliz) quando: comprar um automóvel, uma casa, passar no vestibular, se formar na universidade, estiver trabalhando, se casar, comprar uma casa de praia, tiver filhos, se aposentar... torna-se verdadeira obsessão.
Diante da negativa em qualquer um desses intentos, o pessimismo espalha-se e, com ele, a infelicidade, paradoxal. Logo, a felicidade não pode estar na aflição decorrente do vir-a-ser ou do vir-a-ter.
Nova visão da felicidade
A felicidade esteve sempre dentro de nós. O problema é que sempre a procuramos fora. Daí a dificuldade em encontrá-la. Com o Espiritismo, a felicidade deixa de ser uma conquista “a posteriori” para ser – mesmo dentro da relatividade da vida na Terra – uma proposta de vida para esse momento. É uma proposta-desafio, dentro de uma visão psicológica profunda da própria vida.
Na concepção espírita, a felicidade está vinculada à arte de amar. E, “amar”, é aquela condição em que a “felicidade” de outra pessoa é essencial à nossa própria felicidade. O amor produtivo é o fator capaz de suplantar os sofrimentos, gerando felicidade. Daí, o porquê da assertiva de Jesus: “Faça ao outro tudo o que gostaria que o outro lhe fizesse”. Quando nos envolvemos com o Bem, fazemos florescer em nosso íntimo uma sensação de paz , por estarmos em harmonia com a vida cósmica.
A felicidade não é uma utopia, é uma opção. A Doutrina Espírita ao apresentar angulações otimistas sobre a vida, assevera que o homem é o ser co-criador de seu próprio destino, através das escolhas que realiza em seu cotidiano. Somos, não o culpado, mas o responsável por nossa felicidade ou desdita. É uma nova visão da realidade.
Do livro: Filosofia da Convivência, de Jerri Almeida. Editora AGE, Porto Alegre, 2a. ed. 2006.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
GRANDE EVENTO!
Um grande evento será realizado na S. B. E. Bezera de Menezes, localizado na rua Nova York, 686, Porto Alegre.
Serão dois dias de atividades com palestras de JORGE DAMAS (autor dos livros: O 13º Apóstolo e Um amor, muitas vidas) e JERRI ALMEIDA (autor de Desafio da Felicidade e Familia: Frente e Verso.
Haverá ainda uma grande Feira de livros espíritas.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
UMA VIDA COM SIGNIFICADO!
Muitas pessoas argumentam que suas infelicidades derivam de seus problemas. Desafios, sempre os teremos! Eles marcam o nosso processo de aprendizagem enquanto estímulos que são para o desabrochar de nossa criatividade. O cotidiano é uma busca por superar problemas dos mais variados: passar no vestibular, conquistar um emprego, superar um trauma, um fracasso, uma perda, uma queda nos negócios.
Os problemas, no sentido geral, são os estímulos pelos quais exercitamos e desenvolvemos nossas potencialidades criativas. A humanidade cresceu e se aprimorou tecnicamente através dos problemas que se apresentavam e, portanto, exigiam solução. Problemas solucionados desencadeiam um sentido íntimo de auto-realização. Todavia, nem todos os problemas são passíveis de serem resolvidos rapidamente. Às vezes, certos desafios exigirão o concurso do tempo, para o qual, a esperança, a determinação e, muitas vezes a resignação, devem estar presentes.
A incompletude humana se caracteriza, entre outras coisas, pelo “solo árido dos sentimentos” que se mantém indiferente aos apelos da “semente do bem”. Não se trata de uma mera frase de impacto, mas de empreendermos um sentido real e profundo para a vida. Mesmo os vegetais que ficam presos ao solo, buscam, instintivamente, encontrar o alimento no local onde estão – procurando a água e a luz – para se manterem ativos. A vida apresenta, constantemente, condições novas que desafiam os seres vivos e, ao homem, em particular, a agregar novas experiências que concorrem para o desabrochar de uma consciência mais plena.
Todavia, quanto maior for a imaturidade psicológica e espiritual do indivíduo, maiores serão os seus conflitos. Isso devido ao seu limitado discernimento sobre o que seja realmente a felicidade. Nesse sentido, os estímulos do conhecimento e do sofrimento incidem sobre nós e, no conjunto de nossas vivências, nos pré-dispõem ao aprendizado ou ao amadurecimento das nossas estruturas mentais de pensamento e reflexão. Isso também gera estímulos na área dos sentimentos e das emoções, visando irrigá-los com o bálsamo do enternecimento e dos valores nobres.
A proposta daquilo que chamamos de “evolução espiritual” é exatamente o desenvolvimento de um ser consciente e atuante no bem. Essa é a condição de um indivíduo que está além do seu ego, isto é, da sua identidade psicológica atual, o “eu transitório ou superficial”. A psicologia espírita, analisando o homem sob o prisma de um ser profundo, preexistente ao berço e sobrevivente ao túmulo, enfatiza, por isso mesmo, que a felicidade se desenvolve naqueles que buscam vencer seus medos, complexos de inferioridade e culpa, individualismos, orgulhos e egoísmos, desenvolvendo a confiança em si mesmos e na vida.
A postura humana, diante dos seus desafios pessoais, pode sugerir a adoção de atitudes mentais de desesperação e desânimo ou poderá estimular um sabor especial sobre a arte de viver, reinventando-se a vida diária. Costumamos ver o mundo (interno e externo) a partir das “lentes” ou dos valores que cultivamos. Mudar os valores é, portanto, mudar a forma de se relacionar com a vida cotidiana.
Algumas pessoas buscam justificar sua falta de prazer pela vida, utilizando o argumento que: “o mundo está péssimo”. Outras, todavia, nem mesmo sabem o porquê de nutrirem tal sentimento, simplesmente sentem um desgosto em viver. Consideramos, à luz do espiritismo, que o prazer de viver está, necessariamente, vinculado a um “sentido para a vida”. Uma vida com significado é uma vida prazerosa, mesmo nos momentos difíceis.
Mesmo nos momentos cinzentos e nebulosos, nas angústias, onde enfrentamos o mar tempestuoso dos problemas, necessitamos pensar e repensar a vida, para que ela tenha o sabor do bem, do amor e das construções sólidas. A vida não está aí para ser meramente “suportada”, mas, sobretudo para ser elaborada, educada, ousada. É necessário “aventurar-se”, no bom sentido da palavra, na direção dessa vida com significado mais profundo, “transgredindo-se a ordem do superficial”.
Viver a vida como um verdadeiro ideal de doação no amor, é atribuí-la um sentido profundo e realizador. Essa lógica vem sendo, consciente ou inconscientemente, mascarada pelo ser humano, que busca subterfúgios ou maneiras mais fáceis e rápidas de encontrar prazer na existência. Mergulhados na impermanência, buscamos na ilusão do prazer imediato hedonista, a satisfação de nossas aspirações mais profundas. Mas tal ilusão desconstrói o sentido da vida, fazendo com que o indivíduo se apegue e se vicie na sensação periférica.
Pessoas que passam, mesmo na adversidade, a dar um significado para suas vidas, associados ao bem, vivem a vida com mais prazer e plenitude interior. Falamos aqui do prazer da alma, diferente daquele prazer periférico e inconstante que as coisas materiais nos oferecem. Nos referimos, portanto, ao prazer que dá uma alegria mais verdadeira, capaz de gerar saúde, felicidade e que não perece ao sabor da impermanência material.
Do Livro: O Desafio da Felicidade - Em um mundo em Transformação. Editora Francisco Spinelli, Porto Alegre, 2007. Autor: Jerri Almeida
Os problemas, no sentido geral, são os estímulos pelos quais exercitamos e desenvolvemos nossas potencialidades criativas. A humanidade cresceu e se aprimorou tecnicamente através dos problemas que se apresentavam e, portanto, exigiam solução. Problemas solucionados desencadeiam um sentido íntimo de auto-realização. Todavia, nem todos os problemas são passíveis de serem resolvidos rapidamente. Às vezes, certos desafios exigirão o concurso do tempo, para o qual, a esperança, a determinação e, muitas vezes a resignação, devem estar presentes.
A incompletude humana se caracteriza, entre outras coisas, pelo “solo árido dos sentimentos” que se mantém indiferente aos apelos da “semente do bem”. Não se trata de uma mera frase de impacto, mas de empreendermos um sentido real e profundo para a vida. Mesmo os vegetais que ficam presos ao solo, buscam, instintivamente, encontrar o alimento no local onde estão – procurando a água e a luz – para se manterem ativos. A vida apresenta, constantemente, condições novas que desafiam os seres vivos e, ao homem, em particular, a agregar novas experiências que concorrem para o desabrochar de uma consciência mais plena.
Todavia, quanto maior for a imaturidade psicológica e espiritual do indivíduo, maiores serão os seus conflitos. Isso devido ao seu limitado discernimento sobre o que seja realmente a felicidade. Nesse sentido, os estímulos do conhecimento e do sofrimento incidem sobre nós e, no conjunto de nossas vivências, nos pré-dispõem ao aprendizado ou ao amadurecimento das nossas estruturas mentais de pensamento e reflexão. Isso também gera estímulos na área dos sentimentos e das emoções, visando irrigá-los com o bálsamo do enternecimento e dos valores nobres.
A proposta daquilo que chamamos de “evolução espiritual” é exatamente o desenvolvimento de um ser consciente e atuante no bem. Essa é a condição de um indivíduo que está além do seu ego, isto é, da sua identidade psicológica atual, o “eu transitório ou superficial”. A psicologia espírita, analisando o homem sob o prisma de um ser profundo, preexistente ao berço e sobrevivente ao túmulo, enfatiza, por isso mesmo, que a felicidade se desenvolve naqueles que buscam vencer seus medos, complexos de inferioridade e culpa, individualismos, orgulhos e egoísmos, desenvolvendo a confiança em si mesmos e na vida.
A postura humana, diante dos seus desafios pessoais, pode sugerir a adoção de atitudes mentais de desesperação e desânimo ou poderá estimular um sabor especial sobre a arte de viver, reinventando-se a vida diária. Costumamos ver o mundo (interno e externo) a partir das “lentes” ou dos valores que cultivamos. Mudar os valores é, portanto, mudar a forma de se relacionar com a vida cotidiana.
Algumas pessoas buscam justificar sua falta de prazer pela vida, utilizando o argumento que: “o mundo está péssimo”. Outras, todavia, nem mesmo sabem o porquê de nutrirem tal sentimento, simplesmente sentem um desgosto em viver. Consideramos, à luz do espiritismo, que o prazer de viver está, necessariamente, vinculado a um “sentido para a vida”. Uma vida com significado é uma vida prazerosa, mesmo nos momentos difíceis.
Mesmo nos momentos cinzentos e nebulosos, nas angústias, onde enfrentamos o mar tempestuoso dos problemas, necessitamos pensar e repensar a vida, para que ela tenha o sabor do bem, do amor e das construções sólidas. A vida não está aí para ser meramente “suportada”, mas, sobretudo para ser elaborada, educada, ousada. É necessário “aventurar-se”, no bom sentido da palavra, na direção dessa vida com significado mais profundo, “transgredindo-se a ordem do superficial”.
Viver a vida como um verdadeiro ideal de doação no amor, é atribuí-la um sentido profundo e realizador. Essa lógica vem sendo, consciente ou inconscientemente, mascarada pelo ser humano, que busca subterfúgios ou maneiras mais fáceis e rápidas de encontrar prazer na existência. Mergulhados na impermanência, buscamos na ilusão do prazer imediato hedonista, a satisfação de nossas aspirações mais profundas. Mas tal ilusão desconstrói o sentido da vida, fazendo com que o indivíduo se apegue e se vicie na sensação periférica.
Pessoas que passam, mesmo na adversidade, a dar um significado para suas vidas, associados ao bem, vivem a vida com mais prazer e plenitude interior. Falamos aqui do prazer da alma, diferente daquele prazer periférico e inconstante que as coisas materiais nos oferecem. Nos referimos, portanto, ao prazer que dá uma alegria mais verdadeira, capaz de gerar saúde, felicidade e que não perece ao sabor da impermanência material.
Do Livro: O Desafio da Felicidade - Em um mundo em Transformação. Editora Francisco Spinelli, Porto Alegre, 2007. Autor: Jerri Almeida
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
ABRIR UM LIVRO, É...
Vaso revelador retendo o excelso aroma,
Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito,
O Livro é o coração do tempo no infinito,
Em que a ideia imortal se renova e retoma.
Olavo Bilac
Um dos grandes desafios enfrentado pelo nosso país são os chamados “analfabetos funcionais”. Quem seriam? Há quem diga que são milhares e, pior, estão em todos os lugares, em todas as classes sociais, nas universidades, nas escolas de educação básica, na via pública, em nossas casas. Esse é um tipo peculiar de analfabeto... é o analfabeto que sabe ler, escrever e somar, entretanto, quando se trata de “interpretar o que leu” e “escrever com propriedade, expressando com autonomia seu pensamento”, a situação se complica.
Mas, aprender a ler e a escrever não basta? Não. Na dinâmica do mundo pós-moderno a complexidade das relações humanas, cada vez mais, impõe a necessidade do indivíduo situar-se mais plenamente no mundo, desenvolvendo e aprimorando suas capacidades intelectivas que podem ser expressas na tríade: informação-reflexão-expressão. Isso fornece ao indivíduo autonomia de pensamento e de comunicação com o próprio mundo. O analfabeto funcional é uma pessoa limitada em sua capacidade de interpretar a vida. Não que isso seja um “determinismo biológico”, ou coisa parecida, mas representa um potencial que todos possuímos e necessitamos aperfeiçoar.
Vamos, então, direto ao assunto dessa crônica: a importância da leitura. “Conhecereis a verdade e ela vos libertará”, a frase é antiga mas expressa bem o poder do conhecimento: a libertação. A leitura nos permite transformarmo-nos num pássaro, cuja suavidade rompe os grilhões que o prendiam ao solo, para voar na direção dos altiplanos, em profunda sensação de liberdade. Aonde vai o nosso pensamento, vamos nós... Que maravilha o prazer da leitura! A leitura que nos dá informação e nos estimula a reflexão. Mas não é só isso. O hábito da leitura nos vai motivando e aperfeiçoando a escrita.
Quando criança, chamava-me atenção, ao entrar na biblioteca da escola, um cartaz vivamente exposto na parede, onde via-se uma janela aberta e a frase em destaque: “o livro é uma janela para o mundo”. Nunca esqueci dessa frase. Talvez, também, porque o hábito da leitura nos tenha sido passado desde pequeno, através das históricas lidas por minha mãe, estimulando minha imaginação, reflexão e instigando minha curiosidade.
Quantas coisas temos a aprender? Como vasto ou infinito é, graças a Deus, o conhecimento... Abrir um livro, é gozar de um prazer transcendente e inesperado, a cada virar de página. Abrir um livro, é sentir o pulsar da vida adentrando no nosso ser, e dilatando os nossos horizontes. Abrir um livro, é perceber que o mundo tem jeito. Abrir um livro, é nos defrontarmos com nossa própria ignorância e, nesse confronto, vencê-la, um pouco mais, a cada nova página lida. Abrir um livro, é descobrirmos o nosso valor como humanidade, descobrindo o “outro” com suas virtudes e limitações. Abrir um livro, é ter um êxtase, é sentir uma sensação indescritível, própria dos amantes. Enfim, abrir um livro é a forma mais barata de viajar pelo mundo, pelas diversas culturas e saberes, com a vantagem de que podemos voltar no tempo ou atingirmos o futuro.
O livro é o amigo silencioso e incondicional. A leitura – e por extensão o livro como gênero de primeira necessidade – é a via segura para a superação: do analfabetismo funcional, da melancolia, das drogas, da violência, do desamor, da ignorância... Amigo leitor, qual é mesmo o livro que você está lendo?
25ª Feira do Livro de Osório
29/11 a 05/12/10
Largo dos Estudantes Sônia Chemale
9º Encontro dos Escritores do Litoral Norte
6ª Festa da Leitura
3º concurso Catavento Literário
Realização: Secretaria Municipal da Cultura
Prefeitur de Osório
Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito,
O Livro é o coração do tempo no infinito,
Em que a ideia imortal se renova e retoma.
Olavo Bilac
Um dos grandes desafios enfrentado pelo nosso país são os chamados “analfabetos funcionais”. Quem seriam? Há quem diga que são milhares e, pior, estão em todos os lugares, em todas as classes sociais, nas universidades, nas escolas de educação básica, na via pública, em nossas casas. Esse é um tipo peculiar de analfabeto... é o analfabeto que sabe ler, escrever e somar, entretanto, quando se trata de “interpretar o que leu” e “escrever com propriedade, expressando com autonomia seu pensamento”, a situação se complica.
Mas, aprender a ler e a escrever não basta? Não. Na dinâmica do mundo pós-moderno a complexidade das relações humanas, cada vez mais, impõe a necessidade do indivíduo situar-se mais plenamente no mundo, desenvolvendo e aprimorando suas capacidades intelectivas que podem ser expressas na tríade: informação-reflexão-expressão. Isso fornece ao indivíduo autonomia de pensamento e de comunicação com o próprio mundo. O analfabeto funcional é uma pessoa limitada em sua capacidade de interpretar a vida. Não que isso seja um “determinismo biológico”, ou coisa parecida, mas representa um potencial que todos possuímos e necessitamos aperfeiçoar.
Vamos, então, direto ao assunto dessa crônica: a importância da leitura. “Conhecereis a verdade e ela vos libertará”, a frase é antiga mas expressa bem o poder do conhecimento: a libertação. A leitura nos permite transformarmo-nos num pássaro, cuja suavidade rompe os grilhões que o prendiam ao solo, para voar na direção dos altiplanos, em profunda sensação de liberdade. Aonde vai o nosso pensamento, vamos nós... Que maravilha o prazer da leitura! A leitura que nos dá informação e nos estimula a reflexão. Mas não é só isso. O hábito da leitura nos vai motivando e aperfeiçoando a escrita.
Quando criança, chamava-me atenção, ao entrar na biblioteca da escola, um cartaz vivamente exposto na parede, onde via-se uma janela aberta e a frase em destaque: “o livro é uma janela para o mundo”. Nunca esqueci dessa frase. Talvez, também, porque o hábito da leitura nos tenha sido passado desde pequeno, através das históricas lidas por minha mãe, estimulando minha imaginação, reflexão e instigando minha curiosidade.
Quantas coisas temos a aprender? Como vasto ou infinito é, graças a Deus, o conhecimento... Abrir um livro, é gozar de um prazer transcendente e inesperado, a cada virar de página. Abrir um livro, é sentir o pulsar da vida adentrando no nosso ser, e dilatando os nossos horizontes. Abrir um livro, é perceber que o mundo tem jeito. Abrir um livro, é nos defrontarmos com nossa própria ignorância e, nesse confronto, vencê-la, um pouco mais, a cada nova página lida. Abrir um livro, é descobrirmos o nosso valor como humanidade, descobrindo o “outro” com suas virtudes e limitações. Abrir um livro, é ter um êxtase, é sentir uma sensação indescritível, própria dos amantes. Enfim, abrir um livro é a forma mais barata de viajar pelo mundo, pelas diversas culturas e saberes, com a vantagem de que podemos voltar no tempo ou atingirmos o futuro.
O livro é o amigo silencioso e incondicional. A leitura – e por extensão o livro como gênero de primeira necessidade – é a via segura para a superação: do analfabetismo funcional, da melancolia, das drogas, da violência, do desamor, da ignorância... Amigo leitor, qual é mesmo o livro que você está lendo?
25ª Feira do Livro de Osório
29/11 a 05/12/10
Largo dos Estudantes Sônia Chemale
9º Encontro dos Escritores do Litoral Norte
6ª Festa da Leitura
3º concurso Catavento Literário
Realização: Secretaria Municipal da Cultura
Prefeitur de Osório
domingo, 21 de novembro de 2010
NO MUNDO DA LEITURA
Em 2006, a Câmara Rio-Grandense do Livro encomendou uma pesquisa ao Ibope sobre os hábitos de leitura dos gaúchos. Realizadas 1.008 entrevistas, em 60 municípios, obteve-se as seguintes informações: a leitura ocupa o quarto lugar na vida dos gaúchos quando estão com seu tempo livre. Primeiramente, vem o hábito de assistir televisão, logo após, vem ouvir música ou rádio e, em terceiro lugar, praticar atividades esportivas.
No Rio Grande do Sul, lê-se, em média, 5,5 livros por ano. Esse número é significativamente superior ao da média brasileira: 1,8 livros anuais. Outros dados interessantes: a maioria da população pesquisada afirmou que lê por “prazer”, enquanto uma minoria (12%) atribuiu ao ato de ler, uma decorrência da exigência escolar ou acadêmica. No que se refere à temática preferida dos gaúchos, a pesquisa aponta que os temas religiosos aparecem em primeiro lugar, seguidos dos romances, literatura infantil, poesia...
A pesquisa também indagou os entrevistados a respeito do ato de ler: 33% consideraram que “a leitura é uma forma de conhecimento para a vida”; para 15% deles, a leitura é uma atividade muito prazerosa, enquanto que, para 2%, é algo entediante. Dos entrevistados, apenas 1% vê o ato de ler como uma prática obrigatória.
Podemos e devemos retirar desses dados algumas reflexões: sabemos que o prazer pela leitura é um hábito que, como tantos outros, pode ser construído e estimulado desde a primeira infância. Naturalmente que, nessa fase, a criança ainda não saberá ler, todavia, começará aí, o seu contato visual e tátil com os livros, onde os desenhos se apresentam de forma atrativa, multicoloridos. O ato de contar histórias para a criança é indispensável, pois estimula sua imaginação e suas fantasias. A partir daí, e ao longo de seu desenvolvimento, a criança que estiver em permanente contato com os livros, tenderá a estabelecer com eles uma relação de proximidade afetiva, de intimidade com as letras que lhe ampliarão o potencial criativo. Estará se formando, assim, o verdadeiro leitor, aquele que encontra, em cada nova página, o prazer das descobertas.
A leitura permite ao ser humano um avançar de suas fronteiras, ampliando os seus horizontes culturais. Num mundo cada vez mais complexo, o livro continua sendo aquele amigo silencioso que orienta e instrui, mas também que problematiza o presente e desafia o leitor a novos olhares.
A Feira do Livro não é um local onde simplesmente se comercializa livros! A Feira é um espaço privilegiado, onde esses múltiplos olhares se encontram. É como admiravelmente sintetizou uma propaganda: “Se você for amigo do Quintana, ele lhe ensina um poema. Se você pegar o Einstein pela mão, ele lhe explica o universo. Se você conversar com Shakespeare, você vai se sentir romântico como Romeu ou Julieta ou trágico como Hamlet.”
A Feira do Livro de Osório será de 29 de novembro a 05 de dezembro no Largo dos Estudantes. Programe-se e ótima leitura!
terça-feira, 16 de novembro de 2010
PONTOS ESSENCIAIS AOS CÔNJUGES (II)
Aceitar a importância do problema
sexual de um para o outro.
A sexualidade faz parte desses “vasos comunicantes”, capaz de mediar o crescimento do casal. A função sexual traduz uma troca não somente de carícias, de satisfação dos desejos, mas uma verdadeira simbiose energética, potencializando o relacionamento, quando com dignidade. Muitos casais parecem ter negligenciado a dimensão positiva da sexualidade no conjunto da vida conjugal. Nessa dimensão, ocorre a possibilidade singular de comunicação entre duas individualidades que, reciprocamente, buscam uma unidade.
O sexo no casamento é um revitalizar do afeto, e não somente a expressão fisiológica das estruturas hormonais. É uma permuta de vibrações psíquicas altamente positivas para a integração dos cônjuges. André Luiz, em seu livro: Sexo e Destino, informa que a união sexual produz uma permuta de energias perispirituais que estimulam a realização entre as almas. Muitas vezes distorcido pelos valores da cultura pós-moderna, definindo o sexo com um produto para o prazer fugaz e para a ruptura com a solidão, o problema da sexualidade está diretamente vinculado a inúmeros conflitos que irrompem no casamento.
A adaptação sexual entre o casal e a manutenção da sexualidade, regada pelo carinho e entendimento, é um fator importante para o equilíbrio do relacionamento. Muitos casais viram “pai” e “mãe” e esquecem do papel conjugal. Quando as primeiras dificuldades emocionais aparecem, o distanciamento sexual surge, veladamente ou não, como um fator conflitivo.
Entender que o amor inclui o respeito,
a cortesia, a afabilidade e a discrição.
Muitos casais possuem o terrível hábito de menosprezarem o cônjuge quando estão entre amigos. Falam de seus defeitos e limitações, muitas vezes relacionados com a própria vida íntima do casal. Na raiz desses comportamentos, normalmente, está um bloqueio na comunicação e temperamentos dificultosos. Um tenta rebaixar o outro para ganhar visibilidade, importância ou se vitimizar, consciente ou inconscientemente.
Quem se considera vítima não consegue se comunicar com seu suposto algoz. Há casais que somente conseguem manter um nível de conversa quando estão no meio de amigos. A terapeuta Eleonora Canalis ressalta que mais de 70% dos problemas conjugais, mesmo com poucos meses de casamento, estão relacionados com a família de origem. Mesmo que possivelmente esse seja um dado exagerado, carregamos conosco as limitações derivadas, não somente das falhas/acertos de nosso histórico familiar, mas também de nossa ancestralidade espiritual.
O temperamento de hoje é fruto da estrutura psíquica do próprio espírito, ao longo de suas vivências, no tempo e no espaço, no corpo ou na vida espiritual. Bloqueios e vícios que afastam as criaturas do respeito com o outro, da afabilidade, da cortesia, da discrição, entre outros, necessitam de revisão atenta e honesto reconhecimento, como primeiro passo para sua superação.
sexual de um para o outro.
A sexualidade faz parte desses “vasos comunicantes”, capaz de mediar o crescimento do casal. A função sexual traduz uma troca não somente de carícias, de satisfação dos desejos, mas uma verdadeira simbiose energética, potencializando o relacionamento, quando com dignidade. Muitos casais parecem ter negligenciado a dimensão positiva da sexualidade no conjunto da vida conjugal. Nessa dimensão, ocorre a possibilidade singular de comunicação entre duas individualidades que, reciprocamente, buscam uma unidade.
O sexo no casamento é um revitalizar do afeto, e não somente a expressão fisiológica das estruturas hormonais. É uma permuta de vibrações psíquicas altamente positivas para a integração dos cônjuges. André Luiz, em seu livro: Sexo e Destino, informa que a união sexual produz uma permuta de energias perispirituais que estimulam a realização entre as almas. Muitas vezes distorcido pelos valores da cultura pós-moderna, definindo o sexo com um produto para o prazer fugaz e para a ruptura com a solidão, o problema da sexualidade está diretamente vinculado a inúmeros conflitos que irrompem no casamento.
A adaptação sexual entre o casal e a manutenção da sexualidade, regada pelo carinho e entendimento, é um fator importante para o equilíbrio do relacionamento. Muitos casais viram “pai” e “mãe” e esquecem do papel conjugal. Quando as primeiras dificuldades emocionais aparecem, o distanciamento sexual surge, veladamente ou não, como um fator conflitivo.
Entender que o amor inclui o respeito,
a cortesia, a afabilidade e a discrição.
Muitos casais possuem o terrível hábito de menosprezarem o cônjuge quando estão entre amigos. Falam de seus defeitos e limitações, muitas vezes relacionados com a própria vida íntima do casal. Na raiz desses comportamentos, normalmente, está um bloqueio na comunicação e temperamentos dificultosos. Um tenta rebaixar o outro para ganhar visibilidade, importância ou se vitimizar, consciente ou inconscientemente.
Quem se considera vítima não consegue se comunicar com seu suposto algoz. Há casais que somente conseguem manter um nível de conversa quando estão no meio de amigos. A terapeuta Eleonora Canalis ressalta que mais de 70% dos problemas conjugais, mesmo com poucos meses de casamento, estão relacionados com a família de origem. Mesmo que possivelmente esse seja um dado exagerado, carregamos conosco as limitações derivadas, não somente das falhas/acertos de nosso histórico familiar, mas também de nossa ancestralidade espiritual.
O temperamento de hoje é fruto da estrutura psíquica do próprio espírito, ao longo de suas vivências, no tempo e no espaço, no corpo ou na vida espiritual. Bloqueios e vícios que afastam as criaturas do respeito com o outro, da afabilidade, da cortesia, da discrição, entre outros, necessitam de revisão atenta e honesto reconhecimento, como primeiro passo para sua superação.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
PONTOS IMPORTANTES NA CONJUGALIDADE
No ano de 1964, André Luiz ditou uma série de interessantes apontamentos sobre a vida conjugal, o que denominou de “Pontos essenciais para os cônjuges”. É bom lembrar que esse ano de 64 fez parte de um contexto histórico contestatório, tanto na América como na Europa. Os “anos rebeldes” buscavam desconstruir o conservadorismo das instituições, inclusive, da família. Nesse momento, André Luiz, médico e estudioso do comportamento humano, apresenta algumas ideias que buscam “dissipar as névoas da ilusão”, para que a “alma se renove e caminhe adiante”. Não se trata, obviamente, de “fórmulas prontas”, mas de considerações de alto valor psicológico para a vida conjugal. Por isso, resolvemos citá-los em destaque, buscando refletir sobre a atualidade de seu conteúdo.
Reconhecer que o outro é um espírito por si,
com ideais e tendências diversas.
Cada indivíduo é um ser singular. A própria palavra “indivíduo” significa: aquele que não pode ser dividido. Muitos cônjuges olham para o outro como se ele fosse uma extensão dos seus desejos. Desconsideram ou ignoram que o outro é um ser que possui uma ancestralidade, um histórico espiritual de vivências, de conquistas e de limites e, portanto, com “ideias e tendências” que hoje fazem parte dessa realidade profunda. O casamento deve compatibilizar as dimensões do “eu” e do “nós”, ou seja, amar não significar anular a subjetividade do outro.
O fator da transmissão familiar de costumes, valores e tradições, chamado em psicologia de transgeracional, pode ser considerado um importante elemento na estruturação da personalidade do espírito reencarnado, no sentido de formar sua visão de mundo e sua cultura atual. Portanto, na singularidade de cada sujeito, estão fatores espirituais e culturais conquistados no passado e no presente. Cada pessoa é um universo particular, com suas potencialidades e com seus limites.
Na próxima postagem estaremos destacando outros aspectos, conforme consta em nosso livro: FAMÍLIA Frente & Verso - Um olhar a quatro mãos sobre as relações. Porto Alegre: Ed. Francisco Spinelli, 2009.
Reconhecer que o outro é um espírito por si,
com ideais e tendências diversas.
Cada indivíduo é um ser singular. A própria palavra “indivíduo” significa: aquele que não pode ser dividido. Muitos cônjuges olham para o outro como se ele fosse uma extensão dos seus desejos. Desconsideram ou ignoram que o outro é um ser que possui uma ancestralidade, um histórico espiritual de vivências, de conquistas e de limites e, portanto, com “ideias e tendências” que hoje fazem parte dessa realidade profunda. O casamento deve compatibilizar as dimensões do “eu” e do “nós”, ou seja, amar não significar anular a subjetividade do outro.
O fator da transmissão familiar de costumes, valores e tradições, chamado em psicologia de transgeracional, pode ser considerado um importante elemento na estruturação da personalidade do espírito reencarnado, no sentido de formar sua visão de mundo e sua cultura atual. Portanto, na singularidade de cada sujeito, estão fatores espirituais e culturais conquistados no passado e no presente. Cada pessoa é um universo particular, com suas potencialidades e com seus limites.
Na próxima postagem estaremos destacando outros aspectos, conforme consta em nosso livro: FAMÍLIA Frente & Verso - Um olhar a quatro mãos sobre as relações. Porto Alegre: Ed. Francisco Spinelli, 2009.
domingo, 7 de novembro de 2010
UM PROFESSOR DE VIDA
O universo dos desafios humanos, muitas vezes, parece ilimitado. Histórias de vida, lições que expressam as experiências de quem enfrentou o que ninguém desejaria passar, e soube fazê-lo com proveito, não somente para si, mas com projeção para a humanidade. É o caso do professor Morrie Schwartz, cuja história foi contada por um de seus ex-alunos, Mitch Albom, em seu livro: A última Grande Lição.[i]
Morrie, conforme Solman[ii], filho de imigrantes judeus-russos, nasceu na cidade de Chicago, nos EUA, e foi criado em um gueto em Nova York. Sua mãe falecera quando ele ainda contava 8 anos de idade, causando-lhe um profundo impacto emocional, ficando sob os cuidados de sua amorosa madrasta. Estudou em um colégio público e acabou fazendo sociologia na Universidade de Chicago. Passou, paralelamente, a trabalhar em um hospital psiquiátrico, observando o relacionamento dos funcionários com os doentes atormentados.
De seus estudos resultou, em parceria com um colega, o livro O Hospital Psiquiátrico, obra clássica da Psicologia Social. Morrie era casado e teve dois filhos. Em 1994, tomou conhecimento que era portador de uma doença, conhecida pela sigla ELA, que destrói a capacidade dos nervos de mandar sinais aos músculos. Com isso, os músculos param de funcionar e atrofiam. No caso de Morrie, esse processo degenerativo iniciou pelas pernas.
Quantos questionamentos lhe passaram pela mente! Morrie conta que assumiu a firme resolução de reunir suas forcas para enfrentar o problema, esforçando-se ao máximo, para viver com serenidade. Na medida em que a doença avançava, suas funções orgânicas iam ficando cada vez mais obstaculizadas. Mas, apesar disso, ele continuava sendo um homem cheio de vida. Em 1995, sendo entrevistado por um programa de televisão, aproveitava para falar sobre a importância da vida, na verdade, de aprendermos a viver bem. Sua mensagem era carregada de estímulo, sabedoria e jovialidade, não se permitindo desanimar diante dos testemunhos da jornada.
Conforme anotou Solman: “Quando chegou aos 70 anos, Morrie embarcou na última etapa do caminho.” Passou a meditar, distanciando-se de si mesmo, ampliando o seu universo interior. Ensinava que era preciso estar aberto para a experiência da felicidade, em qualquer situação que estivermos enfrentando, desde as mais triviais, até as mais importantes.
[i] ALBOM, Mitch. A Última Grande Lição. O Sentido da Vida.22ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 1998.
[ii] SCHWARTZ, Morrie. Lições sobre Amar e Viver. 2ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
Do Livro: O DESAFIO DA FELICIDADE - Em um mundo em transformação - Jerri Almeida
Morrie, conforme Solman[ii], filho de imigrantes judeus-russos, nasceu na cidade de Chicago, nos EUA, e foi criado em um gueto em Nova York. Sua mãe falecera quando ele ainda contava 8 anos de idade, causando-lhe um profundo impacto emocional, ficando sob os cuidados de sua amorosa madrasta. Estudou em um colégio público e acabou fazendo sociologia na Universidade de Chicago. Passou, paralelamente, a trabalhar em um hospital psiquiátrico, observando o relacionamento dos funcionários com os doentes atormentados.
De seus estudos resultou, em parceria com um colega, o livro O Hospital Psiquiátrico, obra clássica da Psicologia Social. Morrie era casado e teve dois filhos. Em 1994, tomou conhecimento que era portador de uma doença, conhecida pela sigla ELA, que destrói a capacidade dos nervos de mandar sinais aos músculos. Com isso, os músculos param de funcionar e atrofiam. No caso de Morrie, esse processo degenerativo iniciou pelas pernas.
Quantos questionamentos lhe passaram pela mente! Morrie conta que assumiu a firme resolução de reunir suas forcas para enfrentar o problema, esforçando-se ao máximo, para viver com serenidade. Na medida em que a doença avançava, suas funções orgânicas iam ficando cada vez mais obstaculizadas. Mas, apesar disso, ele continuava sendo um homem cheio de vida. Em 1995, sendo entrevistado por um programa de televisão, aproveitava para falar sobre a importância da vida, na verdade, de aprendermos a viver bem. Sua mensagem era carregada de estímulo, sabedoria e jovialidade, não se permitindo desanimar diante dos testemunhos da jornada.
Conforme anotou Solman: “Quando chegou aos 70 anos, Morrie embarcou na última etapa do caminho.” Passou a meditar, distanciando-se de si mesmo, ampliando o seu universo interior. Ensinava que era preciso estar aberto para a experiência da felicidade, em qualquer situação que estivermos enfrentando, desde as mais triviais, até as mais importantes.
[i] ALBOM, Mitch. A Última Grande Lição. O Sentido da Vida.22ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 1998.
[ii] SCHWARTZ, Morrie. Lições sobre Amar e Viver. 2ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
Do Livro: O DESAFIO DA FELICIDADE - Em um mundo em transformação - Jerri Almeida
domingo, 24 de outubro de 2010
CAFÉ FILOSÓFICO
Os filósofos antigos, que construíram o pensamento de nossa civilização Ocidental, perambulam pelas estantes, as vezes de madeira, de sebos e bibliotecas (as vezes de livrarias) na angustiante e inóspita tarefa de expressarem suas vozes de papel. A inquietude dos filósofos não os permite desanimar, mesmo que a situação atual, em qualquer lugar, apele para a cultura da imagem, apelativa e sedutora.
Assim sendo, Platão ou Aristóteles, Descartes ou Hegel, jamais imaginaram que os grandes desafios do pensamento humano, enfrentado por eles, seria o de – simplesmente – se fazerem lidos, cobiçados. Não! Certamente jamais imaginaram que um dia a juventude ou os curiosos do saber, pudessem esquecê-los, despreza-los nas poeiras arrogantes de qualquer estante.
Talvez Platão, no Mundo das Ideias, perceba melhor que as sombras do Mundo Sensível se devem, sobretudo, a indiferença infame – do mundo massificado e utilitarista contemporâneo – com a cultura que desafia o pensamento a voar além dos horizontes acanhados do homem cotidiano. Os filósofos antigos, reunidos em um café qualquer, tradicional de Paris, poderiam concluir, pelo menos os mais pessimistas, que esse mundo tecnológico e digitalizado do século XXI foi tomado de uma irreversível apatia intelectual.
O que pensaria Aristóteles disso tudo, uma vez ter afirmado – em seu livro Ética a Nicômaco – que “os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem.” ? Ora, os discurso apologéticos do presente, muito longe de estimular os bons hábitos, corroboram para que a própria fragilidade cultural dos cidadãos se multipliquem, aprisionando-os – cada vez mais – na caverna da inoperância intelectual.
Mas talvez possamos, entre um café filosófico e outro, imaginar que nem tudo está perdido, afinal, o homem – historicamente – tem se mostrado um ser capaz de superar-se, de enfrentar sua própria ignorância ou, pelo menos, de reconhece-la. Quem sabe, Nietzsche nos ajude a pensar sobre isso, quando escreveu: “Conheço muito bem as qualidades que devo ter para que alguém me compreenda...”, além da integridade de espírito, metaforicamente, assevera que é preciso “estar acostumado a viver nas montanhas”. Apesar disso, creio que o próprio Nietzsche, em seus escritos, tenha permanecido mais na base do no cume de sua montanha imaginária.
Montanhas, cavernas, ilusão, realidade, ignorância e sabedoria. Os filósofos são assim mesmo, talvez estranhos ou esquisitos para muitas pessoas. Mesmo assim, foram eles que construíram a nossa forma de pensar e talvez por isso, também sejam – isolados em suas estantes – um pouco responsáveis pela indiferença humana.
Os filósofos antigos, na vitalidade de suas páginas, oferecem o convite à filosofia, a pensar e repensar as questões contemporâneas, num constante desafio de subir à montanha e, de lá, visualizar o universo das interrogações e dos caminhos possíveis, que melhor se ajustam as inquietações de cada um. Eles abriram, em seus escritos, páginas sob as mais diversas perspectivas. Mas isso tudo não significa de devamos concordar sempre com eles, que não tenhamos ideias próprias sobre a vida e as questões que nos cercam.
As vozes de papel funcionam para nós como guias, uma vez que a verdade ainda não foi conquistada por inteiro, ela está aberta à todos. Mas não se pense que as vozes de papel são vozes mudas. São vozes perseverantes que nunca se calam! Estão sempre lá, dispostas a nos dizer algo, por isso são universais, por isso são eternas. Busca-las é aceitar o desafio intelectual de romper com os grilhões e os limites de pensamento.
Assim sendo, Platão ou Aristóteles, Descartes ou Hegel, jamais imaginaram que os grandes desafios do pensamento humano, enfrentado por eles, seria o de – simplesmente – se fazerem lidos, cobiçados. Não! Certamente jamais imaginaram que um dia a juventude ou os curiosos do saber, pudessem esquecê-los, despreza-los nas poeiras arrogantes de qualquer estante.
Talvez Platão, no Mundo das Ideias, perceba melhor que as sombras do Mundo Sensível se devem, sobretudo, a indiferença infame – do mundo massificado e utilitarista contemporâneo – com a cultura que desafia o pensamento a voar além dos horizontes acanhados do homem cotidiano. Os filósofos antigos, reunidos em um café qualquer, tradicional de Paris, poderiam concluir, pelo menos os mais pessimistas, que esse mundo tecnológico e digitalizado do século XXI foi tomado de uma irreversível apatia intelectual.
O que pensaria Aristóteles disso tudo, uma vez ter afirmado – em seu livro Ética a Nicômaco – que “os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem.” ? Ora, os discurso apologéticos do presente, muito longe de estimular os bons hábitos, corroboram para que a própria fragilidade cultural dos cidadãos se multipliquem, aprisionando-os – cada vez mais – na caverna da inoperância intelectual.
Mas talvez possamos, entre um café filosófico e outro, imaginar que nem tudo está perdido, afinal, o homem – historicamente – tem se mostrado um ser capaz de superar-se, de enfrentar sua própria ignorância ou, pelo menos, de reconhece-la. Quem sabe, Nietzsche nos ajude a pensar sobre isso, quando escreveu: “Conheço muito bem as qualidades que devo ter para que alguém me compreenda...”, além da integridade de espírito, metaforicamente, assevera que é preciso “estar acostumado a viver nas montanhas”. Apesar disso, creio que o próprio Nietzsche, em seus escritos, tenha permanecido mais na base do no cume de sua montanha imaginária.
Montanhas, cavernas, ilusão, realidade, ignorância e sabedoria. Os filósofos são assim mesmo, talvez estranhos ou esquisitos para muitas pessoas. Mesmo assim, foram eles que construíram a nossa forma de pensar e talvez por isso, também sejam – isolados em suas estantes – um pouco responsáveis pela indiferença humana.
Os filósofos antigos, na vitalidade de suas páginas, oferecem o convite à filosofia, a pensar e repensar as questões contemporâneas, num constante desafio de subir à montanha e, de lá, visualizar o universo das interrogações e dos caminhos possíveis, que melhor se ajustam as inquietações de cada um. Eles abriram, em seus escritos, páginas sob as mais diversas perspectivas. Mas isso tudo não significa de devamos concordar sempre com eles, que não tenhamos ideias próprias sobre a vida e as questões que nos cercam.
As vozes de papel funcionam para nós como guias, uma vez que a verdade ainda não foi conquistada por inteiro, ela está aberta à todos. Mas não se pense que as vozes de papel são vozes mudas. São vozes perseverantes que nunca se calam! Estão sempre lá, dispostas a nos dizer algo, por isso são universais, por isso são eternas. Busca-las é aceitar o desafio intelectual de romper com os grilhões e os limites de pensamento.
domingo, 17 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
O HOMEM É UM SER GREGÁRIO
Afirmava Rousseau que o “primeiro sentimento do homem foi o da sua existência; o primeiro cuidado, o da sua conservação.” Todavia, a fome e outros apetites fizeram-no, experimentar, alternadamente, diversas maneiras de existir, e houve um desejo instintivo que o convidou a perpetuar a espécie. Tal foi a condição do homem no começo da trajetória evolutiva na Terra.
Vivendo no campo das sensações e dominado pelos instintos - pois para capturar um animal era necessário uma boa dose de agressividade - o homem aproveitava as possibilidades que a natureza lhe oferecia. Cedo, apresentaram-se dificuldades e foi preciso aprender a vencê-las: a altura das árvores que o impedia de alcançar os frutos, os animais que dele buscavam nutrir-se, as forças inóspitas do clima. Tudo o obrigava a exercitar o corpo e o intelecto. Foi necessário fazer-se ágil, rápido na corrida, vigoroso no combate. Ele aprendeu a sobrepujar os obstáculos da natureza, a combater por necessidade os animais, a disputar a subsistência com o próprio semelhante ou se compensar quando era forçado a ceder ao poder do mais forte.
O homem percebeu que andando em bandos havia mais segurança, tanto para proteger-se dos animais ferozes, como também, de outras tribos.
A forma de comunicação – essencial na convivência – operava-se pela gesticulação, expressões faciais e sons, conduzidos profundamente pelos instintos.
Dois acontecimentos iriam, no entanto, revolucionar as relações humanas ainda incipientes: a descoberta e manutenção do fogo e o desenvolvimento da agricultura. Certamente, a capacidade de produzir e manter o fogo, proporcionou a criatura humana, naquele momento, uma aproximação maior em volta da fogueira, quer para se proteger do frio, dos animais ou mesmo cozinhar alimentos. Com essa aproximação, o uso da comunicação oral se aprimorou, tornando-se mais articulada e mais rica de significados.
A descoberta da agricultura, por sua vez, permitiu o surgimento da vida sedentária e o estreitamento das relações familiares e tribais. À medida em que se desenvolveram as idéias, o espírito humano passou a criar relações e laços de convivência mais estáveis. Começaram a surgir culturas peculiares a cada agrupamento humano. Alguns grupos criaram o hábito de reunião em frente das cabanas ou em torno de grandes árvores; os rituais religiosos multiplicaram-se e as próprias relações humanas passavam a ficar cada vez mais complexas, originando as estruturas diversas da civilização.
O homem é um ser gregário, criado para viver em sociedade. Conviver significa vencer o isolamento existencial numa proposta interativa com o outro. Nesse sentido, a vida social é valiosa conquista do processo de aprimoramento da criatura humana, na sucessão dos tempos.
A socialização do homem o capacita, através de múltiplas situações , ao desenvolvimento de potenciais que jazem no seu íntimo, tornando-o, pelas sucessivas reencarnações, capaz de autodescobrir-se e desvelar o mundo que o cerca.
Na natureza temos variados exemplos sobre o princípio da agregação: as gotículas de água que se associam para originarem os lagos, mares e oceanos; as partículas mais ínfimas que se atraem para fazer surgir a realidade material; as células que, ao se agruparem, formam os tecidos, os órgãos, os membros, enfim, o nosso próprio corpo físico; nos animais, por sua vez, o instinto gregário os conduz à vida em grupos para a manutenção da própria espécie...
Os seres humanos, além de possuírem as necessidades primárias da própria subsistência, necessitam atender, também, aos imperativos da convivência, visando um processo de complementaridade.
Concordamos com o escritor Silvino José Fritzen quando afirma que: “as convivências são formativas: ajudam a reflexão e a interiorização pessoal, e representam uma rejeição viva à sociedade egoísta”. A vida social desenvolve os sentimentos e o intelecto humano, predispondo-nos ao trabalho de intercambiar experiências com vistas ao melhoramento do grupo onde nos encontramos. Assim, ampliam-se os horizontes da educação, da arte, da cultura, da ciência, da religião, da tecnologia, etc.
O processo de autoconstrução espiritual é algo socializado, significa dizer que ninguém é verdadeiramente feliz enclausurado em si mesmo. A nossa evolução, também depende dos outros, pois a convivência permite as situações-testes das nossas aquisições íntimas no campo do saber e dos sentimentos.
Aprender a lidar com os sentimentos e emoções, com a racionalidade e as sensações é, sem dúvida, qualificar a dinâmica da nossa convivência. Acreditamos que o Espiritismo vem ofertar valiosa contribuição para o entendimento real do homem: espírito imortal e pluriexistencial, que no corpo ou fora dele, vive e convive num ímpeto crescente em busca de sua plenitude espiritual.
FONTE
Filosofia da Convivência - Jerri Almeida
Vivendo no campo das sensações e dominado pelos instintos - pois para capturar um animal era necessário uma boa dose de agressividade - o homem aproveitava as possibilidades que a natureza lhe oferecia. Cedo, apresentaram-se dificuldades e foi preciso aprender a vencê-las: a altura das árvores que o impedia de alcançar os frutos, os animais que dele buscavam nutrir-se, as forças inóspitas do clima. Tudo o obrigava a exercitar o corpo e o intelecto. Foi necessário fazer-se ágil, rápido na corrida, vigoroso no combate. Ele aprendeu a sobrepujar os obstáculos da natureza, a combater por necessidade os animais, a disputar a subsistência com o próprio semelhante ou se compensar quando era forçado a ceder ao poder do mais forte.
O homem percebeu que andando em bandos havia mais segurança, tanto para proteger-se dos animais ferozes, como também, de outras tribos.
A forma de comunicação – essencial na convivência – operava-se pela gesticulação, expressões faciais e sons, conduzidos profundamente pelos instintos.
Dois acontecimentos iriam, no entanto, revolucionar as relações humanas ainda incipientes: a descoberta e manutenção do fogo e o desenvolvimento da agricultura. Certamente, a capacidade de produzir e manter o fogo, proporcionou a criatura humana, naquele momento, uma aproximação maior em volta da fogueira, quer para se proteger do frio, dos animais ou mesmo cozinhar alimentos. Com essa aproximação, o uso da comunicação oral se aprimorou, tornando-se mais articulada e mais rica de significados.
A descoberta da agricultura, por sua vez, permitiu o surgimento da vida sedentária e o estreitamento das relações familiares e tribais. À medida em que se desenvolveram as idéias, o espírito humano passou a criar relações e laços de convivência mais estáveis. Começaram a surgir culturas peculiares a cada agrupamento humano. Alguns grupos criaram o hábito de reunião em frente das cabanas ou em torno de grandes árvores; os rituais religiosos multiplicaram-se e as próprias relações humanas passavam a ficar cada vez mais complexas, originando as estruturas diversas da civilização.
O homem é um ser gregário, criado para viver em sociedade. Conviver significa vencer o isolamento existencial numa proposta interativa com o outro. Nesse sentido, a vida social é valiosa conquista do processo de aprimoramento da criatura humana, na sucessão dos tempos.
A socialização do homem o capacita, através de múltiplas situações , ao desenvolvimento de potenciais que jazem no seu íntimo, tornando-o, pelas sucessivas reencarnações, capaz de autodescobrir-se e desvelar o mundo que o cerca.
Na natureza temos variados exemplos sobre o princípio da agregação: as gotículas de água que se associam para originarem os lagos, mares e oceanos; as partículas mais ínfimas que se atraem para fazer surgir a realidade material; as células que, ao se agruparem, formam os tecidos, os órgãos, os membros, enfim, o nosso próprio corpo físico; nos animais, por sua vez, o instinto gregário os conduz à vida em grupos para a manutenção da própria espécie...
Os seres humanos, além de possuírem as necessidades primárias da própria subsistência, necessitam atender, também, aos imperativos da convivência, visando um processo de complementaridade.
Concordamos com o escritor Silvino José Fritzen quando afirma que: “as convivências são formativas: ajudam a reflexão e a interiorização pessoal, e representam uma rejeição viva à sociedade egoísta”. A vida social desenvolve os sentimentos e o intelecto humano, predispondo-nos ao trabalho de intercambiar experiências com vistas ao melhoramento do grupo onde nos encontramos. Assim, ampliam-se os horizontes da educação, da arte, da cultura, da ciência, da religião, da tecnologia, etc.
O processo de autoconstrução espiritual é algo socializado, significa dizer que ninguém é verdadeiramente feliz enclausurado em si mesmo. A nossa evolução, também depende dos outros, pois a convivência permite as situações-testes das nossas aquisições íntimas no campo do saber e dos sentimentos.
Aprender a lidar com os sentimentos e emoções, com a racionalidade e as sensações é, sem dúvida, qualificar a dinâmica da nossa convivência. Acreditamos que o Espiritismo vem ofertar valiosa contribuição para o entendimento real do homem: espírito imortal e pluriexistencial, que no corpo ou fora dele, vive e convive num ímpeto crescente em busca de sua plenitude espiritual.
FONTE
Filosofia da Convivência - Jerri Almeida
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
domingo, 3 de outubro de 2010
A HISTÓRIA DE JERÔNIMO
A história de Jerônimo é comovente. Nasceu no dia 1º de novembro de 1939 em Ituiutaba, Minas Gerais. Narra-se que sua infância foi a de uma criança normal. Freqüentou escola até o início do ginasial antigo. Todavia, já na adolescência, começou a sentir os primeiros sinais de sua doença, através de dores nas articulações, especialmente nos joelhos e tornozelos, que passaram a inchar e, aos dezoitos anos, já andava com dificuldade.
De família modesta, seu pai era lavrador e sua mãe lavadeira de roupas, uma mulher corajosa e determinada, pois enfrentando muitas dificuldades, jamais se permitiu o desânimo. Diante de muitas necessidades econômicas, Jerônimo, desde cedo, passou a ajudar seu pai para melhorar a renda familiar. Portador de um espírito indagador, ainda na adolescência, tomou contato com a Doutrina Espírita passando a estudar os seus ensinamentos. Dessa forma, passou a adquirir uma nova visão de Deus, agregando os inestimáveis conhecimentos sobre a imortalidade da alma, da reencarnação e, portanto, aperfeiçoando o seu conceito de destino.
Na verdade, conforme sua mãe, Jerônimo desde pequeno já não gozava de muita saúde, era um menino frágil, anêmico, doente. Com o conhecimento oferecido pelo espiritismo, percebia que o espírito reencarna com suas tendências, suas lutas, com seus problemas inerentes aos méritos e deméritos, almejando, pelo esforço pessoal, o crescimento impostergável.
Certo dia, quando se dirigia a um bairro da cidade, ao passar em frente a uma alfaiataria, Jerônimo ouve uma voz lhe convidando a entrar. Para sua surpresa, seu Josias, o alfaiate, lhe havia feito um “terno”. Ele, nos seus dezessete anos, nunca havia usado um. Foi rapidamente para casa, agradecendo o seu benfeitor. Naquela noite, no cinema da cidade, o filme de lançamento era: “E o vento levou”. Era a oportunidade para usar seu terno, sua gravata, seus sapatos. Mas aquela noite repleta de felicidade, ficaria também marcada em sua história por um outro motivo.
Quando chegou ao cinema, não haviam mais poltronas vazias, Jerônimo teve então que assistir ao filme, de 4 horas de duração, em pé. Foi aí que começou para ele, a jornada inicial e dolorosa de sua doença. Ao término do filme, suas pernas estavam inchadas e, ele imóvel, necessitou ser retirado nos braços do cine Capitólio. Ao chegar em casa, sua mãe assustada, necessitou, devido ao inchaço de suas pernas e pés, cortar aquela calça, que ele vestira com tanta alegria e entusiasmo. Ali começava sua história de renúncias, permanecendo os primeiros três meses no leito, impossibilitado de locomoção.
Daí para frente, Jerônimo passou a locomover-se com muletas e ainda, para ajudar sua família, trabalhou como professor rural em uma chácara. Com o tempo, veio a cadeira de rodas e, depois, a cama, em definitivo. Mas Jerônimo, muito embora os seus conflitos pessoais, não se deixava desanimar, apoiado como ele mesmo afirmava, na fé racional lhe oferecida pelo espiritismo. Ao invés das queixas que seriam compreensíveis, ele buscava no idealismo e no trabalho possível, os recursos para se manter perseverante no equilíbrio interior.
Mesmo com suas limitações, Jerônimo Mendonça fundou várias instituições espíritas que atendiam os necessitados de alimento material e espiritual. Enxugava lágrimas, consolava os aflitos falando-lhes de Deus e da imortalidade da alma, mas, sobretudo, através do seu exemplo pessoal. Quando, em certa oportunidade, participava de um programa de televisão, Jerônimo – que já não mais se movia – foi indagado pelo repórter sobre o que seria a felicidade para ele: “A felicidade para mim, deitado há tanto tempo nesta cama sem poder me mexer, seria poder virar de lado.” Naquela oportunidade, ele falara sobre o amor e o valor da vida. Ao terminar a entrevista, o telefone da emissora tocou. Uma mulher, desesperadamente, desejava falar com ele. Apresentara-se como uma senhora da alta sociedade, portadora de muita riqueza, mas infeliz. Ela havia planejado suicidar-se. Comprara ingressos para sua família ir ao teatro e alegando indisposição, ficaria em casa. Tudo estava planejado. Quando pegou o veneno para ingerir, sentiu vontade ligar a televisão pela última vez. Lá estava Jerônimo, deitado em uma cama, cego, falando sobre o prazer em viver e da felicidade. “Fiquei envergonhada!” – afirmou a mulher. “O senhor salvou minha vida!”.
Conta-se que Jerônimo, apesar de todos os seus desafios, era uma pessoa bem humorada. Em certa oportunidade, após uma palestra que fazia na cidade de São Paulo, uma jovem aproximou-se dele chorando e pedindo-lhe palavras de conforto. Mas, curiosamente, ela afirmava que durante a palestra havia tido uma visão onde um antigo calhambeque aparecia atrás dele. “Qual a explicação?” – indagou-lhe. Jerônimo jovialmente lhe diz: “-Minha filha, isso significa que nós, mesmo na condição de um calhambeque, devemos trabalhar muito, até virar um Santana.” A jovem que estava triste, ficou alegre com o exemplo daquele homem que, diante de tanto sofrimento, soubera manter o bom humor.
Em uma de suas viagens realizando palestras, Jerônimo, que era transportado com sua cama, em uma cômbi, havia retornado de Curitiba, muito cansado, com a voz fraca. Entretanto, no dia seguinte, fez, por telefone, a campanha costumeira para arrecadar donativos, alimentos para as pessoas carentes atendidas pela Sociedade Espírita. Naquela noite do dia 25 de novembro, uma irmã dedicada passou a madrugada de plantão, cuidando dele. Pela manhã, sua mãe estranhou que Jerônimo estava muito quieto. Ele havia partido como um pássaro que alçou vôo na direção dos altiplanos, rumo ao país da imortalidade.
Conforme o relato dos amigos, o velório e o enterro de Jerônimo foram emocionantes. Filas imensas de pessoas desejavam prestar-lhe a homenagem de gratidão por tudo o que fez, mas, sobretudo pelo exemplo de estoicismo, de coragem e fé que deixou.
Bibliografia
VILELA, Jane Martins. O Gigante Deitado. Matão-SP: O Clarim, 1994.
De família modesta, seu pai era lavrador e sua mãe lavadeira de roupas, uma mulher corajosa e determinada, pois enfrentando muitas dificuldades, jamais se permitiu o desânimo. Diante de muitas necessidades econômicas, Jerônimo, desde cedo, passou a ajudar seu pai para melhorar a renda familiar. Portador de um espírito indagador, ainda na adolescência, tomou contato com a Doutrina Espírita passando a estudar os seus ensinamentos. Dessa forma, passou a adquirir uma nova visão de Deus, agregando os inestimáveis conhecimentos sobre a imortalidade da alma, da reencarnação e, portanto, aperfeiçoando o seu conceito de destino.
Na verdade, conforme sua mãe, Jerônimo desde pequeno já não gozava de muita saúde, era um menino frágil, anêmico, doente. Com o conhecimento oferecido pelo espiritismo, percebia que o espírito reencarna com suas tendências, suas lutas, com seus problemas inerentes aos méritos e deméritos, almejando, pelo esforço pessoal, o crescimento impostergável.
Certo dia, quando se dirigia a um bairro da cidade, ao passar em frente a uma alfaiataria, Jerônimo ouve uma voz lhe convidando a entrar. Para sua surpresa, seu Josias, o alfaiate, lhe havia feito um “terno”. Ele, nos seus dezessete anos, nunca havia usado um. Foi rapidamente para casa, agradecendo o seu benfeitor. Naquela noite, no cinema da cidade, o filme de lançamento era: “E o vento levou”. Era a oportunidade para usar seu terno, sua gravata, seus sapatos. Mas aquela noite repleta de felicidade, ficaria também marcada em sua história por um outro motivo.
Quando chegou ao cinema, não haviam mais poltronas vazias, Jerônimo teve então que assistir ao filme, de 4 horas de duração, em pé. Foi aí que começou para ele, a jornada inicial e dolorosa de sua doença. Ao término do filme, suas pernas estavam inchadas e, ele imóvel, necessitou ser retirado nos braços do cine Capitólio. Ao chegar em casa, sua mãe assustada, necessitou, devido ao inchaço de suas pernas e pés, cortar aquela calça, que ele vestira com tanta alegria e entusiasmo. Ali começava sua história de renúncias, permanecendo os primeiros três meses no leito, impossibilitado de locomoção.
Daí para frente, Jerônimo passou a locomover-se com muletas e ainda, para ajudar sua família, trabalhou como professor rural em uma chácara. Com o tempo, veio a cadeira de rodas e, depois, a cama, em definitivo. Mas Jerônimo, muito embora os seus conflitos pessoais, não se deixava desanimar, apoiado como ele mesmo afirmava, na fé racional lhe oferecida pelo espiritismo. Ao invés das queixas que seriam compreensíveis, ele buscava no idealismo e no trabalho possível, os recursos para se manter perseverante no equilíbrio interior.
Mesmo com suas limitações, Jerônimo Mendonça fundou várias instituições espíritas que atendiam os necessitados de alimento material e espiritual. Enxugava lágrimas, consolava os aflitos falando-lhes de Deus e da imortalidade da alma, mas, sobretudo, através do seu exemplo pessoal. Quando, em certa oportunidade, participava de um programa de televisão, Jerônimo – que já não mais se movia – foi indagado pelo repórter sobre o que seria a felicidade para ele: “A felicidade para mim, deitado há tanto tempo nesta cama sem poder me mexer, seria poder virar de lado.” Naquela oportunidade, ele falara sobre o amor e o valor da vida. Ao terminar a entrevista, o telefone da emissora tocou. Uma mulher, desesperadamente, desejava falar com ele. Apresentara-se como uma senhora da alta sociedade, portadora de muita riqueza, mas infeliz. Ela havia planejado suicidar-se. Comprara ingressos para sua família ir ao teatro e alegando indisposição, ficaria em casa. Tudo estava planejado. Quando pegou o veneno para ingerir, sentiu vontade ligar a televisão pela última vez. Lá estava Jerônimo, deitado em uma cama, cego, falando sobre o prazer em viver e da felicidade. “Fiquei envergonhada!” – afirmou a mulher. “O senhor salvou minha vida!”.
Conta-se que Jerônimo, apesar de todos os seus desafios, era uma pessoa bem humorada. Em certa oportunidade, após uma palestra que fazia na cidade de São Paulo, uma jovem aproximou-se dele chorando e pedindo-lhe palavras de conforto. Mas, curiosamente, ela afirmava que durante a palestra havia tido uma visão onde um antigo calhambeque aparecia atrás dele. “Qual a explicação?” – indagou-lhe. Jerônimo jovialmente lhe diz: “-Minha filha, isso significa que nós, mesmo na condição de um calhambeque, devemos trabalhar muito, até virar um Santana.” A jovem que estava triste, ficou alegre com o exemplo daquele homem que, diante de tanto sofrimento, soubera manter o bom humor.
Em uma de suas viagens realizando palestras, Jerônimo, que era transportado com sua cama, em uma cômbi, havia retornado de Curitiba, muito cansado, com a voz fraca. Entretanto, no dia seguinte, fez, por telefone, a campanha costumeira para arrecadar donativos, alimentos para as pessoas carentes atendidas pela Sociedade Espírita. Naquela noite do dia 25 de novembro, uma irmã dedicada passou a madrugada de plantão, cuidando dele. Pela manhã, sua mãe estranhou que Jerônimo estava muito quieto. Ele havia partido como um pássaro que alçou vôo na direção dos altiplanos, rumo ao país da imortalidade.
Conforme o relato dos amigos, o velório e o enterro de Jerônimo foram emocionantes. Filas imensas de pessoas desejavam prestar-lhe a homenagem de gratidão por tudo o que fez, mas, sobretudo pelo exemplo de estoicismo, de coragem e fé que deixou.
Bibliografia
VILELA, Jane Martins. O Gigante Deitado. Matão-SP: O Clarim, 1994.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
FISIOLOGIA DAS AMIZADES
Compõem-se, as nossas amizades reais, da aproximação, na atual existência, de espíritos com quem em nosso passado histórico de vivências reencarnatórias, contraimos laços verdadeiros de afetividade. Hoje, sob o véu do esquecimento temporário, nos identificamos por um sentimento de atração e simpatia, passando a vivenciar a “preciosa conquista”.
O amigo auxilia sempre, incondicionalmente, sem ser conivente com o erro. É aquele que motiva, que ampara, que sabe dizer “não” quando para o bem do outro.
Afirma um ditado popular, com certa razão, que o que mantém o casamento é a amizade.
O psicólogo Leo Buscaglia cita uma entrevista “com um casal que conseguiu viver junto e se amando durante sessenta anos. O marido, com um amplo sorriso e um brilho nos olhos, disse que ela (sua esposa) era a sua ‘melhor amiga’.” Esse princípio é confirmado por André Luiz, no livro “Entre a Terra e o Céu”, onde afirma-se: “ A amizade pura é a verdadeira garantia da ventura conjugal. Sem os alicerces da comunhão fraterna e do respeito mútuo, o casamento cedo se transforma em pesada algema de forçados do cárcere social.”
A convivência, na amizade, é um “compartilhar” de talentos e limitações regados pela honestidade de sentimentos. Como diz Buscaglia: “mostramos, em atitudes, que admiramos e respeitamos um ao outro, e que gostamos da oportunidade de estar juntos e de partilhar as experiências”.
A amizade e as relações sociais produzem reações químicas no organismo. Estudos científicos desenvolvidos por pesquisadores de diversas Universidades, evidenciam que as interações sociais e as relações de amizade trazem inúmeros benefícios à saúde física e mental do ser humano.
Desde 1979, cientistas acompanharam aproximadamente 5 mil moradores do Condado de Alameda, na Califórnia (EUA), e descobriram que as pessoas que possuíam o maior número de relacionamentos sociais demonstravam uma saúde mais equilibrada do que o grupo de pessoas que mantinha menos relações de convivialidade. O Dr. Ronald Glaser, imunologista da Universidade Estadual de Ohio, chegou a afirmar que: “Uma das piores punições que se pode aplicar a alguém é isolá-lo”. Ele e sua esposa, a psicóloga Janice K. Glaser, estudaram 69 pessoas que possuíam um cônjuge com Alzheimer. Os pesquisadores constataram que aquelas pessoas que, no início da pesquisa, demonstravam possuir uma convivência harmonizada, ao término de um ano, apresentavam resposta imunológicas mais satisfatórias, em comparação àquelas que não se relacionavam tão harmoniosamente.
Estudos da Universidade de Yale, com 194 vítimas de ataques cardíacos, sugerem como as relações sociais contribuem na recuperação de doentes. Com o suporte emocional da amizade, as pessoas têm a probabilidade de viver mais, em relação aos que carecem desse apoio. Em outra pesquisa realizada na Carnegie Mellon University, pesquisadores, após injetar o vírus da gripe em 276 voluntários, concluíram que aqueles indivíduos que possuíam um círculo de amizade mais estável, apresentavam mais resistência imunológica ao contágio da gripe.
As pessoas que possuem amigos e um leque de relações afetivas, também demonstram-se menos propensas a sofrer de depressão, ansiedade e outros distúrbios psicológicos. Segundo a epidemiologista Teresa Seeman: “Nosso organismo é sensível a toda uma gama de laços sociais”. Chega-se a considerar que a fisiologia de determinadas patologias podem ser influenciadas pela dinâmica (presença/ausência) da convivência. Amizades com conteúdos de satisfação e prazer geram um estado mental que desencadeia o fortalecimento do próprio sistema imunológico da pessoa.
Cientistas da Universidade de Pittsburgh descobriram que indivíduos que executam tarefas estressantes, ao lado de um amigo, têm a probabilidade de diminuir a elevação de seus batimentos cardíacos e de sua pressão arterial.
Conviver em harmonia faz bem para a estrutura psico-fisiológica e espiritual do ser humano. Da mesma forma, relacionamentos onde figuram a hostilidade, o mal-querer, o ciúme patológico, a ingratidão... terminam fragilizando o nosso sistema imunológico, abrindo campo para a instalação de doenças de natureza múltipla.
O amigo auxilia sempre, incondicionalmente, sem ser conivente com o erro. É aquele que motiva, que ampara, que sabe dizer “não” quando para o bem do outro.
Afirma um ditado popular, com certa razão, que o que mantém o casamento é a amizade.
O psicólogo Leo Buscaglia cita uma entrevista “com um casal que conseguiu viver junto e se amando durante sessenta anos. O marido, com um amplo sorriso e um brilho nos olhos, disse que ela (sua esposa) era a sua ‘melhor amiga’.” Esse princípio é confirmado por André Luiz, no livro “Entre a Terra e o Céu”, onde afirma-se: “ A amizade pura é a verdadeira garantia da ventura conjugal. Sem os alicerces da comunhão fraterna e do respeito mútuo, o casamento cedo se transforma em pesada algema de forçados do cárcere social.”
A convivência, na amizade, é um “compartilhar” de talentos e limitações regados pela honestidade de sentimentos. Como diz Buscaglia: “mostramos, em atitudes, que admiramos e respeitamos um ao outro, e que gostamos da oportunidade de estar juntos e de partilhar as experiências”.
A amizade e as relações sociais produzem reações químicas no organismo. Estudos científicos desenvolvidos por pesquisadores de diversas Universidades, evidenciam que as interações sociais e as relações de amizade trazem inúmeros benefícios à saúde física e mental do ser humano.
Desde 1979, cientistas acompanharam aproximadamente 5 mil moradores do Condado de Alameda, na Califórnia (EUA), e descobriram que as pessoas que possuíam o maior número de relacionamentos sociais demonstravam uma saúde mais equilibrada do que o grupo de pessoas que mantinha menos relações de convivialidade. O Dr. Ronald Glaser, imunologista da Universidade Estadual de Ohio, chegou a afirmar que: “Uma das piores punições que se pode aplicar a alguém é isolá-lo”. Ele e sua esposa, a psicóloga Janice K. Glaser, estudaram 69 pessoas que possuíam um cônjuge com Alzheimer. Os pesquisadores constataram que aquelas pessoas que, no início da pesquisa, demonstravam possuir uma convivência harmonizada, ao término de um ano, apresentavam resposta imunológicas mais satisfatórias, em comparação àquelas que não se relacionavam tão harmoniosamente.
Estudos da Universidade de Yale, com 194 vítimas de ataques cardíacos, sugerem como as relações sociais contribuem na recuperação de doentes. Com o suporte emocional da amizade, as pessoas têm a probabilidade de viver mais, em relação aos que carecem desse apoio. Em outra pesquisa realizada na Carnegie Mellon University, pesquisadores, após injetar o vírus da gripe em 276 voluntários, concluíram que aqueles indivíduos que possuíam um círculo de amizade mais estável, apresentavam mais resistência imunológica ao contágio da gripe.
As pessoas que possuem amigos e um leque de relações afetivas, também demonstram-se menos propensas a sofrer de depressão, ansiedade e outros distúrbios psicológicos. Segundo a epidemiologista Teresa Seeman: “Nosso organismo é sensível a toda uma gama de laços sociais”. Chega-se a considerar que a fisiologia de determinadas patologias podem ser influenciadas pela dinâmica (presença/ausência) da convivência. Amizades com conteúdos de satisfação e prazer geram um estado mental que desencadeia o fortalecimento do próprio sistema imunológico da pessoa.
Cientistas da Universidade de Pittsburgh descobriram que indivíduos que executam tarefas estressantes, ao lado de um amigo, têm a probabilidade de diminuir a elevação de seus batimentos cardíacos e de sua pressão arterial.
Conviver em harmonia faz bem para a estrutura psico-fisiológica e espiritual do ser humano. Da mesma forma, relacionamentos onde figuram a hostilidade, o mal-querer, o ciúme patológico, a ingratidão... terminam fragilizando o nosso sistema imunológico, abrindo campo para a instalação de doenças de natureza múltipla.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
CARPE DIEM
Quantos deixam arquivada a sua felicidade nas esquinas longínquas da memória, onde residem as lembranças de acontecimentos agradáveis, vivido pessoalmente ou em família? Isso é saudável quando trata-se da lembrança nossa de cada dia. Entretanto, prender a felicidade no passado, sufocando-a no presente, é indício de que algo não está bem. Uma decisão equivocada, tomada recentemente, poderá remeter a pessoa a fixar-se no passado como mecanismo de fuga da realidade atual. Deslocando o foco da felicidade para um tempo que somente existe em sua memória, a pessoa passa a isolar e distanciar sua condição de viver feliz.
Em tais circunstâncias, a vida atual vai se cercando de amargor, perdendo o seu brilho e sua motivação. A pessoa, enclausurando mentalmente sua felicidade no passado, vai perdendo os referenciais da alegria e da jovialidade, cedendo espaços à melancolia e, muitas vezes, à depressão. O “sentir-se feliz” é um prestimoso aliado da saúde humana por vincular-lhe o otimismo indispensável.
A experiência humana pode ser muito rica no presente, tanto como foi no passado, ela só depende da disposição de cada pessoa. Disposição que começa por se libertar das amarras do passado, visando viver com consistência o presente. Isso não significar esquecer o passado, mas aproveitar-lhe as experiências, ditosas ou não, para fazer florescer no hoje a meta do bem. O passado é irrecuperável, somente servindo como experiência norteadora para os atos do presente. O passado está inscrito na linhas inalienáveis do tempo e, portanto, não pode ser mudado.
Adverte Joanna de Ângelis que “viver de recordações ou se atormentar com as aspirações” não é uma atitude saudável, isto é, o foco de nossas atenções e ações deverá, sobretudo, estar direcionado para o enriquecimento do presente. Não se trata de: “viver intensamente os prazeres do mundo”, mas viver de forma natural, sem ansiedades exageradas em relação ao futuro nem de ressentimentos ou mágoas que nos prendem ao passado. Nesse aspecto, os sentimentos de perdão e de confiança, aliados à esperança e à determinação, serão, por excelência, os sentimentos fundadores de um estado mental positivo e saudável.
Há pessoas que vivem das lembranças de suas desgraças e perdas, recusando-se obstinadamente a viver a felicidade no presente. Rancores e ódios se avolumam, projetando suas sombras do passado, no presente de quem os mantêm vivos na memória. A fragrância do amor ensinado e vivido por Jesus nos convida, a cada novo dia, a vivência do perdão e da compreensão enquanto instrumentos de libertação psicológica de fatos e ocorrências desagradáveis do passado, recente ou remoto.
Ensina o espiritismo que o ser humano está num processo de constante crescimento ético-espiritual, decorrendo o futuro de como vivemos o hoje. Daí, o sentido da temporalidade atual estar no foco do nosso destino mediato e imediato. Entretanto, projetar a felicidade para o futuro, enclausurando-a em suas metas, sonhos e conquistas é viver num constante “vir-a-ser”. Nós necessitamos viver o presente.
O poeta romano do século I, Horácio, costumava dizer que deveríamos “aproveitar o dia” (Carpe diem). Mas no passado, como no presente, a idéia de aproveitar o dia, muitas vezes tem assumido um ar de superficialidade, sendo vinculada à “lei do menor esforço” ou, ao gozo do prazer imediato. Para Kant (1724-1804), as pessoas deveriam se comportar com base em um código moral interno e, nesse código, estaria a base das ações corretas: “Age apenas segundo aquela máxima que possas querer que se torne uma lei universal.” Gostaríamos que a intolerância se tornasse um sentimento geral? Que a exploração do homem sobre o homem se generalizasse? Se não desejamos que algo se torne uma lei universal então não deveremos praticá-lo. Kant diz, com outras palavras, aquilo que é a essência da “ética cristã”, ou seja, “Faça somente aos outros o que desejarias que os outros te fizessem.” Isso é o mais admirável princípio ético de todos os tempos.
Em tais circunstâncias, a vida atual vai se cercando de amargor, perdendo o seu brilho e sua motivação. A pessoa, enclausurando mentalmente sua felicidade no passado, vai perdendo os referenciais da alegria e da jovialidade, cedendo espaços à melancolia e, muitas vezes, à depressão. O “sentir-se feliz” é um prestimoso aliado da saúde humana por vincular-lhe o otimismo indispensável.
A experiência humana pode ser muito rica no presente, tanto como foi no passado, ela só depende da disposição de cada pessoa. Disposição que começa por se libertar das amarras do passado, visando viver com consistência o presente. Isso não significar esquecer o passado, mas aproveitar-lhe as experiências, ditosas ou não, para fazer florescer no hoje a meta do bem. O passado é irrecuperável, somente servindo como experiência norteadora para os atos do presente. O passado está inscrito na linhas inalienáveis do tempo e, portanto, não pode ser mudado.
Adverte Joanna de Ângelis que “viver de recordações ou se atormentar com as aspirações” não é uma atitude saudável, isto é, o foco de nossas atenções e ações deverá, sobretudo, estar direcionado para o enriquecimento do presente. Não se trata de: “viver intensamente os prazeres do mundo”, mas viver de forma natural, sem ansiedades exageradas em relação ao futuro nem de ressentimentos ou mágoas que nos prendem ao passado. Nesse aspecto, os sentimentos de perdão e de confiança, aliados à esperança e à determinação, serão, por excelência, os sentimentos fundadores de um estado mental positivo e saudável.
Há pessoas que vivem das lembranças de suas desgraças e perdas, recusando-se obstinadamente a viver a felicidade no presente. Rancores e ódios se avolumam, projetando suas sombras do passado, no presente de quem os mantêm vivos na memória. A fragrância do amor ensinado e vivido por Jesus nos convida, a cada novo dia, a vivência do perdão e da compreensão enquanto instrumentos de libertação psicológica de fatos e ocorrências desagradáveis do passado, recente ou remoto.
Ensina o espiritismo que o ser humano está num processo de constante crescimento ético-espiritual, decorrendo o futuro de como vivemos o hoje. Daí, o sentido da temporalidade atual estar no foco do nosso destino mediato e imediato. Entretanto, projetar a felicidade para o futuro, enclausurando-a em suas metas, sonhos e conquistas é viver num constante “vir-a-ser”. Nós necessitamos viver o presente.
O poeta romano do século I, Horácio, costumava dizer que deveríamos “aproveitar o dia” (Carpe diem). Mas no passado, como no presente, a idéia de aproveitar o dia, muitas vezes tem assumido um ar de superficialidade, sendo vinculada à “lei do menor esforço” ou, ao gozo do prazer imediato. Para Kant (1724-1804), as pessoas deveriam se comportar com base em um código moral interno e, nesse código, estaria a base das ações corretas: “Age apenas segundo aquela máxima que possas querer que se torne uma lei universal.” Gostaríamos que a intolerância se tornasse um sentimento geral? Que a exploração do homem sobre o homem se generalizasse? Se não desejamos que algo se torne uma lei universal então não deveremos praticá-lo. Kant diz, com outras palavras, aquilo que é a essência da “ética cristã”, ou seja, “Faça somente aos outros o que desejarias que os outros te fizessem.” Isso é o mais admirável princípio ético de todos os tempos.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
REVOLUÇÃO FARROUPILHA: Traição e Morte no Cerro de Porongos
Aquela parecia ser uma noite como outra qualquer! No acampamento montado próximo à cidade de Piratini, na metade-sul da Província, local conhecido como cerro de porongos, soldados brancos, índios e negros, sob o comando do general David Canabarro, deveriam passar mais uma noite inglória de pesadelos e temores. Os negros haviam sido, suspeitamente, desarmados sob a alegação de que a guerra já estava em seus momentos finais. O comandante não preocupou-se, como de hábito em uma guerra, em deixar vigilantes estrategicamente posicionados para a proteção do acampamento. Era a madrugada de 14 de novembro de 1844. Um toque de corneta ordenou o início do ataque sobre o desprotegido acampamento. Mais de mil soldados imperiais, sob o comando do Coronel Francisco Pedro de Abreu, o Chico Pedro, também conhecido como “Moríngue” (apelido em alusão a sua cabeça, parecida com uma “moringa”.) atacam o acampamento republicano. O general farroupilha David Canabarro foge a cavalo, mas os combatentes negros, desarmados, são violentamente exterminados na sua totalidade. O que teria ocorrido em Cerro de Porongos? Como o inimigo conseguiu aproximar-se sem ser notado? Por que os negros haviam sido desarmados previamente? Para responder, essas e outras perguntas, é necessário revisitar o contexto da própria guerra dos farrapos, insurreição que entre 1835-1845 marcaria definitivamente a história do Rio Grande do Sul.
Após a Independência do Brasil (1822), criou-se um processo de centralização exacerbada do Poder Central do Rio de Janeiro sobre as demais Províncias brasileiras. A própria Constituição de 1824 criava um sistema de governo rígido e centralizador que se chocava com os interesses “mais liberais” das elites regionais. O próprio Presidente das Províncias, o que hoje corresponderia ao governador do estado, era designado pelo Poder Central, afastando, com isso, as elites locais do controle sobre o poder político direto em suas Províncias.
É nesse contexto de disputa entre as elites regionais, pela configuração do Estado Nacional brasileiro que melhor lhes favorecesse, que devemos situar a guerra de 1835 ocorrida na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. A Farroupilha, na verdade, foi uma das várias revoltas liberais republicanas ocorridas no Império. Sua base ideológica se fundamentava no federalismo e no liberalismo das classes pastoris na defesa de seus interesses econômicos e políticos de dominação sobre o Sul. A guerra é iniciada em 20 de setembro de 1835, com a invasão de Porto Alegre pelos rebeldes republicanos e a deposição do Presidente Braga.
O termo “farroupilha” já era um apelido antigo. Desde 1831 circulava no Rio de Janeiro, jornais denominados “Jurujuba dos Farroupilhas” e “Matraca dos Farroupilhas”. Em 1832, Luís José dos Reis, fundou o “Partido Farroupilha” em Porto Alegre, partido aliás que já existia em São Paulo. Os “farroupilhas” eram os liberais exaltados, radicais, facção revolucionária que defendia a separação do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil.
Havia, como asseverou Padoin , uma divisão entre o movimento farroupilha, pelo menos, em dois grupos: o grupo da maioria e o da minoria. O grupo da maioria possuía como líder Bento Gonçalves da Silva, mas também, Domingos José de Almeida, Mariano de Matos e Antônio da Silva Netto e defendia a independência do Rio Grande do Sul num Estado republicano independente que poderia se vincular, numa espécie de federação, tanto ao Brasil como aos demais países platinos. O grupo da minoria, representado por David Canabarro e Vicente da Fontoura, desejava reformas para a autonomia da Província, fosse num sistema monárquico ou republicano sem, necessariamente, sua separação do Brasil. Esse grupo assumiu o controle da revolução já em seu final, a partir de 1843, negociando o processo de paz com o Império.
A guerra farroupilha, no entanto, estava longe de ser unanimidade entre os rio-grandenses. Essa guerra emergira da classe de estancieiros, principalmente da metade-sul, grandes proprietários de terras e gado, que controlavam a matéria-prima da importante indústria do charque. Por seus próprios objetivos, os farroupilhas (liberais radicais) não defendiam um projeto de reformas sociais para o Rio Grande do Sul. Pelo contrário, o ideário farrapo preconizava posturas racistas e excludentes. Exemplo disso é o próprio Projeto de Constituição proclamado pelos rebeldes, e impresso em Alegrete em 1843, onde afirmava-se: “São cidadãos Rio-Grandenses todos os homens livres nascidos no território da República...” , ou seja, nem o escravo, nem o liberto, nem o imigrante, eram considerados cidadãos. Mas a exclusão vai além, pois eram excluídos do direito de votar nas assembléias os que não tivessem de renda anual cem mil réis por bens de raiz, comércio ou emprego. O voto previsto era censitário, somente votaria ou se candidataria quem dispusesse de renda anual significativa. Somente poderia votar nas eleições de deputado, senadores e conselheiros do Estado quem tivesse renda anual de “trezentos mil réis”. Com isso o povo estaria, definitivamente, afastado das decisões e da vida política da Província.
Não havia no ideário farroupilha, efetivamente, um projeto inclusivo, social, que visasse atenuar o fosso das desigualdades e contradições em que vivia a sociedade rio-grandense em seus vários segmentos.
Se escravos e libertos não possuíam a condição de cidadania, como explicar que tais seguimentos participassem, arrolando-se ao exército farroupilha? Para poder manter seus contingentes de soldados, numa guerra que se prolongava, os farrapos passaram a recrutar os escravos, aos quais ofereciam liberdade em troca do serviço militar. Um dos maiores estudiosos da Revolução Farroupilha, o historiador Moacyr Flores, é categórico ao afirmar: “Em nenhum momento os republicanos libertaram seus escravos.” Muitos escravos aceitavam lutar na guerra na perspectiva de fugir, durante um combate, para o Uruguai, onde a escravidão já havia sido abolida. Entretanto, nem todos os trabalhadores escravizados aceitaram arriscar suas vidas, apesar da infame situação no cativeiro.
O recrutamento dos trabalhadores escravizados ocorreu entre negros campeiros, possivelmente entre outros, das Serras de Tapes e do Herval (Canguçu, Piratini, Caçapava, Encruzilhada, Arroio Grande.).
Muitos fazendeiros, na tentativa de se livrarem, bem como a seus filhos, do recrutamento, terminavam por liberar em seu lugar alguns negros para substituí-los. Numa guerra se mata e se morre e, ao que parece, muitos fazendeiros não tinham interesse em arriscar suas vidas nem a de seus filhos, numa guerra onde o foco era a defesa dos interesses de um grupo reduzido.
Quando os rebeldes farroupilhas invadiram Pelotas, em 1836, incorporaram em suas lides cerca de 400 escravos. O primeiro a defender a criação de um Corpo de Lanceiros Negros no exército farroupilha teria sido o major João Manuel de Lima e Silva, exatamente após a invasão de Pelotas . João Manuel veio para o Rio Grande do Sul, no início de 1830, como uma punição, por nutrir idéias republicanas. Era oriundo de uma família de militares fluminenses, tendo por irmão mais velho Francisco, pai de Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que em 1842 viria para o Rio Grande do Sul, por ordem de D. Pedro II, para “pacificar” a Província.
Vinculando-se aos rebeldes republicanos rio-grandenses, João Manuel recebeu a patente de general no exército farroupilha. Após a formação do primeiro Corpo de Lanceiros, em 1836, o comando direto foi entregue ao Coronel Joaquim Pedro Soares, compadre do general Netto. Os lanceiros negros, eram assim denominados por carregarem uma lança de madeira de três metros de comprimento, atuando na “linha de frente”. Combatiam tanto a pé como a cavalo, fazendo, segundo o relato de Garibaldi, enorme gritaria.
Os lanceiros eram também habilidosos no uso da adaga e facão. Suas roupas eram simples: camisa e calça curta de algodão, um colete de couro protegendo o troco e sandálias de couro cru. Os detalhes do recrutamento são oferecidos pelo jornal oficial da república, O Povo, de 20 de abril de 1838, manifestando um decreto do Presidente Bento Gonçalves da Silva. Nele informa-se que os recrutas eram selecionados conforme a cor da pele, a instrução – pois os que sabiam ler e escrever eram destinados à artilharia – a educação e os bens. Os negros mais ágeis eram arrolados no Corpo de Lanceiros de primeira linha, a cavalaria, enquanto que os demais ingressavam na infantaria. O 2º. Corpo de Lanceiros foi formado em 31 de agosto de 1838 e contava com 426 combatentes. Nos dois corpos de lanceiros negros os oficiais eram brancos.
Na medida em que a guerra avançava, a importância dos lanceiros tornava-se mais evidente, como na ocupação a Rio Pardo em 1838, no ataque a Laguna, em 1839, e na invasão de Lages em 1840. Possuíam grande habilidade para atacar o inimigo de surpresa, sendo obrigados a desempenharem as ações mais arriscadas.
O que levou – diante da visível importância do negro no exército farroupilha – a sua traição na infame madrugada de 14 de novembro de 1844? A partir de 1840, com o governo de D. Pedro II, parece ter havido uma preocupação maior com os negros combatentes. O que fazer com esses combatentes quando a guerra chegasse ao seu final? Certamente, tal preocupação invadia também alguns líderes farroupilhas, pois existia a promessa de liberdade aos cativos que houvessem lutado ao seu lado. Todavia, o cumprimento dessa promessa não fazia parte de seus planos, o que deixava ainda um problema a resolver: caso os combatentes negros não ganhassem liberdade, haveria certamente uma onda de revoltas, por parte destes, que comprometeria o próprio sistema escravista num Rio Grande do Sul já profundamente debilitado com a guerra.
Após o fim da Balaiada, em 1841, o governo do Império voltou seu interesse para o extremo sul do Brasil, preocupando-se, agora, em por fim à longa guerra civil que permeava a Província sulina. Na prática, havia o interesse geopolítico na região do Prata e a preocupação com o crescente poder do caudilho argentino Rosas. Portanto, havia a urgente necessidade de apaziguar o Sul, mesmo porque, o Império sentia a necessidade de contar com o apoio dos chefes militares da Província, uma vez que o Rio Grande faz fronteira com a Argentina. A Província estava fortemente abalada economicamente, o exército farroupilha experimentava várias baixas, sobretudo a partir da chegada das forças imperiais comandadas por Caxias, em 1842. Havia, portanto, o interesse de ambas as partes em por fim à guerra.
A própria maçonaria, que havia ajudado Bento Gonçalves a fugir da Fortaleza do Mar, quando esteve preso na Bahia, agora atuava como uma mediadora nas negociações de paz. Houve várias tentativas de se chegar a um acordo com os rebeldes, mas – segundo Flores – batiam na intransigência de Bento Gonçalves que desejava a Federação e a manutenção da liberdade dos negros libertos que haviam lutado nas lides farroupilhas.
Entre 1840 e 1841, emissários de Bento Gonçalves, Manuel Alves da Silva Caldeira e José Pinheiro de Ulhoa, foram recebidos pelo Presidente da Província, Francisco Alves Machado, para tratarem as condições de paz. O grupo de Bento Gonçalves exigia, entre outras coisas, que todos os oficiais rebeldes devessem ser aceitos nos mesmos postos do exército imperial, a dívida pública da República fosse reconhecida pelo governo Central, os escravos que lutaram ao lado dos republicanos fossem considerados livres, as viúvas de oficiais recebessem uma pensão e os “rio-grandenses” indicassem os dois primeiros presidentes da província.
O ponto de divergência, no entanto, residia sobre o destino dos negros combatentes. Estes, deveriam ser entregues ao governo para o trabalho nas fazendas. E se seus proprietários, apresentassem documentos de posse dos escravos, receberiam a devida indenização. Afirmava-se que a idéia ampla de anistia não poderia contemplar os soldados negros pois não eram considerados cidadãos nem do Império e nem da extinta República Rio-Grandense.
Diante de seu posicionamento inflexível, Bento Gonçalves é afastado das negociações pelo barão de Caxias, que passou a se corresponder com o general David Canabarro. Para Flores, Caxias não tinha o poder de conceder liberdade aos soldados negros, pois: “...suas instruções limitavam-se à concessão de anistia, mediante pedido formal dos rebeldes.” O pedido foi formalizado pelo grupo de Canabarro que teve o cuidado de ocultar a concessão de anistia e a entrega dos soldados negros ao império.
É fato marcante a correspondência reservadíssima, enviada pelo barão de Caxias ao coronel Francisco Pedro de Abreu, comandante da 8ª. brigada do Exército Imperial, datada de 9 de novembro de 1844.
"Ilmo. Sr. Regule V. Sa. Suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar a força ao mando de Canabarro, que estará nesse dia no cerro dos Porongos. (...) No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. (...) Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos, pois V. Sa bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província." [do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 7. CV. 3730.]
O saldo desse ataque foi a prisão de 280 homens de infantaria e 100 soldados negros massacrados, ou seja, a totalidade dos soldados negros presentes naquele acampamento. Conforme anotou Flores, em 4.2.1845, o barão de Caxias informava ao ministro da guerra, Jerônimo Francisco Coelho, que Canabarro havia prometido mandar entregar todos os escravos que ainda conservavam armas.
O próprio Bento Gonçalves criticou os acontecimentos de Porongos
"Foi com a maior dor que recebi a notícia da surpresa que sofreram o dia 14 deste! Quem tal coisa esperaria... por uma massa de infantaria cujos caminhos indispensáveis por onde tinha de avançar eram tão visíveis que só poderiam ser ignorados por quem não quisesse ver nem ouvir, ou por quem só quisesse ouvir a traidores talvez comprados por o inimigo... Perder batalhas é dos capitães, e ninguém pode estar livre disso; mas dirigir uma massa e prepará-la para sofrer uma surpresa semelhante é ser desfeita sem a menor resistência, é só dá incapacidade, e da inaptidão e covardia do homem que assim se conduz..." [Coletânea de documentos de Bento Gonçalves da Silva. 1835/1845. Porto Alegre, 1985. p. 256. In. ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. Os Negros Farroupilhas e o Massacre de Porongos. Anais do I Simpósio Internacional do Litoral Norte sobre História e Cultura Negra. Osório: Facos, p. 117..]
Bento Gonçalves, entretanto, não foi o único que posicionou-se contrariamente à traição de Canabarro. Manuel Alves da Silva Caldeira, que havia sido sargento farroupilha em um dos Corpos de Lanceiros Negros, ainda vivo no final do século XIX, escreveu uma carta ao jornalista pelotense Alfredo Ferreira Rodrigues sustentando que Canabarro havia entregado os soldados negros para Moringue. Sua carta foi publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em 1927. As denúncias de Caldeira reforçam a carta de Caxias a Chico Pedro: “...Canabarro, de combinação com Caxias e Moringue, deu entrada a Moringue em seu acampamento, para derrotar a força comandada pelo General Netto que estava acampada em lugar que ficou livre do ataque.” Para ele o acontecido na noite de 14/11/1844 havia sido programado: “Surpresa não, foi uma traição que Canabarro fez.” [Carta de Caldeira a Rodrigues. In. HASSE, Geraldo. KOLLING, Guilherme. Lanceiros Negros. Porto Alegre: Já Editores, 2005. p. 71-74..]
Caldeiras também enviou correspondência, em 1º. de dezembro de 1898, ao historiador Alfredo Varela:
"É com viva satisfação que lanço mão da minha grossa pena para saber notícias suas e agradecer-lhe o presente que me fez do Livro 1º. Da História da Revolução de 1835 escrita pelo Sr. Narrando os fatos conforme eles se deram. Araripe diz que Canabarro foi surpreendido nos Porongos. Assis Brasil, navegando nas águas do batel carregado de mentiras do Araripe, diz o mesmo, e o Sr. Alfredo Ferreira Rodrigues também segue a opinião deles, inocentando o Canabarro pela traição que fez em Porongos. Forjem os documentos que quiserem para defender Canabarro que não conseguirão salvá-lo. Junto remeto os apontamentos que pediu-me referentes à minha pessoa durante a revolução de 35." [Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 5. CV. 3102.]
A suposta dúvida sobre a autenticidade do documento em que Caxias acerta os detalhes do ataque a Porongos, com o Coronel Francisco Pedro de Abreu, parece não passar, na prática, de uma mera e natural desconfiança daqueles que se recusam, ou não desejam, dar visibilidade às contradições dessa guerra. Caldeiras, que havia servido na Guarda Nacional e depois no 1º. Corpo de Lanceiros até o final da guerra, afirma que Canabarro havia sido, inclusive, avisado sobre a presença de Francisco Pedro de Abreu nas imediações, sem – no entanto – demonstrar maior preocupação.
A guerra dos farrapos, finalizava, assim, um decênio inglório, permeado de conflitos internos ao próprio movimento rebelde, uma vez que a própria pacificação foi conquistada por um acordo infame, que distancia o movimento republicano de 1835 daquela representação mormente formatada pelo imaginário popular dos “grandes heróis”. Canabarro, apesar das diversas cartas de Domingos José de Almeida, lhe exigindo uma posição sobre o ocorrido, jamais se posicionou, afirmando que esperaria uma resposta de Caxias.
Os soldados negros que sobreviveram, foram aprisionados pelo Império e seguiram para o Rio de Janeiro. Porongos, durante muito tempo, permaneceu um assunto intocado, pois, na verdade, tratava-se de remexer num fato que expunha as vísceras cruéis não somente de dois vultosos personagens da história oficial (Canabarro e Caxias), mas também porque o desvelamento do episódio de Porongos ensejaria toda uma revisão do sentido histórico da Revolução Farroupilha.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Jerri Roberto Santos de. Heróis de Papel: As representações sobre a Revolução Farroupilha na Literatura. Porto Alegre: Alcance, 2007. p. 79.
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 7. CV. 3730/ Vol. 5. CV. 3102.
FLORES, Moacyr. Negros na Revolução Farroupilha. Traição em Porongos e Farsa em Ponche Verde. Porto Alegre: EST, 2004. p. 56-57.
FLORES, Moacyr. A Revolução Farroupilha. 3ª. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1998, P. 22-25.
LEITMAN, Spencer L. Negros Farrapos: hipocrisia racial no sul do Brasil no séc. XIX. In. DACANAL, José Hildebrando. (Org.) A Revolução Farroupilha: História & Interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p. 64.
HASSE, Geraldo. KOLLING, Guilherme. Lanceiros Negros. Porto Alegre: Já Editores, 2005. p. 45.
PADOIN, Maria Medianeira. A Revolução Farroupilha. In. PICCOLO, Helga L. Landgraf. PADOIN, Maria Medianeira Padoin (Direção) História Geral do Rio Grande do Sul. Vol. 2 – IMPÉRIO. Passo Fundo: Méritos, 2006. p. 39-70.
Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. Título 2, Art. 6º.
Idem. Capítulo 7º. Art. 92/93.
Após a Independência do Brasil (1822), criou-se um processo de centralização exacerbada do Poder Central do Rio de Janeiro sobre as demais Províncias brasileiras. A própria Constituição de 1824 criava um sistema de governo rígido e centralizador que se chocava com os interesses “mais liberais” das elites regionais. O próprio Presidente das Províncias, o que hoje corresponderia ao governador do estado, era designado pelo Poder Central, afastando, com isso, as elites locais do controle sobre o poder político direto em suas Províncias.
É nesse contexto de disputa entre as elites regionais, pela configuração do Estado Nacional brasileiro que melhor lhes favorecesse, que devemos situar a guerra de 1835 ocorrida na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. A Farroupilha, na verdade, foi uma das várias revoltas liberais republicanas ocorridas no Império. Sua base ideológica se fundamentava no federalismo e no liberalismo das classes pastoris na defesa de seus interesses econômicos e políticos de dominação sobre o Sul. A guerra é iniciada em 20 de setembro de 1835, com a invasão de Porto Alegre pelos rebeldes republicanos e a deposição do Presidente Braga.
O termo “farroupilha” já era um apelido antigo. Desde 1831 circulava no Rio de Janeiro, jornais denominados “Jurujuba dos Farroupilhas” e “Matraca dos Farroupilhas”. Em 1832, Luís José dos Reis, fundou o “Partido Farroupilha” em Porto Alegre, partido aliás que já existia em São Paulo. Os “farroupilhas” eram os liberais exaltados, radicais, facção revolucionária que defendia a separação do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil.
Havia, como asseverou Padoin , uma divisão entre o movimento farroupilha, pelo menos, em dois grupos: o grupo da maioria e o da minoria. O grupo da maioria possuía como líder Bento Gonçalves da Silva, mas também, Domingos José de Almeida, Mariano de Matos e Antônio da Silva Netto e defendia a independência do Rio Grande do Sul num Estado republicano independente que poderia se vincular, numa espécie de federação, tanto ao Brasil como aos demais países platinos. O grupo da minoria, representado por David Canabarro e Vicente da Fontoura, desejava reformas para a autonomia da Província, fosse num sistema monárquico ou republicano sem, necessariamente, sua separação do Brasil. Esse grupo assumiu o controle da revolução já em seu final, a partir de 1843, negociando o processo de paz com o Império.
A guerra farroupilha, no entanto, estava longe de ser unanimidade entre os rio-grandenses. Essa guerra emergira da classe de estancieiros, principalmente da metade-sul, grandes proprietários de terras e gado, que controlavam a matéria-prima da importante indústria do charque. Por seus próprios objetivos, os farroupilhas (liberais radicais) não defendiam um projeto de reformas sociais para o Rio Grande do Sul. Pelo contrário, o ideário farrapo preconizava posturas racistas e excludentes. Exemplo disso é o próprio Projeto de Constituição proclamado pelos rebeldes, e impresso em Alegrete em 1843, onde afirmava-se: “São cidadãos Rio-Grandenses todos os homens livres nascidos no território da República...” , ou seja, nem o escravo, nem o liberto, nem o imigrante, eram considerados cidadãos. Mas a exclusão vai além, pois eram excluídos do direito de votar nas assembléias os que não tivessem de renda anual cem mil réis por bens de raiz, comércio ou emprego. O voto previsto era censitário, somente votaria ou se candidataria quem dispusesse de renda anual significativa. Somente poderia votar nas eleições de deputado, senadores e conselheiros do Estado quem tivesse renda anual de “trezentos mil réis”. Com isso o povo estaria, definitivamente, afastado das decisões e da vida política da Província.
Não havia no ideário farroupilha, efetivamente, um projeto inclusivo, social, que visasse atenuar o fosso das desigualdades e contradições em que vivia a sociedade rio-grandense em seus vários segmentos.
Se escravos e libertos não possuíam a condição de cidadania, como explicar que tais seguimentos participassem, arrolando-se ao exército farroupilha? Para poder manter seus contingentes de soldados, numa guerra que se prolongava, os farrapos passaram a recrutar os escravos, aos quais ofereciam liberdade em troca do serviço militar. Um dos maiores estudiosos da Revolução Farroupilha, o historiador Moacyr Flores, é categórico ao afirmar: “Em nenhum momento os republicanos libertaram seus escravos.” Muitos escravos aceitavam lutar na guerra na perspectiva de fugir, durante um combate, para o Uruguai, onde a escravidão já havia sido abolida. Entretanto, nem todos os trabalhadores escravizados aceitaram arriscar suas vidas, apesar da infame situação no cativeiro.
O recrutamento dos trabalhadores escravizados ocorreu entre negros campeiros, possivelmente entre outros, das Serras de Tapes e do Herval (Canguçu, Piratini, Caçapava, Encruzilhada, Arroio Grande.).
Muitos fazendeiros, na tentativa de se livrarem, bem como a seus filhos, do recrutamento, terminavam por liberar em seu lugar alguns negros para substituí-los. Numa guerra se mata e se morre e, ao que parece, muitos fazendeiros não tinham interesse em arriscar suas vidas nem a de seus filhos, numa guerra onde o foco era a defesa dos interesses de um grupo reduzido.
Quando os rebeldes farroupilhas invadiram Pelotas, em 1836, incorporaram em suas lides cerca de 400 escravos. O primeiro a defender a criação de um Corpo de Lanceiros Negros no exército farroupilha teria sido o major João Manuel de Lima e Silva, exatamente após a invasão de Pelotas . João Manuel veio para o Rio Grande do Sul, no início de 1830, como uma punição, por nutrir idéias republicanas. Era oriundo de uma família de militares fluminenses, tendo por irmão mais velho Francisco, pai de Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que em 1842 viria para o Rio Grande do Sul, por ordem de D. Pedro II, para “pacificar” a Província.
Vinculando-se aos rebeldes republicanos rio-grandenses, João Manuel recebeu a patente de general no exército farroupilha. Após a formação do primeiro Corpo de Lanceiros, em 1836, o comando direto foi entregue ao Coronel Joaquim Pedro Soares, compadre do general Netto. Os lanceiros negros, eram assim denominados por carregarem uma lança de madeira de três metros de comprimento, atuando na “linha de frente”. Combatiam tanto a pé como a cavalo, fazendo, segundo o relato de Garibaldi, enorme gritaria.
Os lanceiros eram também habilidosos no uso da adaga e facão. Suas roupas eram simples: camisa e calça curta de algodão, um colete de couro protegendo o troco e sandálias de couro cru. Os detalhes do recrutamento são oferecidos pelo jornal oficial da república, O Povo, de 20 de abril de 1838, manifestando um decreto do Presidente Bento Gonçalves da Silva. Nele informa-se que os recrutas eram selecionados conforme a cor da pele, a instrução – pois os que sabiam ler e escrever eram destinados à artilharia – a educação e os bens. Os negros mais ágeis eram arrolados no Corpo de Lanceiros de primeira linha, a cavalaria, enquanto que os demais ingressavam na infantaria. O 2º. Corpo de Lanceiros foi formado em 31 de agosto de 1838 e contava com 426 combatentes. Nos dois corpos de lanceiros negros os oficiais eram brancos.
Na medida em que a guerra avançava, a importância dos lanceiros tornava-se mais evidente, como na ocupação a Rio Pardo em 1838, no ataque a Laguna, em 1839, e na invasão de Lages em 1840. Possuíam grande habilidade para atacar o inimigo de surpresa, sendo obrigados a desempenharem as ações mais arriscadas.
O que levou – diante da visível importância do negro no exército farroupilha – a sua traição na infame madrugada de 14 de novembro de 1844? A partir de 1840, com o governo de D. Pedro II, parece ter havido uma preocupação maior com os negros combatentes. O que fazer com esses combatentes quando a guerra chegasse ao seu final? Certamente, tal preocupação invadia também alguns líderes farroupilhas, pois existia a promessa de liberdade aos cativos que houvessem lutado ao seu lado. Todavia, o cumprimento dessa promessa não fazia parte de seus planos, o que deixava ainda um problema a resolver: caso os combatentes negros não ganhassem liberdade, haveria certamente uma onda de revoltas, por parte destes, que comprometeria o próprio sistema escravista num Rio Grande do Sul já profundamente debilitado com a guerra.
Após o fim da Balaiada, em 1841, o governo do Império voltou seu interesse para o extremo sul do Brasil, preocupando-se, agora, em por fim à longa guerra civil que permeava a Província sulina. Na prática, havia o interesse geopolítico na região do Prata e a preocupação com o crescente poder do caudilho argentino Rosas. Portanto, havia a urgente necessidade de apaziguar o Sul, mesmo porque, o Império sentia a necessidade de contar com o apoio dos chefes militares da Província, uma vez que o Rio Grande faz fronteira com a Argentina. A Província estava fortemente abalada economicamente, o exército farroupilha experimentava várias baixas, sobretudo a partir da chegada das forças imperiais comandadas por Caxias, em 1842. Havia, portanto, o interesse de ambas as partes em por fim à guerra.
A própria maçonaria, que havia ajudado Bento Gonçalves a fugir da Fortaleza do Mar, quando esteve preso na Bahia, agora atuava como uma mediadora nas negociações de paz. Houve várias tentativas de se chegar a um acordo com os rebeldes, mas – segundo Flores – batiam na intransigência de Bento Gonçalves que desejava a Federação e a manutenção da liberdade dos negros libertos que haviam lutado nas lides farroupilhas.
Entre 1840 e 1841, emissários de Bento Gonçalves, Manuel Alves da Silva Caldeira e José Pinheiro de Ulhoa, foram recebidos pelo Presidente da Província, Francisco Alves Machado, para tratarem as condições de paz. O grupo de Bento Gonçalves exigia, entre outras coisas, que todos os oficiais rebeldes devessem ser aceitos nos mesmos postos do exército imperial, a dívida pública da República fosse reconhecida pelo governo Central, os escravos que lutaram ao lado dos republicanos fossem considerados livres, as viúvas de oficiais recebessem uma pensão e os “rio-grandenses” indicassem os dois primeiros presidentes da província.
O ponto de divergência, no entanto, residia sobre o destino dos negros combatentes. Estes, deveriam ser entregues ao governo para o trabalho nas fazendas. E se seus proprietários, apresentassem documentos de posse dos escravos, receberiam a devida indenização. Afirmava-se que a idéia ampla de anistia não poderia contemplar os soldados negros pois não eram considerados cidadãos nem do Império e nem da extinta República Rio-Grandense.
Diante de seu posicionamento inflexível, Bento Gonçalves é afastado das negociações pelo barão de Caxias, que passou a se corresponder com o general David Canabarro. Para Flores, Caxias não tinha o poder de conceder liberdade aos soldados negros, pois: “...suas instruções limitavam-se à concessão de anistia, mediante pedido formal dos rebeldes.” O pedido foi formalizado pelo grupo de Canabarro que teve o cuidado de ocultar a concessão de anistia e a entrega dos soldados negros ao império.
É fato marcante a correspondência reservadíssima, enviada pelo barão de Caxias ao coronel Francisco Pedro de Abreu, comandante da 8ª. brigada do Exército Imperial, datada de 9 de novembro de 1844.
"Ilmo. Sr. Regule V. Sa. Suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar a força ao mando de Canabarro, que estará nesse dia no cerro dos Porongos. (...) No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. (...) Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos, pois V. Sa bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província." [do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 7. CV. 3730.]
O saldo desse ataque foi a prisão de 280 homens de infantaria e 100 soldados negros massacrados, ou seja, a totalidade dos soldados negros presentes naquele acampamento. Conforme anotou Flores, em 4.2.1845, o barão de Caxias informava ao ministro da guerra, Jerônimo Francisco Coelho, que Canabarro havia prometido mandar entregar todos os escravos que ainda conservavam armas.
O próprio Bento Gonçalves criticou os acontecimentos de Porongos
"Foi com a maior dor que recebi a notícia da surpresa que sofreram o dia 14 deste! Quem tal coisa esperaria... por uma massa de infantaria cujos caminhos indispensáveis por onde tinha de avançar eram tão visíveis que só poderiam ser ignorados por quem não quisesse ver nem ouvir, ou por quem só quisesse ouvir a traidores talvez comprados por o inimigo... Perder batalhas é dos capitães, e ninguém pode estar livre disso; mas dirigir uma massa e prepará-la para sofrer uma surpresa semelhante é ser desfeita sem a menor resistência, é só dá incapacidade, e da inaptidão e covardia do homem que assim se conduz..." [Coletânea de documentos de Bento Gonçalves da Silva. 1835/1845. Porto Alegre, 1985. p. 256. In. ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. Os Negros Farroupilhas e o Massacre de Porongos. Anais do I Simpósio Internacional do Litoral Norte sobre História e Cultura Negra. Osório: Facos, p. 117..]
Bento Gonçalves, entretanto, não foi o único que posicionou-se contrariamente à traição de Canabarro. Manuel Alves da Silva Caldeira, que havia sido sargento farroupilha em um dos Corpos de Lanceiros Negros, ainda vivo no final do século XIX, escreveu uma carta ao jornalista pelotense Alfredo Ferreira Rodrigues sustentando que Canabarro havia entregado os soldados negros para Moringue. Sua carta foi publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em 1927. As denúncias de Caldeira reforçam a carta de Caxias a Chico Pedro: “...Canabarro, de combinação com Caxias e Moringue, deu entrada a Moringue em seu acampamento, para derrotar a força comandada pelo General Netto que estava acampada em lugar que ficou livre do ataque.” Para ele o acontecido na noite de 14/11/1844 havia sido programado: “Surpresa não, foi uma traição que Canabarro fez.” [Carta de Caldeira a Rodrigues. In. HASSE, Geraldo. KOLLING, Guilherme. Lanceiros Negros. Porto Alegre: Já Editores, 2005. p. 71-74..]
Caldeiras também enviou correspondência, em 1º. de dezembro de 1898, ao historiador Alfredo Varela:
"É com viva satisfação que lanço mão da minha grossa pena para saber notícias suas e agradecer-lhe o presente que me fez do Livro 1º. Da História da Revolução de 1835 escrita pelo Sr. Narrando os fatos conforme eles se deram. Araripe diz que Canabarro foi surpreendido nos Porongos. Assis Brasil, navegando nas águas do batel carregado de mentiras do Araripe, diz o mesmo, e o Sr. Alfredo Ferreira Rodrigues também segue a opinião deles, inocentando o Canabarro pela traição que fez em Porongos. Forjem os documentos que quiserem para defender Canabarro que não conseguirão salvá-lo. Junto remeto os apontamentos que pediu-me referentes à minha pessoa durante a revolução de 35." [Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 5. CV. 3102.]
A suposta dúvida sobre a autenticidade do documento em que Caxias acerta os detalhes do ataque a Porongos, com o Coronel Francisco Pedro de Abreu, parece não passar, na prática, de uma mera e natural desconfiança daqueles que se recusam, ou não desejam, dar visibilidade às contradições dessa guerra. Caldeiras, que havia servido na Guarda Nacional e depois no 1º. Corpo de Lanceiros até o final da guerra, afirma que Canabarro havia sido, inclusive, avisado sobre a presença de Francisco Pedro de Abreu nas imediações, sem – no entanto – demonstrar maior preocupação.
A guerra dos farrapos, finalizava, assim, um decênio inglório, permeado de conflitos internos ao próprio movimento rebelde, uma vez que a própria pacificação foi conquistada por um acordo infame, que distancia o movimento republicano de 1835 daquela representação mormente formatada pelo imaginário popular dos “grandes heróis”. Canabarro, apesar das diversas cartas de Domingos José de Almeida, lhe exigindo uma posição sobre o ocorrido, jamais se posicionou, afirmando que esperaria uma resposta de Caxias.
Os soldados negros que sobreviveram, foram aprisionados pelo Império e seguiram para o Rio de Janeiro. Porongos, durante muito tempo, permaneceu um assunto intocado, pois, na verdade, tratava-se de remexer num fato que expunha as vísceras cruéis não somente de dois vultosos personagens da história oficial (Canabarro e Caxias), mas também porque o desvelamento do episódio de Porongos ensejaria toda uma revisão do sentido histórico da Revolução Farroupilha.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Jerri Roberto Santos de. Heróis de Papel: As representações sobre a Revolução Farroupilha na Literatura. Porto Alegre: Alcance, 2007. p. 79.
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. 7. CV. 3730/ Vol. 5. CV. 3102.
FLORES, Moacyr. Negros na Revolução Farroupilha. Traição em Porongos e Farsa em Ponche Verde. Porto Alegre: EST, 2004. p. 56-57.
FLORES, Moacyr. A Revolução Farroupilha. 3ª. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1998, P. 22-25.
LEITMAN, Spencer L. Negros Farrapos: hipocrisia racial no sul do Brasil no séc. XIX. In. DACANAL, José Hildebrando. (Org.) A Revolução Farroupilha: História & Interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p. 64.
HASSE, Geraldo. KOLLING, Guilherme. Lanceiros Negros. Porto Alegre: Já Editores, 2005. p. 45.
PADOIN, Maria Medianeira. A Revolução Farroupilha. In. PICCOLO, Helga L. Landgraf. PADOIN, Maria Medianeira Padoin (Direção) História Geral do Rio Grande do Sul. Vol. 2 – IMPÉRIO. Passo Fundo: Méritos, 2006. p. 39-70.
Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. Título 2, Art. 6º.
Idem. Capítulo 7º. Art. 92/93.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
ENTREVISTA COM JERRI ALMEIDA - Parte 1
“Esse é um momento muito importante de nossas vidas, onde estamos nos ensaiando para os valores da alma, buscando bem administrar os do corpo.”
O escritor Jerri Roberto Almeida relata a sua experiência como professor, expositor e colaborador da Federação Espírita do Rio Grande do Sul. Com graduação em História e pós-graduação em Diálogos entre História e Literatura do RS, utilizou-se de sua experiência no contato humano para desenvolver os temas de seus oportunos livros.
O Consolador: Como conheceu o Espiritismo?
Ainda jovem, era frequentador de palestras na Sociedade Espírita Amor e Caridade, em Osório, no RS. Logo depois passei a integrar o grupo de jovens espíritas. Com o tempo entrei no ESDE, passei a fazer palestras e a coordenar grupos de estudo.
O Consolador: Quais as atividades que você desempenha no Centro Espírita?
Colaboro no Atendimento Fraterno, coordeno grupo de estudos e realizo palestras.
O Consolador: Cargos já exercidos no movimento espírita ou atualmente exercendo:
Fui diretor e presidente da antiga União Municipal Espírita de Santo Antônio da Patrulha, órgão unificador da 10ª. Região Federativa, que compreende o Litoral Norte do RS. Desde o início dos anos 90, faço parte do grupo de expositores da FERGS. Assumi o cargo de presidente da Sociedade Espírita Amor e Caridade por 2 mandatos.
O Consolador: Tem artigos publicados?
Sim, tenho vários artigos publicados no jornal Diálogo Espírita e na revista A Reencarnação, ambos órgão de divulgação da Federação Espírita do RGS.
O Consolador: No Movimento Espírita você é muito solicitado como palestrante para seminários e palestras, tanto para trabalhadores como para o público. Quais temas prefere abordar e como sente a repercussão destas atividades?
Tenho viajado pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina realizando palestras e, principalmente, seminários para o público em geral. Os temas que venho me dedicando, desde vários anos, primam por questões relacionais, onde buscamos a contribuição do espiritismo, num constante diálogo com outras áreas do conhecimento, para discutir temas como: Convivência, Amor, Família, Felicidade, Autoconhecimento....
O Consolador: Quais os títulos de seus livros publicados?
Filosofia da Convivência e O Desafio da Felicidade: em um mundo em transformação.
O Consolador: Qual a repercussão de seus livros? Alguma situação em especial que gostaria de compartilhar?
Os livros, por abordarem questões que envolvem o universo relacional e emocional da criatura humana, têm sido bem recebidos. Participo de feiras de livros e programas de rádio onde os questionamentos, de participantes e ouvintes, retomam os dilemas existenciais do Espírito humano, numa busca constante por paz e felicidade.
O Consolador: Fale-nos da motivação para abordar temas como a filosofia da convivência.
A motivação partiu, naturalmente, dos próprios desafios ensejados pelo ato de conviver. Na segunda Semana Espírita de Torres/RS, lá na metade dos anos 90, realizei uma palestra intitulada: Os sete códigos da convivência. A abordagem desse tema chamou muito a atenção das pessoas, houve muito interesse pelo assunto. O retorno foi tão interessante que, com o tempo, passei a nutrir a idéia de aprofundar essa temática. Surgiu o Filosofia da Convivência.
O Consolador: Que lições têm a relatar de sua vivência espírita?
A grande experiência que a tarefa espírita nos enseja, e que as lições nos oportunizam, é a da conquista sobre si mesmo. É necessário compreendermos que o amor não é uma metáfora religiosa, mas uma proposta de vida em plenitude que devemos, pelo esforço, vivenciar em nossas famílias e nas Instituições Espíritas. Noto, salvo engano, que nas Sociedades Espíritas, de forma geral, ainda a fraternidade é muito acanhada e o amor um discurso. A lição que tenho buscado aprender é que precisamos amar, nos conhecendo melhor. Uma vez que somente posso mudar o que já vejo em mim.
Fonte: www.oconsolador.com.br
O escritor Jerri Roberto Almeida relata a sua experiência como professor, expositor e colaborador da Federação Espírita do Rio Grande do Sul. Com graduação em História e pós-graduação em Diálogos entre História e Literatura do RS, utilizou-se de sua experiência no contato humano para desenvolver os temas de seus oportunos livros.
O Consolador: Como conheceu o Espiritismo?
Ainda jovem, era frequentador de palestras na Sociedade Espírita Amor e Caridade, em Osório, no RS. Logo depois passei a integrar o grupo de jovens espíritas. Com o tempo entrei no ESDE, passei a fazer palestras e a coordenar grupos de estudo.
O Consolador: Quais as atividades que você desempenha no Centro Espírita?
Colaboro no Atendimento Fraterno, coordeno grupo de estudos e realizo palestras.
O Consolador: Cargos já exercidos no movimento espírita ou atualmente exercendo:
Fui diretor e presidente da antiga União Municipal Espírita de Santo Antônio da Patrulha, órgão unificador da 10ª. Região Federativa, que compreende o Litoral Norte do RS. Desde o início dos anos 90, faço parte do grupo de expositores da FERGS. Assumi o cargo de presidente da Sociedade Espírita Amor e Caridade por 2 mandatos.
O Consolador: Tem artigos publicados?
Sim, tenho vários artigos publicados no jornal Diálogo Espírita e na revista A Reencarnação, ambos órgão de divulgação da Federação Espírita do RGS.
O Consolador: No Movimento Espírita você é muito solicitado como palestrante para seminários e palestras, tanto para trabalhadores como para o público. Quais temas prefere abordar e como sente a repercussão destas atividades?
Tenho viajado pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina realizando palestras e, principalmente, seminários para o público em geral. Os temas que venho me dedicando, desde vários anos, primam por questões relacionais, onde buscamos a contribuição do espiritismo, num constante diálogo com outras áreas do conhecimento, para discutir temas como: Convivência, Amor, Família, Felicidade, Autoconhecimento....
O Consolador: Quais os títulos de seus livros publicados?
Filosofia da Convivência e O Desafio da Felicidade: em um mundo em transformação.
O Consolador: Qual a repercussão de seus livros? Alguma situação em especial que gostaria de compartilhar?
Os livros, por abordarem questões que envolvem o universo relacional e emocional da criatura humana, têm sido bem recebidos. Participo de feiras de livros e programas de rádio onde os questionamentos, de participantes e ouvintes, retomam os dilemas existenciais do Espírito humano, numa busca constante por paz e felicidade.
O Consolador: Fale-nos da motivação para abordar temas como a filosofia da convivência.
A motivação partiu, naturalmente, dos próprios desafios ensejados pelo ato de conviver. Na segunda Semana Espírita de Torres/RS, lá na metade dos anos 90, realizei uma palestra intitulada: Os sete códigos da convivência. A abordagem desse tema chamou muito a atenção das pessoas, houve muito interesse pelo assunto. O retorno foi tão interessante que, com o tempo, passei a nutrir a idéia de aprofundar essa temática. Surgiu o Filosofia da Convivência.
O Consolador: Que lições têm a relatar de sua vivência espírita?
A grande experiência que a tarefa espírita nos enseja, e que as lições nos oportunizam, é a da conquista sobre si mesmo. É necessário compreendermos que o amor não é uma metáfora religiosa, mas uma proposta de vida em plenitude que devemos, pelo esforço, vivenciar em nossas famílias e nas Instituições Espíritas. Noto, salvo engano, que nas Sociedades Espíritas, de forma geral, ainda a fraternidade é muito acanhada e o amor um discurso. A lição que tenho buscado aprender é que precisamos amar, nos conhecendo melhor. Uma vez que somente posso mudar o que já vejo em mim.
Fonte: www.oconsolador.com.br
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
ESPIRITISMO E POLÍTICA
Embora se preocupe diretamente com o melhoramento ético e moral do homem, o pensamento espírita não se exime de analisar a dimensão política da vida em sociedade. Allan Kardec, quando tratou dos fins e formação das Sociedades espíritas, no Capítulo 30 Art. 1º. de O Livro dos Médiuns, advertiu que as “questões políticas” deveriam delas se manter afastadas. A preocupação de Kardec era certamente pertinente, considerando-se que as Instituições espíritas jamais devem assumir posicionamento político-ideológico ou político-partidário. Nesse sentido, podemos considerar que não há uma aproximação direta entre Espiritismo e política.
Léon Denis foi enfático ao considerar: “A influência do Espiritismo no progresso da sociedade se processa, não no estímulo à luta de classe, mas no campo íntimo, ampliando os horizontes sobre a natureza humana e sua destinação.” As relações com o poder temporal fizeram, historicamente, muitas instituições religiosas respeitáveis tombarem ante seus fins mais profundos.
Mas o ser humano, diante das contingências evolutivas da Terra, é, na definição de Aristóteles, um “animal político”. No plano da individualidade, o espírita é alguém que está inserido na sociedade e que, portanto, como todo cidadão, possui responsabilidades com sua formação política, mesmo que não necessariamente partidária. Platão já dizia que, mesmo que o indivíduo não goste da política, será governado por políticos. Não devemos como cidadãos e, espíritas em particular, assumirmos uma postura de simples “indiferença” ao universo político que nos envolve.
Há uma problemática histórica no Brasil, onde o povo foi afastado das decisões, posto como um mero expectador das relações de poder. A sociedade brasileira viveu uma experiência democrática muito reduzida. Isso distanciou o indivíduo de seu protagonismo social, alienando-o das decisões políticas. No final dos anos 80, retomamos uma via democrática fundamental para o exercício das eleições e das escolhas que instituem uma sociedade mais horizontalizada.
A democracia, no dizer do saudoso professor Deolindo Amorim, é o regime que melhor corresponde à índole da Doutrina Espírita, pois a estrutura filosófica do Espiritismo não se adapta a nenhuma forma de poder totalitário. Afirmando, ainda, que: “A democracia é regime de conciliação, de equilíbrio, porque repele instintivamente qualquer hegemonia e permite a participação de todos no progresso comum, sem distinção de classes.”
Fazer escolhas e opções faz parte determinante de nossa caminhada evolutiva. É nesse sentido que enquadra-se o pensamento aristotélico do “ser político”. A noção de “maturidade humana” engloba as responsabilidades inerentes aos papéis sociais. Ser cidadão é um desses papéis.
Obs. Artigo escrito para o Jornal Diálogo Espírita
Referências citadas no texto
DENIS. Léon. Socialismo e Espiritismo. 2ª ed. Matão-SP: Casa Editora O Clarim, 1987.
AMORIM, Deolindo. Análises Espíritas. FEB. Cap. 19. Pág. 107.
Léon Denis foi enfático ao considerar: “A influência do Espiritismo no progresso da sociedade se processa, não no estímulo à luta de classe, mas no campo íntimo, ampliando os horizontes sobre a natureza humana e sua destinação.” As relações com o poder temporal fizeram, historicamente, muitas instituições religiosas respeitáveis tombarem ante seus fins mais profundos.
Mas o ser humano, diante das contingências evolutivas da Terra, é, na definição de Aristóteles, um “animal político”. No plano da individualidade, o espírita é alguém que está inserido na sociedade e que, portanto, como todo cidadão, possui responsabilidades com sua formação política, mesmo que não necessariamente partidária. Platão já dizia que, mesmo que o indivíduo não goste da política, será governado por políticos. Não devemos como cidadãos e, espíritas em particular, assumirmos uma postura de simples “indiferença” ao universo político que nos envolve.
Há uma problemática histórica no Brasil, onde o povo foi afastado das decisões, posto como um mero expectador das relações de poder. A sociedade brasileira viveu uma experiência democrática muito reduzida. Isso distanciou o indivíduo de seu protagonismo social, alienando-o das decisões políticas. No final dos anos 80, retomamos uma via democrática fundamental para o exercício das eleições e das escolhas que instituem uma sociedade mais horizontalizada.
A democracia, no dizer do saudoso professor Deolindo Amorim, é o regime que melhor corresponde à índole da Doutrina Espírita, pois a estrutura filosófica do Espiritismo não se adapta a nenhuma forma de poder totalitário. Afirmando, ainda, que: “A democracia é regime de conciliação, de equilíbrio, porque repele instintivamente qualquer hegemonia e permite a participação de todos no progresso comum, sem distinção de classes.”
Fazer escolhas e opções faz parte determinante de nossa caminhada evolutiva. É nesse sentido que enquadra-se o pensamento aristotélico do “ser político”. A noção de “maturidade humana” engloba as responsabilidades inerentes aos papéis sociais. Ser cidadão é um desses papéis.
Obs. Artigo escrito para o Jornal Diálogo Espírita
Referências citadas no texto
DENIS. Léon. Socialismo e Espiritismo. 2ª ed. Matão-SP: Casa Editora O Clarim, 1987.
AMORIM, Deolindo. Análises Espíritas. FEB. Cap. 19. Pág. 107.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
OS SIGNIFICADOS DA MORTE
Ao longo de seu processo histórico o homem passou a significar, em diversas manifestações socioculturais, o seu relacionamento com a morte. A ideia de sua finitude biológica levou-o, com maior ou menor consciência, a estabelecer – desde tempos remotos – significados a esse acontecimento inexorável. A necessidade do ser humano compreender a morte ensejou a criação de mitos, rituais funerários, modelos teóricos explicativos de sua temporalidade biológica, etc. Da mesma intensidade com que procurou compreendê-la, o homem vem lutando contra ela. O medo do desconhecido gera insegurança, devido ao instinto de conservação. Da insegurança ou esperança, do confronto com essa realidade, nasceram religiões e filosofias que estimularam o homem à reflexão sobre si mesmo.
Primeiros significados
A prática de enterrar os mortos, segundo Edgar Morin, conforme conhecemos, começou com o Homem de Neandertal. Não raro, encontrava-se o morto em posição fetal, o que sugere uma crença no seu renascimento. Adotou-se, também, a prática de abrir cavidade nas rochas, onde os corpos eram colocados de cócoras e coberto de pedras. Junto ao corpo eram depositado seus objetos pessoais e alimentos. Segundo Chiavenato pesquisadores do Museu do Homem de Paris, teriam descoberto em uma sepultura de 60 mil anos, referente ao homem de Shanidar, grãos de pólen espalhados ao redor dos fósseis. Diante de tal descoberta, concluiu-se sobre a importância dos rituais mortuários nesses grupamentos tribais.
Mais tarde, já com o Homem de Cro-Magnon, encontrou-se corpos esticados na posição horizontal de costas para baixo, ou em posição fetal. No Mesolítico, época dos últimos caçadores e coletores, as sepulturas passam a ser ovais e pouco profundas, sendo mais comuns as sepulturas coletivas, onde identificou-se, também, indícios de oferendas ou rituais funerários. Quais os significados que esses homens ancestrais teriam dado à morte? Difícil afirmar. Todavia, surge a necessidade de cultuar os mortos e, ao mesmo tempo, salvaguardar os vivos. Isso ocorre através de rituais que visavam agradar os deuses, na esperança de proteção. O sentimento religioso surge, portanto, associado a ideia do temor. E o temor será a base dos estímulos religiosos para a conduta humana nas diversas sociedades, principalmente, Antiga e Medieval.
A civilização do Nilo, por sua vez, atribuía à morte uma dimensão metafísica. Em O Livro dos Mortos, provavelmente com origem na V Dinastia (2.345 a.C.) os egípcios buscavam indicações sobre a passagem do morto pelas diversas etapas em sua jornada pós-morte. Os rituais mortuários no antigo Egito, tipificavam a morte como uma continuação da vida. Daí a necessidade da preservação do corpo (privilégio, normalmente, da nobreza) para que o espírito a ele retornasse, após sua jornada pelo mundo dos mortos. Atribuiu-se tal importância à morte que quarenta e cinco séculos antes de Cristo, na mitologia egípcia, Anúbis ou Anpu, era o deus da morte, presidindo o embalsamamento e o sepultamento. Acreditava-se que o corpo devia ser conservado para permitir a sobrevivência do duplo (Ka), uma espécie de matéria vaporosa e colorida que adotava a forma do corpo e do espírito. O espírito ou alma (Ba), por sua vez, era representado por uma chama ou um pássaro que voaria na direção da luz ou acompanharia o seu sepultamento.
Bem se percebe que a idéia da imortalidade da alma, do períspirito e da reencarnação, fazia parte da cultura religiosa, não só dos egípcios, mas de grande parte dos povos da Antiguidade. Nesse sentido, a morte personificava, no Egito, não somente a imortalidade da alma, mas, também, a “imortalidade do corpo”. A morte não era vista como “fim”, mas como um processo, imanente e transcendente à existência corporal. Entretanto, o destino da alma estava subordinado ao comportamento do morto, enquanto vivo.
O nascimento da morte
Segundo Long , a inevitabilidade da morte na mitologia hindu, pode ser bem compreendida em uma interessante narrativa do Mahabharata, onde um sábio tenta amenizar o sofrimento de alguém que acabou de perder uma pessoa querida, contando-lhe uma fábula sobre a origem da morte. Segundo a história, Brahmã criou tantos seres que a Terra começou a ficar cheia a ponto de não haver mais lugar para respirar. Nessa época a morte não existia. Nasciam multidões de criaturas mas ninguém morria. Como resultado, a Mãe Terra começou a sentir-se tão sobrecarregada com o excessivo número de pessoas que suplicou que Brahmã lhe aliviasse a “carga”. Ele conteve um pouco de sua energia criadora a fim de prover tanto a criação quanto a destruição. Com isso, Brahmã dá origem a uma mulher em túnica escarlate, olhos de intensa luz vermelha, a quem denomina “morte”. Sua missão seria a de “retirar” da Terra, a seu devido tempo, todos os seres humanos. Todavia, a morte negou-se a tal tarefa, receando, naturalmente, a ira dos parentes diante da ausência de seus afetos. A morte afastou-se então da Terra, para levar uma vida ascética. Entretanto, Brahmã voltou a persuadi-la para que executasse seu dever. Finalmente, transformou as lágrimas de sofrimento da morte em moléstias, instrumentos para remover os seres da Terra.
A história é finalizada com um ensino moral: “Sabendo que a morte chega para todos, a pessoa não deveria sofrer. Pois tal como os cinco sentidos desaparecem quando a pessoa dorme profundamente, e depois voltam à vida quando a pessoa acorda, assim também, de modo semelhante, as criaturas que morrem vão deste mundo para outro, e depois voltam para aqui novamente, no seu devido tempo.”
Ora, o criador não poderia destruir sua própria criação! Encontrou meios de evitar uma super população na Terra, não destruindo, mas “removendo” para outros planos da vida, as criaturas humanas. A morte, nessa fábula, representa o princípio do equilíbrio, sem o qual a vida humana na Terra seria asfixiada. É uma benção, não uma desgraça. Para alguns historiadores, entretanto, o temor da morte seria gerado pelo desenvolvimento das idéias religiosas. Os ensinos de um castigo a pós a morte para aqueles que não agiram nessa vida de forma adequada fomentaria, em diversas culturas, o medo da morte pelo que se enfrentaria depois: dores infernais, castigos eternos....
Romantismo e Realismo
O século XIX, segundo Ariès, havia na Europa uma certa visão romântica da morte. Entretanto, essa relação com o imaginário sobre a morte passou, em seguida, para o plano dos fatos cientificamente analisados. Deve-se a Allan Kardec uma visão nova da morte no Ocidente. Sob suas incursões investigativas, desvelou-se uma nova atitude do homem diante da morte. Sem analisá-la de forma simplista ou misteriosa, Kardec no-la apresenta como um mecanismo da vida, ensejando ao espírito encarnado o seu natural retorno à pátria de origem.
Parece-nos que o termo “realismo” define bem o significado espírita da morte. Esse realismo espiritual, pouco a pouco, se afirma como princípio universal, onde todas significações religiosas e filosóficas convergiram num admirável sincronismo onde a morte, passará, definitivamente, a responder pela continuidade da vida, ensejando ao homem bases mais seguras para suas vivências e experiências na Terra.
BIBIIOGRAFIA CITADA
MORIN, Edgar. O Enigma do Homem. São Paulo, Circulo do Livro. 1973. 3ª Parte, Cap. 1, Página 107
CHIAVENATO, Júlio José. A morte: uma abordagem sociocultural. São Paulo, Moderna, 1998. Página 13
JULIEN, Nadia. Minidicionário Compacto de Mitologia. 1ª ed. São Paulo, Rideel, 2002. Páginas 38, 259, 260.
LONG, J. Bruce. Phd. A Morte que termina com a morte no Hinduísmo e no Budismo. In. Morte Estágio Final da Evolução. Elisabeth K. Ross. Nova Era.
ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. Tradução: Priscila Viana. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.
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