sexta-feira, 11 de março de 2011

A VIOLÊNCIA ESTÚPIDA

A comunidade de Osório está espantada com a morte absurda do jovem boxeador Tairone Silva, no início da tarde de sexta, dia 11 de março. A violência, quando protagonizada por bandidos "comuns" já faz parte do cotidiano e, portanto, passa até desapercebida. No entanto, quando essa mesma violência, cruel e bestial, é praticada por alguém  - um policial militar - que é pago por todos nós, cidadãos, para proteger essa própria sociedade que o sustenta, então o espanto naturalmente se reveste de uma indignação muito maior. 
Infelizmente ainda vivemos dias calamitosos, onde muitos indivíduos, pretensamente civilizados, assumem a bestialidade da fera, cometendo atrocidades de todo o tipo sob o véu de um sentimento de onipotência, respaudado numa ideia de impunidade. 
Seria, certamente, justo que o indivíduo - agente da lei - que comete um crime, seja muito mais culpabilizado do que um habitual criminoso comum. Na verdade, o código penal brasileiro necessita ser urgentemente revisto e atualizado para penas mais rígidas, menos tolerântes com o criminoso que, ao invés de aguardar em liberdade, deveria ser sumariamente detido, sem privilégios. A vida está, infelizmente, banalizada sob o império calopante do crime e da impunidade. Será que os "direitos humanos" estão se mobilizando para prestar assistência para os familiares do jovem vitimado?
Por mais que alguém busque saber os "motivos" para tal ato, isso será sempre inócuo. Na prática, não existem motivos suficientemente plausíveis para justificar qualquer ato de assassinato. Esperamos, sinceramente, que a justiça seja aplicada, no mínimo, de forma eficaz, e sem subterfúgios corporativistas.

domingo, 6 de março de 2011

O ESCÂNDALO GREGO


O filósofo francês contemporâneo Luc Ferry, que recentemente ocupou o cargo de ministro da educação na França, em seu livro: “Aprender a viver – Filosofia para os novos tempos”(Objetiva, 2006), discute com muita propriedade a relação entre o pensamento grego e o cristianismo. Alguns aspectos levantados por ele serão objeto de nossa reflexão nessa postagem e na próxima. Primeiramente, vamos analisar seus argumentos na discussão sobre a construção do pensamento teológico que situa o Cristo como sendo a encarnação da divindade, e seus limites conceituais perante a filosofia grega. Logo depois, irá nos interessar a ideia do valor moral, apresentado pelo cristianismo na configuração dos princípios, retomados pela modernidade, de igualdade e democracia.
Para Ferry, seria um grande escândalo para o pensamento grego, a tese da “encarnação do divino” na individualidade do Cristo. Isso representaria, para eles, a ideia absurda da “encarnação do logos”, ou seja, aquilo que designava para os estóicos e outros filósofos a ordem “lógica” do mundo, a ordem bela e boa do universo. Assim, o termo “logos” do grego, será traduzido ou substituído nos Evangelhos pela palavra “Verbo”. Para os gregos, supor que o Cristo seria o “logos” ou a “encarnação do Verbo” seria um delírio, um absurdo, pois seria atribuir o caráter de “divindade” a um único Ser humano, mesmo com seus méritos.
O que está em discussão, na verdade, é toda uma concepção construída por certos segmentos do cristianismo nascente e pelos primeiros teólogos, posteriormente, sobre a noção de “salvação”. Em seu Evangelho, João assevera: “No princípio era o Verbo [logos], e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito.” Até esse ponto, comenta Ferry, os gregos e a afirmativa de João seguem uma mesma ideia, de que o logos e o divino são uma mesma realidade. Todavia, segue o Evangelista, complicando tudo: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória...”. O “divino” tornou-se homem, ou seja, Cristo encarnou a figura do “Homem-Deus”. Essa concepção iria se contrapor ao racionalismo que estava no centro do pensamento grego, apresentando a civilização européia, principalmente a partir do século IV, a noção de “salvação” vinculada a contemplação do divino e a confiança depositada, não em alguém comum, mas em um “homem-Deus”. Com isso, os “milagres” realizados por Ele fortaleceram, no povo, a confiança (fé) Nele.
A partir dessa lógica construída, não se trata mais de pensar por si mesmo, mas de, simplesmente, acreditar e confiar no Outro, ou seja, em Cristo. O processo de evolução já não depende mais do próprio sujeito, mas de alguém. Por essa lógica, os homens são convidados a abdicar da razão para se tornarem “fiéis” e submissos (sinônimo de “humildade”) que coloca a razão “serva da religião”. Sendo assim, a “verdade” não é uma construção humana, mas uma “revelação” inquestionável, normalmente, transmitida pela palavra de um profeta ou messias. Essa “verdade”, portanto, não deve ser objeto de análise ou crítica mas, simplesmente, de “adesão” ou crença.
Seguindo esse pensamento, a noção de “salvação” tornou-se algo que vem de fora, a doutrina da Salvação por Outro, assumida pela Igreja – pois com a morte de Cristo alguém tinha que tomar para si a sua representação – “herdeira natural” da autoridade divina. O pensamento cristão pós-Jesus, tornou-se dogmático e depositário dos interesses dominantes. Nesse quadro intelectual muito pouco sobrou para o exercício da reflexão e da razão. Todavia, Luc Ferry alerta que apesar desse ostracismo mental:

O Cristo sempre se exprime por símbolos e parábolas. Ora, sobretudo elas devem ser interpretadas, se quisermos absorver-lhe o sentido mais profundo. As parábolas do Cristo, mesmo tendo a particularidade, como as lendas orais e os contos de fadas, de falar para todos, não deixam de exigir um esforço de reflexão e de inteligência para que se consiga empreendê-las em profundidade. (p. 87-88)


Mesmo considerando que a filosofia sobreviveu para tornar-se “serva da religião”, Ferry parece não ignorar a importância atual da razão aplicada a interpretação dos textos religiosos. Já não se trata apenas de ler os textos religiosos, mas de decodificar a sua natureza e seus ensinos. É bom lembramos que no século XIII, Tomás de Aquino defendia uma filosofia cristã que conduzisse, inclusive, para as “provas da existência de Deus”. Apesar disso, a filosofia vai se tornar uma “escolástica”, em sentido literal: uma disciplina escolar. Foi assim que, com o tempo, a filosofia foi se tornando não uma disciplina de vida, que estimula o exercício da razão e da sabedoria com liberdade de pensamento, conforme a essência da filosofia grega, mas ficou sendo reduzida a uma mera história das ideias.
O pensamento espírita agrega o componente filosófico, como instrumento essencial para nos aproximar da verdade. Ou seja, o Espiritismo é dialético e trabalha com ideia de construção do conhecimento. Por isso Allan Kardec, na Revista Espírita (Maio de 1861), alertava:

...quando prescrevemos o estudo e a meditação, pedimos o concurso da razão, assim provando que a ciência espírita não teme exame, uma vez que, antes de crer, há necessidade de compreender.

O Espiritismo inaugura da França para o mundo, uma concepção integrada de conhecimento, promovendo uma verdadeira revolução no saber. Por exemplo, analisa com liberdade a natureza de Jesus dentro da escala evolutiva pela qual todos nos encaminhamos. Portanto, nesse sentido, o Espiritismo se aproxima do pensamento grego, pois considera que Cristo não foi à encarnação da divindade, mas um ser que, percorrendo as fileiras do progresso intelectual e moral, atingiu certo patamar evolutivo, tornando-se um mestre natural, um notável orientador, capaz de nos auxiliar também nessa jornada.  
O Espiritismo, portanto, na medida em que busca explicar a realidade através da razão e da lógica, utiliza-se de um discurso filosófico. Todavia, a filosofia espírita, inaugurada em O Livro dos Espíritos, não traduz uma simples reflexão intelectual para criar sentidos ou significados, Ao contrário, a filosofia espírita, é um saber que se justifica com base nos fatos. Ao analisar o conjunto de sua obra, veremos que Kardec não partiu da “crença”, mas da sólida pesquisa científica, no campo da mediunidade, para, num segundo momento, enveredar pelos caminhos da interpretação dos fatos, com base no crivo da razão. O pensamento espírita inicia uma nova interpretação do cristianismo, distante do dogmatismo ancestral, adentrando em seus ensinos de forma interpretativa e sistêmica, sem se deter na forma, mas preocupando-se, fundamentalmente, com a essência de seus ensinos éticos e morais que estimularam, como citamos no início, o surgimento da noção de "igualdade" e da "democracia" na sociedade moderna. Assunto que abordarei na próxima semana.

Pesquise no Blog

Loading

TEXTOS/ARTIGOS ANTERIORES