sábado, 25 de abril de 2009

PLATÃO E O ESPIRITISMO



A filosofia nas suas origens gregas buscou interpretar o enigma da vida numa dimensão gnoseológica e ontológica. Das interpretações míticas iniciais, aos vôos consideráveis da razão, os filósofos gregos ampliaram os modelos explicativos da vida e da própria natureza humana.
Nos situando em termos históricos, a filosofia surge em Mileto – uma das colônias jônicas que era um porto marítimo – na Grécia, no final do século VII e início do século VI a.C. O termo “filósofo” surge no século V a.C. criado por Pitágoras que, em sua escola, ensinava política aos discípulos, que o consideravam um homem “sábio”. Ele, entretanto, preferia ser chamado não de sábio, mas de “amigo da sabedoria” (Filo = amigo; sofia = sabedoria). A filosofia é usada no sentido etimológico do termo. Mas, na verdade, devemos nos referir sempre a “filosofias” – concepções diferentes sobre a realidade.
As filosofias gregas buscaram, portanto, explicar e esclarecer a realidade e, nesse sentido, destaca-se o pensamento dualista onde trabalha-se com questões abertas, isto é, não dogmáticas, sobre as quais se levantavam hipóteses. Nessa vertente de pensadores gregos, situa-se Platão (428-347 a.C.). A filosofia de Platão apresenta um modelo gnoseológico onde o físico só se explica pelo metafísico, transcendente, supra-sensível, inteligível.
Allan Kardec, na introdução (IV) de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” considera as idéias de Platão (e de Sócrates) como precursoras dos ensinos cristãos e, por conseguinte, do espiritismo. Daí, a necessidade de um rápido “mergulho” no cerne – a nosso ver – do pensamento platônico, objetivando chegarmos a algumas conexões com o pensamento espírita.

1-O dualismo platônico

Segundo o escritor e filósofo Tiago Lara: “Em Platão estrutura-se, pela primeira vez, de maneira sistemática, a justificativa filosófica de cunho metafísico, que se tornará paradigmática no Ocidente.” [1] Embora Platão não ter usado a palavra “metafísica” que não existia em sua época, ele busca, através de seus diálogos, a realidade causal, o mundo das justificativas e, portanto, o mundo real.
Dessa forma, chega a conclusão da existência de dois mundos: o Mundo das Idéias e o Mundo Sensível. O Mundo das Idéias em Platão – e “idéia” aqui não deve ser confundida com “conceitos de nossa mente” – é um mundo supramaterial, eterno, onde reina a verdade, a perfeição e a suprema importância do Bem. Esse mundo representaria a “forma” do mundo material, pois para tudo que existe aqui, haveria um modelo causal e perfeito no Mundo das Idéias.
O Mundo Sensível representaria, por sua vez, o mundo material com as imperfeições que lhes são inerentes. É o mundo ilusório, dos sentidos, mutável, perecível e caótico. Logo, um reflexo imperfeito do Mundo das Idéias. Nesse sentido, o conhecimento representaria uma importante via de transição, para o ser humano, da ilusão para a realidade, onde a idéia do Bem consubstanciaria o auge desse processo.
Temos, em linhas gerais, o dualismo platônico do espírito e do corpo, o imortal e o temporário, o incorruptível e o corruptível.

2-A alegoria da caverna

No livro VII da República, Platão narra o seu famoso Mito da Caverna:
Pensemos em uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do Sol. Acima do muro, um raio de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, ignorado pelos prisioneiros, há toda uma vida exuberante. Pessoas livres que transitam pelos campos verdejantes do Bem...
Um dos prisioneiros, porém, impregnado de curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna, no primeiro instante, tem os olhos ofuscados pela luminosidade do Sol, com a qual não estão acostumados; pouco a pouco, habitua-se à luz e começa ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e só voltará a ela se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que habituar-se à luz. De volta á caverna, o prisioneiro será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que jamais abandonaram a caverna.
A caverna, diz Platão, é o mundo sensível onde vivemos. O raio de luz que projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (as idéias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras são as coisas sensíveis que tomamos pelas verdadeiras. Os grilhões são nossos preconceitos, nossas imperfeições. O instrumento que quebra os grilhões é a dialética, o conhecimento em conjunto com as ações enobrecedoras. O prisioneiro curioso que escapa é o indivíduo que despertou sua consciência para os valores da alma. A luz que ele vê é a luz plena do Ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligível (espiritual) como o Sol ilumina o mundo sensível (material). O retorno à caverna é a expressão da necessidade de divulgar o esclarecimento e auxiliar o próximo, isto é, o princípio da “cooperação”. O tempo despendido na criação do instrumento para sair da caverna representa o esforço do espírito humano para produzir a "faísca" do conhecimento verdadeiro pela "fricção" dos modos de conhecimento e pelo “burilamento” de si mesmo. Conhecer é, portanto, um ato de libertação e de iluminação. [2]
Segundo Emmanuel esse processo de transição da caverna para à luz exige: “acurado aprimoramento individual para a travessia da estreita passagem de acesso às claridades da sublimação.”[3]

3-Ante as portas livres

As questões apresentadas por Platão, realmente, estão muito próximas do pensamento espírita. A gnoseologia espírita, entretanto, avança de forma mais ampla, situando o homem não somente na condição de espírito imortal e pluriexistencial, mas, fundamentalmente, como agente co-criador de seu próprio destino. É verdade que Platão também havia se referido em sua teoria da “reminiscências” sobre a reencarnação, asseverando, entre outras coisas, que a reminiscência é a recordação da experiência da alma no período em que estava no mundo da idéias e que, portanto, “viver é recordar”.
Para o Espiritismo, o Mundo Espiritual é o nosso mundo causal, donde viemos e para onde retornaremos após a experiência no mundo corporal. Por outro lado, o mundo material não deve ser visto como “um vale de lágrimas”, mas essencialmente, como um laboratório ou educandário onde estamos nos aprimorando na arte de desenvolvermos nossas potencialidades criadoras na área da inteligência e dos sentimentos.
Ainda, de modo geral, estamos presos à várias “cavernas”. Todavia, faz-se imprescindível nos libertarmos daquela que restringe o homem à uma realidade puramente material. Emmanuel no prefácio do livro “Libertação” de André Luiz , reporta-se a uma antiga lenda egípcia, certamente, uma variação do mito da caverna, intitulado-a “Ante as portas livres”. Refere-se a história de um “peixinho vermelho” que vivendo entre uma comunidade de peixes nas profundezas de um lago, um dia descobre a superfície e espanta-se com o novo mundo, até então inimaginado. No entanto, ao retornar ao seu reduto e contar a preciosa descoberta é ironizado e desacreditado.
De tempos em tempos, a criatura humana tem recebido informações a respeito de uma realidade supramaterial, extrafísica ou espiritual, para abandonarmos a caverna reducionista da concepção materialista. Não fomos criados para viver somente no limite de nossas percepções físicas, enclausurados numa dimensão só material. O espiritismo confirma que, filosoficamente, o homem é um ser transcendente que está no mundo, mas, não é do mundo. É um argonauta da evolução que viaja pelo mundo sensível, através de múltiplas reencarnações, objetivando lograr, com isso, a plenitude, a felicidade e a paz.

Vocabulário

- Gnoseologia: (Gnosis, conhecimento, e Logos, estudo) Teoria do conhecimento.
- Ontologia: (Onto = Ser, Logos = estudo) Estudo do Ser no sentido metafísico.
- Supra-sensível: o que transcende (está além) ao físico, material.


Bibliografia

1- LARA, Tiago Adão. A Filosofia nas suas Origens Gregas. Petrópolis, RJ. Vozes, 1989.
2- PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. Coleção Os Pensadores. Livro VII. São Paulo, Nova Cultural, 1997.
3- LUIZ, André. Libertação. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 12ª ed. Rio de Janeiro, Feb, 1986.

domingo, 19 de abril de 2009

Ciência e Espiritualidade: um diálogo possível


A antiga animosidade entre Ciência e espiritualidade parece estar com os dias contados. Cada vez mais, cientistas enveredam suas pesquisas buscando superar os antigos e limitados paradigmas da ciência clássica materialista. A ruptura entre Ciência e Religião, no Ocidente, ocorreu com o Renascimento, no século XVI. Durante praticamente todo o Medievo (séculos V ao XV) a Europa viveu sob o signo da religião dogmática que obstaculizava o desenvolvimento das pesquisas científicas. Tal resistência tinha o pretexto de salvaguardar os princípios “sagrados” das “verdades reveladas”, enquanto usava-se artifícios de “fé cega” que, no fundo, serviam para a manutenção do “status quo” dominante do poder temporal. O movimento renascentista representa a busca de uma superação daquele pensamento fechado, teológico-medieval, em substituição à razão, e ao primado da ciência.
A partir daí, a ciência progressivamente vai se fazendo materialista, buscando na realidade material, objetiva, as respostas para explicar, unicamente, os fenômenos físicos, biológicos, sociológicos, psicológicos, etc. A ciência rompeu com a alma e com Deus. Não havia mais espaço para uma a realidade espiritual. Buscou-se no cérebro, todas as respostas para as funções de natureza psicológica e emocional da criatura humana. Com isso, a medicina e, depois, a psicologia tornaram-se organicistas.
Entretanto, no século XIX, as investigações de Allan Kardec, através da aplicação de métodos científicos da época, naturalmente adaptados à realidade dos objetos de investigação, ou seja, as comunicações dos até então chamados “mortos”, ofereceu as provas científicas e substanciais da realidade de Deus, do espírito, da reencarnação, da prece, etc. Inúmeros outros investigadores se seguiram, entre eles, o físico, prêmio nobel William Crookes, membro da Sociedade Científica de Londres, que estudou por três anos uma jovem médium chamada Florence Cook, pela qual se materializava o espírito denominado Katie King. Ao término de seus estudos, aos quais submetia a médium a critérios de investigação rigorosos, para eliminar as hipóteses de fraudes, Crookes concluiu pela veracidade dos fatos, aceitando, assim como Kardec, a imortalidade da alma e a interveniência dos espíritos no mundo corporal. Outros tantos eminentes cientistas e sérios investigadores alinharam-se na pesquisa da espiritualidade.
O diálogo entre ciência e espiritualidade recebeu incrementos no século XX e, atualmente, desponta com inúmeras possibilidades extremamente confortadoras. Allan Kardec, vale destacarmos, foi quem apresentou-nos a valiosa proposta de uma “fé racional”, isto é, para aceitar algo não basta crer, é necessário “compreender”, analisar racionalmente o fato para aceitá-lo ou rejeitá-lo. O Espiritismo, portanto, é uma doutrina racional que, fundada sob o tríplice aspecto: ciência, filosofia e religião, propõe um constante diálogo com as demais ciências. Kardec teve a coragem de afirmar que o Espiritismo marchará lado a lado com a ciência, até o momento em que esta provar que a Doutrina Espírita está errada sobre determinado aspecto para, nesse aspecto, reformular-se..
Ao contrário do que possa parecer, a ciência – cada vez mais – vem demonstrando a espiritualidade humana. Pesquisa recente feita pelo professor de imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, Carlos Eduardo Tosta, constatou os efeitos positivos da Oração para o ser humano. A pesquisa envolveu 52 alunos de medicina e vários grupos de pessoas que fazem orações em benefício alheio. Os alunos foram divididos em dois grupos de 26 pares, cada par composto de pessoas com a mesma idade, que não se conheciam. Os alunos passaram, previamente, por exames clínicos gerais e avaliação psicológica. A partir daí, sem que os alunos soubessem, foi escolhido somente um aluno de cada par para receber a oração dos grupos religiosos.
Após três anos de pesquisa, foram realizados, novamente, exames clínicos com todos os alunos e comparados com aquela avaliação inicial. Aqueles alunos que não haviam recebido orações não haviam sofrido qualquer alteração em seus sistemas imunológicos. Entretanto, o outro grupo, o que havia recebido as preces, apresentava um sistema imunológico mais resistente. O professor Carlos Eduardo, que comandou a pesquisa, concluiu, então que: “as preces têm efeito positivo na saúde.”
Outras pesquisas, entretanto, têm sido realizadas nessa área. Na Coréia, os investigadores dividiram mulheres com dificuldade de engravidar em dois grupos, que receberam o mesmo tratamento médico. Selecionou-se um grupo dessas mulheres (sem que elas soubessem das pesquisa), o qual começou a receber orações por parte de grupos religiosos. No final da pesquisa, constatou-se que o maior número de mulheres grávidas era, significativamente, o daquelas que se inseriram no grupo beneficiado pelas orações.
Na Califónia, nos Estados Unidos, foram feitas pesquisas junto a 400 pessoas que estavam internas em uma UTI. Da mesma forma, foram separadas em dois grupos, sendo que um deles, passou a receber orações de grupos religiosos. Ao final das investigações, o resultado evidenciava que aquelas que haviam recebido preces, apresentaram um quadro clínico de recuperação muito mais satisfatório.
Na realidade, estamos transitando para um tempo novo. Uma Era onde o ser humano passa a ser compreendido dentro de sua transcendência, não mais limitado à ortodoxia materialista. Na verdade, tal paradigma – materialista – passa, cada vez mais, a ser superado diante de sua inoperância em explicar de forma mais profunda o homem e o universo. Vivemos, no momento atual, segundo o físico austríaco Fritjof Capra, um “ponto de mutação” entre a decadência do modelo materialista antigo, que limitava o Ser a um composto físico-químico, em face à ascendência de um paradigma espiritualista, holistico que, sem abandonar os critérios científicos, agrega uma visão de mundo muito mais profunda e explicativa.
O espiritismo antecipa esse profundo diálogo entre ciência e espiritualidade, colaborando, em muito, para oferecer uma cosmovisão da vida, capaz de oferecer referenciais seguros de conhecimento e consolo na instalação definitiva da Era Nova, ou na metáfora de Platão, do homem velho que abandona a caverna da ignorância para o encontro inadiável com a luz da sabedoria.

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