domingo, 13 de março de 2011

O CRISTIANISMO E A MODERNIDADE


Os gregos entendiam que a natureza é profundamente desigual e, portanto, expressando mais ou menos imperfeições nas dualidades: beleza e feiúra, gordura e magreza, inteligência e ignorância, força e fraqueza, etc. Por isso, Luc Ferry esclarece que, para os gregos, a noção de virtude estava diretamente relacionada à excelência dos talentos ou dons naturais. Isso fez com que o mundo grego se tornasse um mundo aristocrático, partido da ideia da existência de uma hierarquia natural entre os seres vivos e, sobretudo, entre os homens. Ou seja, enquanto uns foram criados para “obedecerem” outros existiam para “governar”. Também por esse sentido, o pensamento grego originou uma sociedade aristocrática e escravagista.
Portanto, para alguns cosmólogos e filósofos gregos, essa desigualdade natural representava uma desigualdade dos talentos humanos. A noção de “virtude” construída a partir daí, estaria relacionada aos “dons naturais”, explico: inteligência, ótima memória, força, beleza, etc. Quem possuísse esses qualificativos era alguém virtuoso.
O pensamento cristão distanciou-se profundamente do conceito grego de virtude. O ensino fundador dessa nova racionalidade, foi  apresentado por Jesus na “parábola dos talentos”. Nela, fica evidente que o fundamental é o uso que fazemos das qualidades que possuímos, e não as qualidades em si. Isso desenvolve uma concepção nova: a meritocracia. O mérito repousa no uso das qualidades ou dos talentos, uma vez que o exercício desses talentos repousa no uso pessoal do livre-arbítrio.
Comentando o pensamento cristão esclarece Luc Ferry: “Se você utiliza sua força, inteligência, ou beleza para realizar um crime mais objeto, você demonstra por esse fato mesmo que os talentos naturais não têm absolutamente nada de virtudes em si.”
A rigor, no plano moral, o Cristianismo opera uma verdadeira revolução na história do pensamento, uma revolução que, para Ferry, influenciará a própria Modernidade. O Cristianismo se fará sentir na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 na França, por exemplo. A lógica apresentada por Jesus é inovadora: pela primeira vez na história humana, será a “liberdade” e não mais a “natureza” que se tornará o fundamento da moral e da ética.
Essa noção irá se refletir, de forma impactante, na ideia de “igualdade” de todos os seres humanos, rompendo com os fundamentos da escravidão e da aristocracia. Essa concepção cristã estará de certa forma, na origem da democracia moderna que vem permeando o Ocidente. Por isso mesmo, para Luc Ferry, as civilizações que não conheceram ou não adotaram o Cristianismo, têm dificuldade em dar à luz regimes democráticos, como o caso de vários países do Oriente médio e outros da Ásia.

Referência

FERRY, Luc. Aprender a Viver – Filosofia para os novos tempos. Tradução: Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. Capítulo 3 – A vitória do Cristianismo sobre a filosofia grega.

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