terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A FILOSOFIA DA FELICIDADE


O que é efetivamente a felicidade? Como lográ-la? Tais questões vêm acompanhando o pensamento e o coração humano através dos tempos. No passado, levantou-se a filosofia para explicar o enigma da vida e da realidade humana. Pensadores diversos, principalmente na Grécia, apresentaram visões explicativas da felicidade humana, algumas impregnadas de negativismo, fruto natural dos conflitos pessoais daqueles que as formulavam. Outras, todavia, traziam perspectivas otimistas e enobrecedoras, visando a promoção da criatura humana.
A Doutrina Espírita, em sua ampla e dinâmica conceituação doutrinária, fazendo uma releitura da vida, através do prisma da imortalidade, oportuniza um novo olhar sobre os valores que envolvem a questão da felicidade. Nos propomos a uma breve reflexão sobre essa, sempre oportuna, temática.


O Hedonismo e a Doutrina Cínica

O termo hedonismo vem do grego (hedoné = prazer) e o seu sentido filosófico é aplicado às teorias que buscavam respostas para a seguinte indagação: qual a norma do bem viver? O epicurismo (Epicuro 341-270 a.C.), por exemplo, buscou responder essa pergunta afirmando que o “prazer” seria o móvel das ações humanas, isto é, a felicidade estaria consubstanciada no prazer “da carne e do ventre”.
O sentido inicial da concepção epicurista da felicidade, relacionada à satisfação sensível, não estava vinculado ao prazer desregrado e exclusivo. A felicidade estava na posse do bem satisfatório ou seja, no Ter, em sua justa medida. Assim, é bom o que agrada; é mau o que traz sofrimento. No entanto, deve-se fugir de determinados prazeres imediatos para se evitar sofrimentos conseqüentes no futuro.
Dessa forma, a razão passa a ser importante instrumento esclarecedor – em conjunto com as sensações – para a adoção de um comportamento cujas escolhas poderão conduzir à felicidade ou à desdita. A visão hedonista deturpou-se com o tempo. Hoje, o hedonismo é um termo quase pejorativo, ligado à busca do prazer na sensualidade e na erotização, como parte da cultura utilitarista contemporânea.
Não obstante, na Grécia, floresceu também a visão filosófica da felicidade vinculada à idéia de pobreza. Diógenes (413-323 a.C.) filósofo grego que viveu na cidade de Corinto, e em Atenas, sustentava que a felicidade se obtém pela satisfação das necessidades da maneira mais econômica e simples. Quem tem posses tem medo de perder o que tem, logo, o medo afasta a pessoa da felicidade. Quem não tem nada não tem medo da perda. Diógenes foi chamado de filósofo cínico e tornou-se uma figura peculiar, sendo-lhe atribuídas várias anedotas, dentre as quais, seu encontro com o grande conquistador macedônico Alexandre Magno. O grande conquistador se deteve ante o barril em que Diógenes morava e, fazendo-lhe sombra, perguntou-lhe o que desejava. Diógenes respondeu: “Que não me tires o que não me podes dar”. Referia-se à luz do sol.

Estoicismo e Cristianismo

Para Zenão de Cício (336-264 a.C.) a busca da felicidade consistia em uma proposta de se viver em harmonia com a natureza, aceitando-se corajosamente todas as suas leis e vicissitudes. A virtude é o bem supremo, e ela consiste na retidão. Assumir-se uma postura de equilíbrio perante o sofrimento é sinônimo de sabedoria.
Doenças, desprezo, infortúnios... para os estóicos deveriam ser vistos como “realidades indiferentes”. Diante de tais circunstâncias, assumir-se-ia uma postura de total apatia ou indiferença. De certa forma, percebemos a grande influência do estoicismo na cultura religiosa do Ocidente e do Oriente.
Na Bíblia, inúmeras passagens reportam-se a essa questão estóica vinculada à idéia de felicidade. Dentre elas, lemos em Tiago 5:11: “Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram.” Em suas Bem-aventuranças, Jesus reporta-se àqueles que choram, e serão consolados. Cristo asseverou, entre outras coisas, que o seu reino não era desse mundo, portanto, disso concluiu-se que a felicidade, igualmente, não seria desse mundo “material”. Aqui entramos numa outra reflexão.
Muitos religiosos, a partir de uma interpretação simplista do pensamento cristão, passaram a estabelecer a inacessibilidade da felicidade na Terra. Aqui deveríamos somente sofrer para, na outra vida, sermos felizes. Ora, é bem verdade que Jesus não depositou a felicidade no mundo material, ou melhor, nas coisas materiais. Sempre que transferimos a nossa felicidade para as posses materiais, ela passa a ser frágil e inconstante. Entretanto, afirmar-se que a felicidade na Terra é uma utopia, parece-nos, no mínimo, um raciocínio equivocado. Mas então, de que “mundo” é essa felicidade? Sem dúvida, é do nosso “mundo interior”.
Porém, o pragmatismo Capitalista-Ocidental, dentro de uma racionalidade econômica, estabeleceu um modelo de felicidade alicerçado no valor-propriedade. As propagandas, poderosos instrumentos de mídia, criam necessidades e convencem os menos previdentes que, para ter sucesso, é necessário adquirir esse ou aquele produto. Originando, daí, a geração do vir-a-ser.

A Geração do vir-a-ser

Após a Segunda Guerra Mundial, floresceu a denominada sociedade do consumo, fruto do admirável processo de industrialização do pós-guerra. Nesse contexto, a criatura humana, seduzida pelas ambições decorrentes da posse, do poder e gozos materiais, identificou-se com uma filosofia existencialista que pregava o prazer imediato. O poder, a riqueza e a juventude, consubstanciariam elementos indispensáveis à felicidade. O vírus da ansiedade espalhou-se pela Terra.
Inserido nessa racionalidade, o ser humano passa a ser escravo do que não possui, na ânsia frenética do consumo e, portanto, da felicidade. A visão do vir-a-ser (feliz) quando: comprar um automóvel, uma casa, passar no vestibular, se formar na universidade, estiver trabalhando, se casar, comprar uma casa de praia, tiver filhos, se aposentar... torna-se verdadeira obsessão.
Diante da negativa em qualquer um desses intentos, o pessimismo espalha-se e, com ele, a infelicidade, paradoxal. Logo, a felicidade não pode estar na aflição decorrente do vir-a-ser ou do vir-a-ter.

Nova visão da felicidade

A felicidade esteve sempre dentro de nós. O problema é que sempre a procuramos fora. Daí a dificuldade em encontrá-la. Com o Espiritismo, a felicidade deixa de ser uma conquista “a posteriori” para ser – mesmo dentro da relatividade da vida na Terra – uma proposta de vida para esse momento. É uma proposta-desafio, dentro de uma visão psicológica profunda da própria vida.
Na concepção espírita, a felicidade está vinculada à arte de amar. E, “amar”, é aquela condição em que a “felicidade” de outra pessoa é essencial à nossa própria felicidade. O amor produtivo é o fator capaz de suplantar os sofrimentos, gerando felicidade. Daí, o porquê da assertiva de Jesus: “Faça ao outro tudo o que gostaria que o outro lhe fizesse”. Quando nos envolvemos com o Bem, fazemos florescer em nosso íntimo uma sensação de paz , por estarmos em harmonia com a vida cósmica.
A felicidade não é uma utopia, é uma opção. A Doutrina Espírita ao apresentar angulações otimistas sobre a vida, assevera que o homem é o ser co-criador de seu próprio destino, através das escolhas que realiza em seu cotidiano. Somos, não o culpado, mas o responsável por nossa felicidade ou desdita. É uma nova visão da realidade.

Do livro: Filosofia da Convivência, de Jerri Almeida. Editora AGE, Porto Alegre, 2a. ed. 2006.

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