Os filósofos antigos, que construíram o pensamento de nossa civilização Ocidental, perambulam pelas estantes, as vezes de madeira, de sebos e bibliotecas (as vezes de livrarias) na angustiante e inóspita tarefa de expressarem suas vozes de papel. A inquietude dos filósofos não os permite desanimar, mesmo que a situação atual, em qualquer lugar, apele para a cultura da imagem, apelativa e sedutora.
Assim sendo, Platão ou Aristóteles, Descartes ou Hegel, jamais imaginaram que os grandes desafios do pensamento humano, enfrentado por eles, seria o de – simplesmente – se fazerem lidos, cobiçados. Não! Certamente jamais imaginaram que um dia a juventude ou os curiosos do saber, pudessem esquecê-los, despreza-los nas poeiras arrogantes de qualquer estante.
Talvez Platão, no Mundo das Ideias, perceba melhor que as sombras do Mundo Sensível se devem, sobretudo, a indiferença infame – do mundo massificado e utilitarista contemporâneo – com a cultura que desafia o pensamento a voar além dos horizontes acanhados do homem cotidiano. Os filósofos antigos, reunidos em um café qualquer, tradicional de Paris, poderiam concluir, pelo menos os mais pessimistas, que esse mundo tecnológico e digitalizado do século XXI foi tomado de uma irreversível apatia intelectual.
O que pensaria Aristóteles disso tudo, uma vez ter afirmado – em seu livro Ética a Nicômaco – que “os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem.” ? Ora, os discurso apologéticos do presente, muito longe de estimular os bons hábitos, corroboram para que a própria fragilidade cultural dos cidadãos se multipliquem, aprisionando-os – cada vez mais – na caverna da inoperância intelectual.
Mas talvez possamos, entre um café filosófico e outro, imaginar que nem tudo está perdido, afinal, o homem – historicamente – tem se mostrado um ser capaz de superar-se, de enfrentar sua própria ignorância ou, pelo menos, de reconhece-la. Quem sabe, Nietzsche nos ajude a pensar sobre isso, quando escreveu: “Conheço muito bem as qualidades que devo ter para que alguém me compreenda...”, além da integridade de espírito, metaforicamente, assevera que é preciso “estar acostumado a viver nas montanhas”. Apesar disso, creio que o próprio Nietzsche, em seus escritos, tenha permanecido mais na base do no cume de sua montanha imaginária.
Montanhas, cavernas, ilusão, realidade, ignorância e sabedoria. Os filósofos são assim mesmo, talvez estranhos ou esquisitos para muitas pessoas. Mesmo assim, foram eles que construíram a nossa forma de pensar e talvez por isso, também sejam – isolados em suas estantes – um pouco responsáveis pela indiferença humana.
Os filósofos antigos, na vitalidade de suas páginas, oferecem o convite à filosofia, a pensar e repensar as questões contemporâneas, num constante desafio de subir à montanha e, de lá, visualizar o universo das interrogações e dos caminhos possíveis, que melhor se ajustam as inquietações de cada um. Eles abriram, em seus escritos, páginas sob as mais diversas perspectivas. Mas isso tudo não significa de devamos concordar sempre com eles, que não tenhamos ideias próprias sobre a vida e as questões que nos cercam.
As vozes de papel funcionam para nós como guias, uma vez que a verdade ainda não foi conquistada por inteiro, ela está aberta à todos. Mas não se pense que as vozes de papel são vozes mudas. São vozes perseverantes que nunca se calam! Estão sempre lá, dispostas a nos dizer algo, por isso são universais, por isso são eternas. Busca-las é aceitar o desafio intelectual de romper com os grilhões e os limites de pensamento.
domingo, 24 de outubro de 2010
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