Quantos deixam arquivada a sua felicidade nas esquinas longínquas da memória, onde residem as lembranças de acontecimentos agradáveis, vivido pessoalmente ou em família? Isso é saudável quando trata-se da lembrança nossa de cada dia. Entretanto, prender a felicidade no passado, sufocando-a no presente, é indício de que algo não está bem. Uma decisão equivocada, tomada recentemente, poderá remeter a pessoa a fixar-se no passado como mecanismo de fuga da realidade atual. Deslocando o foco da felicidade para um tempo que somente existe em sua memória, a pessoa passa a isolar e distanciar sua condição de viver feliz.
Em tais circunstâncias, a vida atual vai se cercando de amargor, perdendo o seu brilho e sua motivação. A pessoa, enclausurando mentalmente sua felicidade no passado, vai perdendo os referenciais da alegria e da jovialidade, cedendo espaços à melancolia e, muitas vezes, à depressão. O “sentir-se feliz” é um prestimoso aliado da saúde humana por vincular-lhe o otimismo indispensável.
A experiência humana pode ser muito rica no presente, tanto como foi no passado, ela só depende da disposição de cada pessoa. Disposição que começa por se libertar das amarras do passado, visando viver com consistência o presente. Isso não significar esquecer o passado, mas aproveitar-lhe as experiências, ditosas ou não, para fazer florescer no hoje a meta do bem. O passado é irrecuperável, somente servindo como experiência norteadora para os atos do presente. O passado está inscrito na linhas inalienáveis do tempo e, portanto, não pode ser mudado.
Adverte Joanna de Ângelis que “viver de recordações ou se atormentar com as aspirações” não é uma atitude saudável, isto é, o foco de nossas atenções e ações deverá, sobretudo, estar direcionado para o enriquecimento do presente. Não se trata de: “viver intensamente os prazeres do mundo”, mas viver de forma natural, sem ansiedades exageradas em relação ao futuro nem de ressentimentos ou mágoas que nos prendem ao passado. Nesse aspecto, os sentimentos de perdão e de confiança, aliados à esperança e à determinação, serão, por excelência, os sentimentos fundadores de um estado mental positivo e saudável.
Há pessoas que vivem das lembranças de suas desgraças e perdas, recusando-se obstinadamente a viver a felicidade no presente. Rancores e ódios se avolumam, projetando suas sombras do passado, no presente de quem os mantêm vivos na memória. A fragrância do amor ensinado e vivido por Jesus nos convida, a cada novo dia, a vivência do perdão e da compreensão enquanto instrumentos de libertação psicológica de fatos e ocorrências desagradáveis do passado, recente ou remoto.
Ensina o espiritismo que o ser humano está num processo de constante crescimento ético-espiritual, decorrendo o futuro de como vivemos o hoje. Daí, o sentido da temporalidade atual estar no foco do nosso destino mediato e imediato. Entretanto, projetar a felicidade para o futuro, enclausurando-a em suas metas, sonhos e conquistas é viver num constante “vir-a-ser”. Nós necessitamos viver o presente.
O poeta romano do século I, Horácio, costumava dizer que deveríamos “aproveitar o dia” (Carpe diem). Mas no passado, como no presente, a idéia de aproveitar o dia, muitas vezes tem assumido um ar de superficialidade, sendo vinculada à “lei do menor esforço” ou, ao gozo do prazer imediato. Para Kant (1724-1804), as pessoas deveriam se comportar com base em um código moral interno e, nesse código, estaria a base das ações corretas: “Age apenas segundo aquela máxima que possas querer que se torne uma lei universal.” Gostaríamos que a intolerância se tornasse um sentimento geral? Que a exploração do homem sobre o homem se generalizasse? Se não desejamos que algo se torne uma lei universal então não deveremos praticá-lo. Kant diz, com outras palavras, aquilo que é a essência da “ética cristã”, ou seja, “Faça somente aos outros o que desejarias que os outros te fizessem.” Isso é o mais admirável princípio ético de todos os tempos.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
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