Meu caro Jerri:
Terminei, dias atrás, a leitura de seu excelente
"Kardec e a revolução na fé", mas, como estava envolvido no
encerramento da edição de novembro do jornal Opinião, só agora encontrei tempo
para cumprimentá-lo pelo trabalho. Aliás, no Opinião que deverá sair nos
próximos dias, redigi uma nota sobre o livro, recomendando sua leitura. Já
adquirimos alguns exemplares para vendê-lo no CCEPA.
Referi, na nota, que seu trabalho retoma temas que
foram preocupações de grandes escritores espíritas brasileiros como Deolindo
Amorim e J.Herculano Pires. É ótimo que seja assim, em momento em que a maioria
das publicações "espíritas" se distancia da racionalidade filosófica
kardequiana, para se dedicar quase que exclusivamente a produções pretensamente
mediúnicas de baixa qualidade. Vejo no seu trabalho a retomada de reflexões
muito bem postas especialmente por Herculano, mas, também, ouso afirmar que, em
alguns aspectos, você supera Herculano Pires, imprimindo ao texto uma linguagem
mais amena e com melhor abertura ao livre-pensamento. A fé espírita, para você,
diferentemente do autor de "O Espírito e o Tempo", fortalece mais a
dúvida filosófica do que algumas "certezas" que Herculano entronizou
como definitivas.
Dentre outras tantas qualidades, seu livro é
resultado de uma atenta busca de conteúdos da "Revista Espírita",
aquele verdadeiro laboratório de ideias, em cujas páginas Kardec gestou e deu
corpo a um gênero de fé perquiridor, liberto do espírito de sistema das
religiões e ideologias e aberto, sempre, à progressividade do conhecimento
humano.
Parabéns por seu trabalho. Espero que continue
enriquecendo a cultura espírita com outras obras, nessa mesma linha
independente e destemida.
Se isso poderá contribuir com a divulgação de
sua obra, você e sua editora estão inteiramente autorizados a divulgar, onde
quiserem, a opinião pessoal acima dada. Agora, e apenas para sua reflexão, me
permito a seguinte observação:
Há algum tempo, deixei de utilizar, em meus
escritos ou em palestras, expressões como: Jesus Cristo, moral cristã,
cristianismo, etc., como ideias afins ao espiritismo.
Com o desenvolvimento dos estudos que separam a
figura mitológica de Jesus Cristo, o deus que se fez homem para
salvar a humanidade, e que é a base teológica do "cristianismo", da
figura histórica de Jesus de Nazaré, nós, espíritas, devemos contribuir
para a melhor compreensão de um e de outro.
Aliás, quem primeiro atentou para isso, no meio
espírita, foi o próprio Herculano Pires, na Introdução de "Revisão do
Cristianismo", onde traça em belíssimo texto as diferenças entre Jesus
Cristo, o deus cristão, nascido de uma virgem, e Jesus de Nazaré, o homem
apontado pelo Livro dos Espíritos como "modelo e guia da humanidade".
Pena que Herculano, apesar disso, tivesse continuado a se referir a "Jesus
Cristo" ou "ao Cristo" e insistido nessa ideia do
"cristianismo redivivo", etc. que, me parece, são incompatíveis com
as ideias modernas e progressistas assumidas pelo espiritismo.
Penso que quando nos referimos a Jesus como
"o Cristo", no espiritismo, estamos reforçando essa ideia
salvacionista, do "ungido", "filho unigênito de Deus",
enviado à Terra para resgatar o homem do pecado original, ideia central do
cristianismo que à fé racional espírita não faz nenhum sentido.
Bem, estou transmitindo ao amigo uma reflexão
que, para nós, da CEPA, hoje, implica num consenso, que fomos construindo ao
curso das últimas décadas. Sabemos muito bem que o próprio Kardec se utilizou
daquelas expressões e, em alguns momentos, também se valeu de conceitos
"cristãos", incompatíveis, hoje, com uma visão progressista e mais
racional de espiritismo. Mas, como formamos um movimento à margem, sem
compromisso com a terminologia "oficial", para nós fica mais fácil esse
trabalho de atualização não apenas de conceitos, mas também de linguagem. Sei -
porque já senti isso na carne - que para quem ainda está vinculado ao sistema
organizacional espírita, é mais difícil esse tipo de contestação. De qualquer
maneira, fica a observação e o desejo, inclusive, de trocarmos ideias a
respeito do tema.
Não se trata, absolutamente, de uma crítica ao
seu livro, que guarda inteira fidelidade às ideias e à linguagem de Kardec, mas
de um convite a uma reflexão que pode estar abrindo um novo caminho, mais
independente, mais livre-pensador, mais moderno, ao espiritismo. Sei que essas
ideias nos aproximam muito.
Um abraço afetuoso.
Milton Rubens Medran Moreira
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