Jerri Almeida
A fé raciocinada não se
impõe, pois se trata de uma construção pessoal, elaborada por aqueles que
sinceramente desejam atingi-la. Mas além da instrução, ou do conhecimento,
quais os demais fatores pertencentes a esse processo de construção da fé? Léon
Denis, em sua magistral análise sobre o assunto, adverte: “Ninguém adquire essa fé sem ter passado pelas
tribulações da dúvida, sem ter padecido as angústias (...). Muitos param em
esmorecida indecisão e flutuam longo tempo entre opostas correntezas.”[1]
O eminente filósofo espírita destaca duas
perspectivas desse processo: dúvidas e angústias. A dúvida pode ser um
instrumento, como foi para Descartes na filosofia, capaz de conduzir para a
análise e rejeição de certas opiniões ou conhecimentos instituídos pelas
tradições. A dúvida parte de uma incerteza sobre determinado assunto. Se esse
assunto diz respeito às questões religiosas e existenciais, então, essa
“dúvida” poderá carregar certas angústias.
Nesse caso, essa dúvida poderá ser considerada uma
“dúvida natural”, quando vem acompanhando o indivíduo em sua caminhada
existencial, ou uma “dúvida despertada”, quando gerada por uma situação
externa. Por exemplo, o defrontar-se com a morte de uma pessoa querida, poderá
despertar no sujeito certas dúvidas, sobre a existência humana e o sentido da
vida. O evento “morte”, por vezes gerador de “angústias”, torna-se um agente
capaz e desencadear dúvidas.
A dúvida poderá, nesses casos, tornar-se um elemento
desestabilizador de algumas “certezas”, sobretudo, quando elas não foram
suficientemente amadurecidas pela razão. Esse é um momento angustiante do qual
nos fala Léon Denis. Todavia, isso gera um efeito positivo, na medida em que
demonstra a superficialidade das certezas não amadurecidas.
Conforme a
personalidade do indivíduo, ele poderá, nesse caso, se motivar a um processo de
busca por respostas que lhes sejam mais consistentes. Enveredando-se em uma
jornada admirável, percorrerá inúmeras possibilidades explicativas,
sintonizando-se com aquela que melhor apaziguar suas angústias.
A dúvida está na base
da busca pela verdade. O sociólogo francês E. Durkheim afirmou que os primeiros
sistemas de representação que o ser humano elaborou são de origem religiosa. Para
ele a filosofia e a ciência, tiveram suas origens na religião. Mas, a religião,
pura e simplesmente, enclausurada em verdades fechadas, deixa de satisfazer, no
mundo complexo em que vivemos, as diversas inquietações e angústias humanas.
Allan Kardec,
dialogando com o Padre, no Terceiro Diálogo, do livro O Que é o Espiritismo,
afirma: “O Espiritismo não se impõe porque, como disse, respeita a liberdade de
consciência. Compreenda muito bem, por outro lado, que toda fé imposta é
superficial e só oferece aparências da fé; nunca é a fé sincera.”
Sócrates, há seu
tempo, interrogando o oráculo de Delfos, parte da dúvida para alcançar, através do raciocínio perquiridor, a certeza
e a verdade. Quando se duvida, portanto, é para se conhecer, com mais elevado
grau de certeza. Claro que estamos falando de uma dúvida responsável, associada
à angústia, e, por isso mesmo, compromissada com a busca da verdade.
Apoiando-nos em Léon
Denis, percebemos que a fé racional pode ser construída e elaborada por esses
“movimentos internos” da alma, que trás na sua essência, a necessidade do
saber. Esse saber, na escalada evolutiva do espírito, nunca é totalmente
absoluto. O que abre sempre novas possibilidades, de um lado, para a presença
da fé enquanto sentimento de “confiança”, e por outro, para a progressividade
do acesso à verdade.
Mas Kardec alertou que
a construção da fé raciocinada é um processo, isto é, não se dá repentinamente: “A
transição jamais se opera de maneira brusca, mas pela mistura temporária das ideias
antigas e das ideias novas; é, de início, uma fé mista, que participa de umas e
de outras; pouco a pouco a velha crença se extingue, a nova cresce, até que a
substituição seja completa.”[2]
A fé raciocinada,
portanto, está diretamente associada a uma convicção que vai sendo estruturada
ao longo do tempo, inclusive, através das múltiplas experiências
reencarnatórias. No que se refere à convicção espírita, ele esclarece que ela
só se adquire pelo estudo, pela reflexão e por uma observação continuada sobre
os aspectos do cotidiano, e, portanto, amadurecendo reflexões sobre teoria e
experiências.[3]
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