Discurso feito pelo jovem Hippolyte-Léon Denizard Rival
(1804-1869)2
“A EDUCAÇÃO moral depende de uma
multidão de causas que parecem minuciosas e que no entanto têm uma grande
influência, principalmente numa idade em que o caráter, semelhante à cera mole,
é suscetível de receber todas as impressões. Frequentemente um vício se
manifesta numa criança sem que possamos conhecer-lhe a causa; então jogamos a
falta sobre a natureza, enquanto ela provém, talvez, de uma impressão que
recebeu, e que se poderia ter evitado com mais precaução.
Na maioria de nossas
instituições, as punições que são empregadas, quase sempre muito severas,
quase sempre infligidas com parcialidade e num momento de impaciência,
irritam a criança; ela se revolta, se enraivece contra a autoridade, e
é assim que lhe damos ocasião de ser mentirosa, colérica, desrespeitosa, insubordinada,
etc.: ocasiões que poderiam ter sido evitadas. Devemos nos surpreender ao
ver os jovens experimentarem desgosto por seus estudos, quando nas classes
tudo respira tristeza, tudo é feito para desgostar do trabalho, eu
diria mesmo para fazer odiá-lo? Com efeito, como as crianças podem amar
uma coisa da qual não se lhes mostra senão o lado mais desagradável, de
que se servem mesmo para as punir? Como elas poderiam amar as pessoas que
estão sempre ocupadas em lhes atormentar, sob os caprichos das quais elas
estão continuamente em luta? Como podem elas estimar essas pessoas, quando
frequentemente vêm suas ações contrariar seus preceitos? Como podem elas
se tornar justas, se se é parcial com elas? Como podem ser boas se são
tratadas com crueldade? O espírito da criança, naturalmente pouco
preocupado, observa todas as nuances, mesmo as mais delicadas, do caráter
do seu mestre e sabe aproveitá-las com habilidade. Eu vi uma criança de
dez anos empregar a bajulação com tanta arte, quanto o mais
hábil cortesão. O caráter frágil de um mestre a havia feito tal. Eis como
havia cumprido sua tarefa de professor, sem ter, no entanto, a mínima má
intenção.
Toda prudência se faz
necessária quanto à conduta que temos diante das crianças, pois facilmente
criamos nelas uma boa ou má impressão. Tudo, até o próprio tom com que
lhes falamos, em certas circunstâncias, pode influenciá-las. Deve causar
surpresa o fato de nelas se desenvolverem vícios dos quais se ignora
a fonte? Uma criança pode aprender a doçura com homens que se deixam
dominar por suas paixões? Pode adquirir sentimentos nobres com almas vis?
Pode aprender a ser boa com aqueles que a maltratam? Pode se tornar polida
com um homem que não o é? Pode, em uma palavra, adquirir as virtudes
sociais com aquele que não as possui? Sem falar dos vícios mais palpáveis,
estão aí uma série de observações minuciosas que contribuem essencialmente
para a formação do moral da criança. São essas atenções que se negligencia
na maioria das instituições, e outras bem maiores, as quais se pode
perceber sem esforços. Mas, dir-se-á, qual é o homem bastante paciente
para entrar nesses pequenos detalhes? Quem é que tem suficiente império
sobre si mesmo, para atentar sobre suas pequenas falas, sobre suas mínimas
ações? Quem é que sacrificará, por assim dizer, sua existência, para não se
ocupar senão em ser útil a seu aluno? Esse homem seria o ser por excelência. Eu
respondo: O professor, tal como eu o entendo, e não um mercenário cujo
objetivo é ganhar dinheiro, e que sacrifica tudo ao seu próprio interesse.
A reunião de todas essas qualidades no mesmo indivíduo é difícil, eu o
confesso; mas se ele não pode aspirar à perfeição, deve tratar de, pelo
menos, dela se aproximar o máximo possível. A obrigação que um professor
se impõe é bem difícil de preencher, é uma obrigação sagrada quando se
quer fazer honrado.
Alguém me perguntou um dia se
existe um homem, tal como o que acabo de descrever, e se esse não seria um
ser quimérico para o nosso século; pois eu não conheço, dizia ele, ninguém
que não seja dominado por um espírito de interesse e de egoísmo, mesmo
aqueles que querem parecer filantropos. Respondi que não censurava que se
tivesse em vista um pouco o seu interesse, nessa parte, porque cada um
deve assegurar seus meios de existência; mas que se faça disso um ramo de
comércio, uma especulação; que se sacrifique o interesse (físico, moral
ou intelectual) de seus alunos ao seu próprio interesse, eis o que
censuro. Existem, no entanto, homens como os que descrevi, mesmo em nosso
século; existem poucos, é verdade, mas é o que os torna ainda mais
estimáveis. Provavelmente terei oportunidade de voltar a falar sobre este
artigo, e aí darei a conhecer alguns desse homens.”
H. L. D. RIVAIL.
NOTAS
1 Le Petit Album
de la jeunesse, par Alexandre de Villiers. Paris, 1825. Traduzido do francês
pela equipe do GEAK.
2. Diretor de escola, membro da Academia da indústria, da Sociedade Universal
de Estatística, do Instituto Histórico, da Sociedade gramatical, da Sociedade
de Métodos, Correspondente da Sociedade de Emulação de Ain, etc.
etc. Rivail assumiu, em 18 de abril de 1857, o pseudônimo de Allan Kardec,
por ocasião da publicação da primeira obra fundamental da Ciência Espírita, em Paris, França, intitulada O Livro dos Espíritos. FONTE: http://geak.com.br/site/conteudo.php?id=56&idioma=1
Grupos de Estudos Allan Kardec
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