quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A família Pós-nuclear




Jerri Almeida
Preâmbulo

O
 estudo das relações familiares na contemporaneidade implica pensarmos sobre suas novas configurações e mediações. Sabemos que é cada vez mais comum encontrarmos exemplos de filhos que vivem somente com a mãe, com o pai ou com outro parente. O contexto das relações, na sociedade complexa que vivemos, define novos vínculos e novas tendências na composição da família. Conforme apontou Bauman, em seu livro intitulado Amor Líquido[1] – Sobre a fragilidade dos laços humanos, os relacionamentos conjugais tornaram-se, na pós-modernidade, muito “líquidos”, isto é, sem bases sólidas. Os valores sociais e culturais de nossa época contribuem para uma fragilização do casamento, ampliando vertiginosamente o número das separações.
Vínculos conjugais são rompidos, enquanto outros são – precipitadamente – iniciados sem o devido comprometimento ou consciência dos fatores responsáveis por imprimir qualidade na convivência conjugal. Separações e divórcios[2] são responsáveis, embora não serem os únicos, pelo aumento da família pós-nuclear.
A rigor, com as mudanças socioculturais e comportamentais, principalmente a partir dos anos 60, a mulher conquistando mais liberdade social passou também a assumir sozinha, diante de determinadas contingências, a chefia da família. Inúmeros fatores podem ser relacionados para explicar o surgimento da configuração familiar monoparental dentre eles podemos citar: a inseminação artificial, o que permitiu a mulher gerar filhos sem a figura do pai, a adoção, a viuvez e o divórcio. Na prática, define-se geralmente o modelo monoparental quando uma pessoa adulta, pai, mãe, ou outra, quer consanguínea ou não, assume o papel de cuidadora e orientadora de uma ou várias crianças.
Este modelo de família é reconhecido, no Brasil na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 226 no inciso 4° que diz: “Entende-se também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, conferindo-lhe a mesma proteção e segurança do Estado. Conforme o IBGE, de 1995 a 2005, a porcentagem de famílias chefiadas por mulheres com filhos e sem cônjuge passou de 17,4% para 20,1% no Nordeste, e no Sudeste, de 15,9% para 18,3%.
Eduardo de Oliveira Leite afirma que: “a monoparentalidade se impôs como fenômeno social nas três últimas décadas, mas, com maior intensidade, nos últimos vinte anos, ou seja, no período em que se constata o maior número de divórcios” [3].

Dois, não somente um!

Qual o impacto da falta de um dos pais para os filhos? Existem especificidades no papel de pai e de mãe? E nesse caso, a ausência de um deles poderá ser suprida pelo outro? Não pretendemos nesse estudo, reduzir a complexidade desse modelo de família ao limite de seus aspectos negativos. Todavia, é importante refletirmos mais profundamente sobre o tema em questão.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos a seguinte afirmação:



Quis Deus que os seres se unissem não só pelos laços da carne, mas também pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos se lhes transmitisse aos filhos e que fossem dois, e não um somente, a amá-los, a cuidar deles e a fazê-los progredir. [Grifos meus][4]

Não há duvidas que a estrutura familiar, composta por pai e mãe representa um imperativo da natureza para o melhor cumprimento de suas funções. A resposta dos espíritos é clara e objetiva. Partindo desse ponto ideal, devemos também compreender as variáveis que envolvem esse processo. No entanto, é relevante fazermos uma distinção dos papéis que envolvem o homem e a mulher na estrutura familiar. Anotando informações sobre a vida conjugal, André Luiz, no capítulo 20 de Nosso Lar, obteve o seguinte esclarecimento de seu instrutor: “...o lar é como se fora um ângulo reto nas linhas do plano da evolução divina. A reta vertical é o sentimento feminino, envolvido nas inspirações criadoras da vida. A reta horizontal é o sentimento masculino em marcha de realização no campo do progresso comum.” Essa diferenciação das singularidades do homem e da mulher implicam numa dinâmica de complementação extremamente rica, onde o principal beneficiado deveria ser o filho.
As funções, comumente aceitas, controladas pelos dois lados do cérebro, podem auxiliar na compreensão das diferenças[5] (que em nenhum momento implicam na ideia de superioridade ou inferioridade) entre homens e mulheres: a) Hemisfério esquerdo (lado direito do cérebro): habilidades matemáticas, raciocínio lógico, o pragmatismo, a objetividade, racionalidade, entre outros.  b) Hemisfério direito (no lado esquerdo do cérebro): criatividade, talento para as artes, intuição, imaginação, multiprocessamento, emoções, visão do todo, entre outros. O homem funciona mais no hemisfério esquerdo, enquanto a mulher no hemisfério direito. A evolução espiritual enseja o desenvolvimento de múltiplas potencialidades e, para isso, sabemos que o ser espiritual necessita transitar na polaridade masculina e feminina.
Mas como essas especificidades se tornam importantes na estrutura familiar? O escritor e educador Celso Antunes, analisa a dimensão desses papéis afirmando que:

A mãe é, por essência, aquela que supre as necessidades de alimento e de afeto; o elo essencial da segurança da criança e, principalmente, a ‘dialogadora’ essencial, a ‘admirável xereta’ que tudo, em todas as idades, através da conversa, busca compartilhar. O homem, sobretudo no Ocidente onde são mais exímios no uso do hemisfério cerebral esquerdo, nunca é parceiro ideal para o papo solto, a conversa disciplinadora, o bom interrogatório. Não que isso o impeça de conversar com os filhos. Deve conversar e muito, mas poucos são os homens capazes de tão bem quanto as mulheres equilibrar a fala à emoção e, dessa forma, ‘abrir’ os pensamentos da criança ou do adolescente.[6]

O autor assevera ainda:

O pai desempenha na educação dos filhos papel de igual importância, ainda que extremamente diferente. Nos primeiros anos da infância deve inspirar presença e proteção que ao serem demonstradas à esposa ficam claras também para a criança. Mas, a importância paterna cresce de forma extraordinária quando, por volta dos três anos, a criança começa a descobrir sua individualidade e inspira-se no pai para fundamentar a base de sua responsabilidade. Nessa fase, o pai é para a criança o personagem central da família, simbolizando com doçura ‘força’ e ‘poder’.  Embora nem sempre se perceba essa distinção entre a ação masculina e a feminina, esta é essencial para o fortalecimento do caráter.
A criança cresce descobrindo que existe em sua vida uma autoridade diária e contínua exercida pela figura da mãe e uma outra autoridade, não menor ou maior, mas exercida de forma mais distante, ainda que suprema, simbolizada pela figura do pai.  Do pai, como modelo dessa autoridade suprema, deve emanar a base dos conceitos morais da criança, que aos poucos descobre que o pai é o que ama e o que conduz. Os meninos, sobretudo, devem sentir orgulho desse pai a ponto de desejarem ser como ele.
O pai distante ou ausente [assim como a ausência da mãe] deixa o vazio, a carência de modelo de força e poder. E não existe na neurologia ou na psicologia qualquer estratégia ou remédio que possam compensar a dimensão dessa ausência.[7]


Quando a separação do casal for inevitável ou no caso da desencarnação de um dos cônjuges, por exemplo, ficando a educação dos filhos para apenas uma pessoa, é importante, segundo o referido autor, que esta saiba assumir outras funções e outros papéis. Se bem assumidos, poderão diminuir o impacto ou o vazio deixado, mas jamais o eliminará totalmente.


Conclusão

O relaxamento dos laços familiares pode gerar doenças e promover insegurança afetiva. A constatação é da cientista da Universidade da Califórnia (EUA), Rena Repetti, após reunir mais de 500 estudos sobre a relação entre família e saúde. A pesquisadora constatou que “crianças que crescem num ambiente de acolhimento e segurança emocional em geral são providas de maior senso de integração social e mais capazes de regular o próprio comportamento para manter a saúde do corpo e da mente...”.[8]
Temos visto, em nossa experiência profissional, alunos manifestarem em certos casos, comportamentos indisciplinados, outras vezes, por falta de modelos e de referenciais domésticos, terminam – por carência - deslocando para o professor (a), para um personagem da televisão ou, dependendo da índole desse jovem, para um traficante ou o chefe do tráfico do bairro ou da cidade.
Uma família bem resolvida, independentemente se nuclear ou monoparental, se configura num espaço relacional onde as emoções são trabalhadas positivamente, os limites e a disciplina são exigidos, o afeto nutre a convivência, os exemplos positivos estão presentes, e os problemas são enfrentados com responsabilidade, conforme os papéis assumidos e “acumulados”.



[1] BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2004.
[2] No Brasil o divórcio foi instituído pela Lei n. 6.515/77
[3] LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. P. 21.
[4] O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo 22, item 3.
[5] PEASE, Allan. Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? Tradução Neuza M. Simões. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. P. 41.
[6] ANTUNES, Celso. Bilhete ao Pai. Petrópolis,RJ: Vozes, 2005. P. 84-85.
[7] Idem.
[8] Sua Família, sua saúde: A medicina prova que os laços familiares são decisivos para manter o organismo sadio. Este vínculo pode ajudar a combater doenças como asma, depressão e até câncer. Revista Isto É, 16/04/2008, no. 2006, pág. 76-81. 

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