Jerri Almeida
Preâmbulo
O
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estudo das
relações familiares na contemporaneidade implica pensarmos sobre suas novas
configurações e mediações. Sabemos que é cada vez mais comum encontrarmos
exemplos de filhos que vivem somente com a mãe, com o pai ou com outro parente.
O contexto das relações, na sociedade complexa que vivemos, define novos
vínculos e novas tendências na composição da família. Conforme apontou Bauman,
em seu livro intitulado Amor Líquido[1]
– Sobre a fragilidade dos laços humanos, os relacionamentos conjugais
tornaram-se, na pós-modernidade, muito “líquidos”, isto é, sem bases sólidas.
Os valores sociais e culturais de nossa época contribuem para uma fragilização
do casamento, ampliando vertiginosamente o número das separações.
Vínculos conjugais são
rompidos, enquanto outros são – precipitadamente – iniciados sem o devido
comprometimento ou consciência dos fatores responsáveis por imprimir qualidade
na convivência conjugal. Separações e divórcios[2]
são responsáveis, embora não serem os únicos, pelo aumento da família
pós-nuclear.
A rigor, com as mudanças
socioculturais e comportamentais, principalmente a partir dos anos 60, a mulher
conquistando mais liberdade social passou também a assumir sozinha, diante de
determinadas contingências, a chefia da família. Inúmeros fatores podem ser
relacionados para explicar o surgimento da configuração familiar monoparental
dentre eles podemos citar: a inseminação artificial, o que permitiu a mulher
gerar filhos sem a figura do pai, a adoção, a viuvez e o divórcio. Na prática,
define-se geralmente o modelo monoparental quando uma pessoa adulta, pai, mãe,
ou outra, quer consanguínea ou não, assume o papel de cuidadora e orientadora
de uma ou várias crianças.
Este modelo de família é reconhecido, no
Brasil na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 226 no inciso 4° que diz:
“Entende-se também como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes”, conferindo-lhe a mesma proteção e segurança do
Estado. Conforme o IBGE, de 1995 a 2005, a porcentagem de famílias chefiadas
por mulheres com filhos e sem cônjuge passou de 17,4% para 20,1% no Nordeste, e
no Sudeste, de 15,9% para 18,3%.
Eduardo de Oliveira Leite afirma que: “a
monoparentalidade se impôs como fenômeno social nas três últimas décadas, mas,
com maior intensidade, nos últimos vinte anos, ou seja, no período em que se
constata o maior número de divórcios” [3].
Dois, não somente um!
Qual o impacto da falta de um dos pais para os filhos?
Existem especificidades no papel de pai e de mãe? E nesse caso, a ausência de
um deles poderá ser suprida pelo outro? Não pretendemos nesse estudo, reduzir a
complexidade desse modelo de família ao limite de seus aspectos negativos.
Todavia, é importante refletirmos mais profundamente sobre o tema em questão.
Em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, encontramos a seguinte afirmação:
Quis Deus que os seres se
unissem não só pelos laços da carne, mas também pelos da alma, a fim de que a
afeição mútua dos esposos se lhes transmitisse aos filhos e que fossem dois, e não um somente, a amá-los, a cuidar deles e a fazê-los progredir.
[Grifos meus][4]
Não há duvidas que a estrutura familiar, composta por
pai e mãe representa um imperativo da natureza para o melhor cumprimento de
suas funções. A resposta dos espíritos é clara e objetiva. Partindo desse ponto
ideal, devemos também compreender as variáveis que envolvem esse processo. No
entanto, é relevante fazermos uma distinção dos papéis que envolvem o homem e a
mulher na estrutura familiar. Anotando informações sobre a vida conjugal, André
Luiz, no capítulo 20 de Nosso Lar,
obteve o seguinte esclarecimento de seu instrutor: “...o lar é como se fora um
ângulo reto nas linhas do plano da evolução divina. A reta vertical é o
sentimento feminino, envolvido nas inspirações criadoras da vida. A reta
horizontal é o sentimento masculino em marcha de realização no campo do
progresso comum.” Essa diferenciação das singularidades do homem e da mulher
implicam numa dinâmica de complementação extremamente rica, onde o principal
beneficiado deveria ser o filho.
As funções, comumente aceitas, controladas pelos dois
lados do cérebro, podem auxiliar na compreensão das diferenças[5]
(que em nenhum momento implicam na ideia de superioridade ou inferioridade)
entre homens e mulheres: a) Hemisfério esquerdo (lado direito do cérebro):
habilidades matemáticas, raciocínio lógico, o pragmatismo, a objetividade,
racionalidade, entre outros. b)
Hemisfério direito (no lado esquerdo do cérebro): criatividade, talento para as
artes, intuição, imaginação, multiprocessamento, emoções, visão do todo, entre
outros. O homem funciona mais no hemisfério esquerdo, enquanto a mulher no
hemisfério direito. A evolução espiritual enseja o desenvolvimento de múltiplas
potencialidades e, para isso, sabemos que o ser espiritual necessita transitar
na polaridade masculina e feminina.
Mas como essas especificidades se tornam importantes
na estrutura familiar? O escritor e educador Celso Antunes, analisa a dimensão
desses papéis afirmando que:
A mãe é, por essência, aquela
que supre as necessidades de alimento e de afeto; o elo essencial da segurança
da criança e, principalmente, a ‘dialogadora’ essencial, a ‘admirável xereta’
que tudo, em todas as idades, através da conversa, busca compartilhar. O homem,
sobretudo no Ocidente onde são mais exímios no uso do hemisfério cerebral
esquerdo, nunca é parceiro ideal para o papo solto, a conversa disciplinadora,
o bom interrogatório. Não que isso o impeça de conversar com os filhos. Deve
conversar e muito, mas poucos são os homens capazes de tão bem quanto as
mulheres equilibrar a fala à emoção e, dessa forma, ‘abrir’ os pensamentos da
criança ou do adolescente.[6]
O autor assevera ainda:
O pai desempenha na educação dos
filhos papel de igual importância, ainda que extremamente diferente. Nos
primeiros anos da infância deve inspirar presença e proteção que ao serem
demonstradas à esposa ficam claras também para a criança. Mas, a importância
paterna cresce de forma extraordinária quando, por volta dos três anos, a
criança começa a descobrir sua individualidade e inspira-se no pai para fundamentar
a base de sua responsabilidade. Nessa fase, o pai é para a criança o personagem
central da família, simbolizando com doçura ‘força’ e ‘poder’. Embora nem sempre se perceba essa distinção
entre a ação masculina e a feminina, esta é essencial para o fortalecimento do
caráter.
A criança cresce descobrindo que
existe em sua vida uma autoridade diária e contínua exercida pela figura da mãe
e uma outra autoridade, não menor ou maior, mas exercida de forma mais
distante, ainda que suprema, simbolizada pela figura do pai. Do pai, como modelo dessa autoridade suprema,
deve emanar a base dos conceitos morais da criança, que aos poucos descobre que
o pai é o que ama e o que conduz. Os meninos, sobretudo, devem sentir orgulho
desse pai a ponto de desejarem ser como ele.
O pai distante ou ausente [assim
como a ausência da mãe] deixa o vazio, a carência de modelo de força e poder. E
não existe na neurologia ou na psicologia qualquer estratégia ou remédio que
possam compensar a dimensão dessa ausência.[7]
Quando a separação do casal for inevitável ou no caso
da desencarnação de um dos cônjuges, por exemplo, ficando a educação dos filhos
para apenas uma pessoa, é importante, segundo o referido autor, que esta saiba assumir
outras funções e outros papéis. Se bem assumidos, poderão diminuir o impacto ou
o vazio deixado, mas jamais o eliminará totalmente.
Conclusão
O
relaxamento dos laços familiares pode gerar doenças e promover insegurança
afetiva. A constatação é da cientista da Universidade da Califórnia (EUA), Rena
Repetti, após reunir mais de 500 estudos sobre a relação entre família e saúde.
A pesquisadora constatou que “crianças que crescem num ambiente de acolhimento
e segurança emocional em geral são providas de maior senso de integração social
e mais capazes de regular o próprio comportamento para manter a saúde do corpo
e da mente...”.[8]
Temos
visto, em nossa experiência profissional, alunos manifestarem em certos casos, comportamentos
indisciplinados, outras vezes, por falta de modelos e de referenciais
domésticos, terminam – por carência - deslocando para o professor (a), para um
personagem da televisão ou, dependendo da índole desse jovem, para um
traficante ou o chefe do tráfico do bairro ou da cidade.
Uma
família bem resolvida, independentemente se nuclear ou monoparental, se
configura num espaço relacional onde as emoções são trabalhadas positivamente,
os limites e a disciplina são exigidos, o afeto nutre a convivência, os exemplos
positivos estão presentes, e os problemas são enfrentados com responsabilidade,
conforme os papéis assumidos e “acumulados”.
[1]
BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido. Sobre
a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editores, 2004.
[2] No
Brasil o divórcio foi instituído
pela Lei n. 6.515/77
[3] LEITE,
Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. 2. ed. São Paulo: Revista
dos
Tribunais, 2003. P. 21.
[4] O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Capítulo 22, item 3.
[5]
PEASE, Allan. Por que os homens fazem
sexo e as mulheres fazem amor? Tradução Neuza M. Simões. Rio de Janeiro:
Sextante, 2000. P. 41.
[6]
ANTUNES, Celso. Bilhete ao Pai.
Petrópolis,RJ: Vozes, 2005. P. 84-85.
[7]
Idem.
[8] Sua
Família, sua saúde: A medicina prova que os laços familiares são decisivos para
manter o organismo sadio. Este vínculo pode ajudar a combater doenças como
asma, depressão e até câncer. Revista
Isto É, 16/04/2008, no. 2006, pág. 76-81.
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