Jerri Almeida
Na mitologia grega, quando
Urano, o Céu, fecunda a Terra, nasce a
geração dos Titâns e, dentre eles, Cronos, o tempo. Com extrema ferocidade,
Cronos devora os seus próprios filhos, com exceção de Zeus que resiste ao
tempo, conquistando a imortalidade. O tempo é implacável! É rápido como um raio
de luz que cruza o ambiente com uma rapidez audaz, imperceptível. O tempo é
dominador, subjuga as criaturas humanas de forma indelével e a faz suas
escravas.
Voltando para a mitologia,
agora romana, Jano era cultuado como o “deus dos inícios”. Divindade
responsável pelo fim de uma etapa e início de outra. No calendário romano e
depois cristão, deu origem ao nome “janeiro”, definido como o primeiro mês do
ano. Dezembro, último mês do ano representa matemática e simbolicamente o fim
de uma etapa, com suas experiências, acertos e desacertos, méritos e deméritos,
felicidades e desditas. Vivemos na órbita do tempo e de suas representações.
O relacionamento humano com
o tempo carrega uma forte bagagem de subjetividades ancoradas na memória que,
aliás, na mitologia grega, é a irmã de Cronos. O tempo é depositário das
lembranças, dos fatos vividos em família, com amigos, dos afetos e desafetos.
Boas e más recordações fazem parte da vida. Algemar-se ao passado,
principalmente sobre os eventos negativos, é algo que exige ser bem
administrado pelo departamento da inteligência e dos sentimentos. Em nada
contribui uma fixação melancólica no passado, uma vez que essa fixação,
normalmente, retira da pessoa o foco principal de sua vida: o presente.
Ao aproximar-se o período de
final de ano, pessoas há que se dizem envolver, sem que saibam explicar, por
uma boa dose de tristeza e melancolia. Ficam quietas, buscam o isolamento
evitando festas e diversões. A psicologia busca uma possível explicação para
esse fenômeno em prováveis conteúdos inconscientes, vividos consciente ou
inconscientemente, em algum momento da vida e que, por algum motivo, afloram
nessa época: a perda de uma pessoa, um
desencanto amoroso, objetivos alimentados durante aquele ano mas não atingidos,
etc.
Nem todos, portanto, estão
convencidos de que devem comemorar, ufanisticamente, a virada do ano. Alguns preferem o silêncio. Familiares e
amigos muitas vezes não compreendem, nem respeitam, tais posturas. Cada pessoa
tem sua própria forma de reagir a essas representações do tempo, pois isso mexe
com conteúdos profundos de nossa alma.
Ocorre, na lógica comum, que comemorar o fim de ano é fazer o que todos
fazem: vesti-se de branco, se possível
ir para a beira da praia, tomar champanhe e terminar a noite numa boate ou a um
show qualquer, uma verdadeira festa de passagem. Quem adota outro comportamento
que fuja dessas convenções deve “estar doente”.
O relacionamento do homem
com o tempo possui uma dimensão cultural, simbólica, idílica ou lúdica. O final
do ano, nesse contexto representa uma forte tradição cultural no universo dos
rituais de passagem, herdeiros do imaginário ancestral, e dos rituais pagãos. O
fato é inquestionável: somos seres fortemente influenciados pela noção de
tempo. Parece haver um tempo para tudo, e comportamentos convencionados para
cada situação. Negar-se a aceitar essas representações do tempo sobre nós,
parece ser tarefa quase revolucionária, anarquista mesmo!
Mas, como tantas outras
revoluções, que expressão até certo ponto a rebeldia humana, o rebelar-se
contra o tempo, seus significados e efeitos sobre nós não mudará a
temporalidade das coisas. Será uma batalha perdida! Melhor, talvez, seja
aprendermos a conviver bem com o presente e tudo o que dele possamos extrair
para torná-lo pleno de possibilidade e de ações afirmativas na composição de um
ser humano mais ético e solidário.
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