Jerri Almeida
Se um grande problema no entendimento do espiritismo é o estudo
fragmentado, sem conexão entre os textos de Kardec, podemos considerar que isso
irá repercutir em outro problema: a não compreensão, ou compreensão distorcida
e limitada, de algumas palavras utilizadas pelos espíritos ou pelo próprio
Kardec. Uma leitura apressada compromete o entendimento de toda teoria. Uma
palavra costumeira poderá ser empregada, dentro de uma doutrina, com outro
sentido, diferente daquele que estamos habituados. Assim, se fizermos uma leitura fragmentada,
atribuiremos um significado cotidiano para certa palavra, nos distanciando do
seu real significado no conjunto da teoria. Um exemplo bem significativo é a
palavra “castigo” (ou “punição”), por vezes encontrada em questões (258 a.,
295, 328, 714 a., 964, 973, 1009...) de O
Livro dos Espíritos.
Uma leitura impulsiva, superficial, desses textos poderá levar o leitor
à conclusão de que Deus castiga o ser humano em seus deslizes vivenciais.
Kardec, na questão 258 a., chegou indagar: “Não é Deus, então, quem lhe impõe as tribulações da vida,
como castigo?”. As crenças
equivocadas que construímos sobre Deus, ao longo de séculos de teologia do
medo, ao lado de explicações pueris para os sofrimentos humanos, criou um
arquétipo em nosso psiquismo do Deus, como dizia Voltaire, “a imagem e
semelhança do homem”. Trata-se do deus Javístico, possuidor das mesmas
imperfeições humanas.
Após longos séculos de vivências de um
imaginário religioso arbitrário, chegamos ao espiritismo e somos convidados por
ele a mudarmos esse imaginário perverso. Ocorre que mesmo aí, o
espiritismo não foi bem compreendido. Para muitos, que costumam fazer leituras
fragmentadas, Deus continua castigando. Não perceberam que o termo “castigo”
utilizado nas obras, longe de expressar aquele conceito teológico tradicional,
traduz uma ação educativa, como consequência natural, derivada de certos
movimentos das experiências vivenciais do espírito. A forma como nos
movimentamos na vida, repercute como ondulações de variadas intensidades,
gerando processos/estímulos que objetivam a harmonia do sistema indivíduo/evolução.
Ainda não compreendemos muitas coisas sobre Deus, o que é natural, mas
já percebemos o que não deriva Dele. O espiritismo não é reducionista, sua base
teórica não repousa na teologia, mas na experimentação e na filosofia, o que
lhe permitiu desenvolver um pensamento aberto, antidogmático, crítico e,
portanto, racionalista. Não viria ele reafirmar princípios já existentes e
ultrapassados para o pensamento moderno. Por isso, chamamos atenção para o
estudo meticuloso, integrado ou sistêmico das obras básicas e dos demais
escritos de Kardec. Somente assim, evitaremos o entendimento simplista dos
princípios espíritas.
O momento é de revisitarmos Kardec! Retomarmos o estudo meticuloso de
sua variada obra, pois dessa forma, ouvindo a voz da essência, compreenderemos
o que é de fato o espiritismo.
(O Semeador, outubro de 2013)
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