“O justo
viverá da fé”
A
fé, no pensamento predominante do Ocidente, esteve sempre associada ao binômio:
“obediência e confiança”. Em vários textos do Novo Testamento, colheu-se a
ideia de que o indivíduo deve abandonar as especulações do intelecto para
“entregar-se” à crença no Reino do qual Jesus ensinava. É certo que esse
“Reino” é o reino do amor e de paz, que está dentro do próprio sujeito. No
entanto, os escritores do texto bíblico, apresentavam no limite de suas
possibilidades, um entendimento literal das palavras e ensinos de Jesus. Os
teólogos, posteriormente, parecem ter seguido pelos estreitos campos de
análise, na configuração de uma teologia do medo. A tônica religiosa é
atemorizar os indivíduos com a ideia de “julgamento final” para oferecer, aos
que “crerem”, a salvação. Assim, o “crente” deve acreditar na mensagem do
Cristo, deve obedecer ao “chamado” para viver intensamente algo que a própria
pessoa não compreende.
A
identidade do cristão, no cristianismo pós-Jesus, foi construída mediante ao
ato de crer. Todavia, a crença não justificada pela compreensão, mesmo
relativa, torna-se frágil, sem o suporte necessário para enfrentar os grandes
desafios existenciais. No passado, a dúvida e o questionamento tornaram-se
heresias, dignas de serem punidas com os mais terríveis castigos. Criou-se, no dizer de Herculano Pires, uma “fé
ingênua”, onde a inteligência foi subjugada pelo dogma e pelo medo.
Em
Lutero, por ocasião do cisma do século XVI, a fé transformou-se no principal
caminho para a salvação. Salvação do quê? A Reforma não reformou a teologia do
medo. Para Eliade, o fundamento da teologia de Lutero está consubstanciado na
assertiva: “o justo viverá da fé” (Rom., I:12). A Epístola aos romanos seria “o
documento mais importante do Novo Testamento.” Nas observações de Mircea
Eliade:
Lutero compreendeu a impossibilidade de obter a justificação (isto é,
uma relação adequada com Deus) por meio de seus próprios atos. Ao contrário, o
homem é justificado e salvo apenas pela fé em Cristo. Tal como a fé, a salvação
é concedida gratuitamente por Deus. (ELIADE, 2011, Vol.3, p. 225)
Em uma de suas anotações
de junho de 1522, escreveu Lutero: “Não admito que minha doutrina possa ser
julgada pelos homens, ou mesmo pelos anjos. Aquele que não aceita minha
doutrina não pode alcançar a salvação.” (Idem, p. 227) A arrogância humana
parece não ter limites. Lutero considerava impossível a harmonia entre razão e
fé, assim como também condenava a Ética de Aristóteles, segundo a qual as
virtudes morais podem ser obtidas pela educação.
Para Erasmo de Rotterdam,
que sofreu duros ataques de Lutero, a liberdade de escolher entre o bem e o mal
era a condição sine qua non da responsabilidade humana. Seu grande
projeto pessoal foi aquele do esforço intelectual para compatibilizar e
conciliar o cristianismo e as ciências, a fé e o saber.
Referências
Bibliográficas
BLAINEY,
Geoffrey. Uma Breve História do
Cristianismo. São Paulo: Editora Fundamento, 2012.
ELIADE,
Mircea. História das Crenças e da Ideias
Religiosas. Vol.3, Trad. Roberto Cortez de Lacerda. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2011.
FERRY, Luc. Aprender
a Viver – Filosofia para os novos tempos. Tradução: Vera Lúcia dos Reis.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
FISICHELLA,
Rino. Introdução à Teologia Fundamental. Tradução de João Paixão Netto.
São Paulo: Loyola, 2000.
JUSTINO,
São. Diálogo de Trifão. In: FOLCH
GOMES, Cirilo. Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Edições Paulinas,
1979.
ROHDEN,
Cleide Cristina Scarlatelli. A
Camuflagem do sagrado e o mundo moderno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.
ZILLES,
Urbano. Profetas, Apóstolos e
Evangelistas. 2ª. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1992.
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