Filon de Alexandria (20a.C.- 50d.C.), filósofo judeu e contemporâneo de Jesus, cujas idéias a respeito do objetivo da vida situava-se na própria integração com Deus através de sucessivas existências; teve um papel muito importante na combinação dos pensamentos grego e judaico. Filon e sua escola de pensamento davam uma interpretação alegórica ao Antigo Testamento, conferindo-lhe um significado simbólico. A reencarnação fazia parte de sua visão filosófica sobre a vida: “As (almas) que se deixam influenciar pelo desejo de uma vida mortal...retornam a ela” (1) - escreveu ele. Filon viveu na cidade de Alexandria próximo do delta do Nilo, famosa por sua biblioteca e por ser um grande centro intelectual da época. Suas idéias influenciaram profundamente alguns patriarcas da Igreja romana: Clemente de Alexandria, Orígenes e Ambrósio. Filon era um erudito que acreditava e ensinava que o ser humano pode chegar a Deus pela sabedoria e pela transcendência.
A partir do século IV, no entanto, a idéia das vidas sucessivas que era naturalmente difundida, mexeria profundamente com as estruturas de interesse da greja romana. Um padre chamado Ário que viveu entre 250d.C. – 336d.C., nascido no Líbano, ensinava que Jesus era filho de Deus; logo, Jesus teve um princípio. A doutrina ariana se fundamentava no texto bíblico (Pr. 8,22) onde se afirmava que: “O Senhor me criou, princípio das suas vias em vista das suas obras.” A partir disso Ário concluiu que Jesus não era consubstancial ao Pai, isto é, Jesus deveria ser colocado no patamar da criação divina, sendo distinto da divindade.
Para os arianistas, a proposta de Jesus ter encarnado na Terra seria para nos ensinar como chegar a ele. Ário defendia que isso seria possível através de sucessivas existências físicas. As idéias arianistas ensejaram o concílio de Nicéia, uma cidade a beira de um lago a sudeste de Constantinopla, em junho de 325. O ponto central dos debates era se Jesus havia sido criado ou não. Se houvera sido criado, conforme entendiam os arianistas, então o progresso poderia ser alcançado por nós se seguíssemos, simples e tão somente, os seus ensinamentos. Mas se ele não houvesse sido criado, sendo, portanto igual a Deus, como desejavam alguns bispos, então seria totalmente distinto da criação. Nesse caso, a criatura humana para atingir a “salvação” dependeria exclusivamente da subserviência aos princípios da Igreja romana.
A idéia da reencarnação encontrou resistência por parte de certos teólogos e, certamente, também de Constantino. Lembremos que no início do século IV, o Império Romano começava a sentir os sintomas de um conjunto de crises que terminariam por desestruturá-lo como entidade política unificada. O papel desempenhado por Constantino ao reconhecer o Cristianismo como religião, em um Império decadente, ganha contornos de uma hábil manobra política, na tentativa de obter o apoio da nascente Igreja Católica e, ao mesmo tempo, manter os cristãos sob seu domínio.
Mas ao “aceitar” o Cristianismo, Constantino também o reformulou conforme seus interesses, pois, possuído o poder temporal, ele também ambicionava o poder espiritual, através de uma posição destacada dentro da Igreja. Claro que o debate sobre a natureza de Cristo e a reencarnação eram questões teológicas, desde muito presentes no pensamento do Ocidente. Constantino, no entanto, preocupou-se também em definir uma unidade teológica para a Igreja de Roma.
Ainda no início de seu governo, Constantino convocou o Concílio de Nicéia, que se reuniu durante dois meses e, pela primeira vez, um governante secular assumia posição de intervir na doutrina cristã. Conforme Atanásio, ferrenho opositor do arianismo, que participou do Concílio como diácono do bispo Alexandre, o número de participantes ultrapassou 300 bispos, vindos de diversas partes. Depois de muitos debates, Ário e seus seguidores foram derrotados. Os bispos decidem aprovar o chamado “Credo de Nicéia”, no qual – entre outras coisas – se identificava Jesus com Deus, e não com a Criação:
"Creio em um só Deus, o Padre Onipotente, Criador do Céu e da Terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis e em um só Jesus Cristo. Senhor Nosso, filho de Deus ungido, e nascido do Pai, Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito da mesma substância como o Pai pelo qual foram feitas todas as coisas... que encarnou e foi feito homem." (2)
Tal orientação teológica negava aos seres humanos a possibilidade de se atingir a instância espiritual de Jesus, separando-o da Criação, não haveria, portanto, a noção de evolução espiritual através dos tempos, ou seja, ocorre a negação da preexistência da alma e sua possibilidade de progresso. Apenas dois bispos e o próprio Ário se recusaram a assinar o Credo de Nicéia e, por isso, Constantino os baniu do Império, afirmando que a decisão do Concílio tomada durante as “sagradas assembléias dos bispos” deveria ser aceita por todo o Clero como “indicativo da vontade divina.” (3)
Daí em diante, a Igreja se tornaria a única representante de Deus na Terra, uma mediadora entre os homens e o divino. Na prática, representaria um deus caprichoso e autocrático, um deus que não era diferente de Constantino e de outros imperadores romanos. (4) A controvérsia sobre a preexistência do Filho (Jesus) e a questão de que o Logos é diverso do Pai segundo a substância, portanto, que Jesus encarnou na Terra como as outras criaturas, permaneceria ainda muito forte após o Concílio de Nicéia. Os seguidores de Eusébio de Cesaréia queriam a revisão do Concílio de Nicéia, fato que, naturalmente, não foi concedido por Constantino. (5)
Naturalmente a visão reencarnacionista ensejava, desde os seus primórdios, a concepção do ser humano ser autor de seu próprio destino e, portanto, dependeria somente do indivíduo e seu livre-arbítrio, lograr o progresso ou a “salvação”, e de mais ninguém. Evidentemente essa proposta desarticulava os interesses de supremacia político-religiosos da época.
NOTAS
(1)FILON Apud PROPHET, p. 85
(2)Credo de Nicéia Apud. PROPHET. P. 202.
(3)Constantino Apud PROPHET. P. 204.
(4)Cf. PROPHET, Elisabeth C. Reencarnação: o Elo Perdido do Cristianismo. 2ª ed.Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1998. p. 205.
(5)CORBELLINI, Vital. A Participação de Atanásio no Concílio de Nicéia e a sua defesa do homooúsios. In. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 37, n. 157, p. 396-408, set. 2007.
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Prezado Confrade,
ResponderExcluirO texto está muito interessante; fico na expectativa da sua continuação.
As suas reflexões me despertaram os seguintes questionamentos:
1-É sabido que o centro dos debates no Concílio de Nicéia é a divindade ou não do Cristo. Mas, quanto à reencarnação, existe alguma referência explícita no texto do Concílio?
2-Ário, além de negar a divindade do Cristo, também era reencarnacionista?
3-Assisti a uma palestra em que o expositor afirmava que Justiniano, imperador bizantino, teria, à pedido de sua esposa, suprimido a crença reencarnacinista do Cristianismo. Achei semelhante afirmação muito interessante, mas lendo sobre Justiniano e o Império Bizantino não consegui encontrar nenhuma referência clara ao fato. Por acaso você saberia indicar-me alguma bibliografia à respeito?
No aguardo,
Carlos
Muito instrutiva essa visão,pois politiza as intenções eclesiásticas e questiona o mito da "vontade divina" para questões que não encontram lastro para argumentação.
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