Com Platão, Século IV a.C., estrutura-se, pela primeira vez de maneira sistemática, a justificativa filosófica de cunho metafísico, que se tornará paradigmática no Ocidente.(1) Embora Platão não ter usado a palavra “metafísica” que não existia em sua época, ele busca, através de seus diálogos, a realidade causal, o mundo das justificativas e, portanto, o mundo real.
Dessa forma, chega a conclusão da existência de dois mundos: o Mundo das Idéias e o Mundo Sensível. O Mundo das Idéias em Platão – e “idéia” aqui não deve ser confundida com “conceitos de nossa mente” – é um mundo supramaterial, eterno, onde reina a verdade, a perfeição e a suprema importância do Bem. Esse mundo representaria a “forma” do mundo material, pois para tudo que existe aqui, haveria um modelo causal e perfeito no Mundo das Idéias.
O Mundo Sensível representaria, por sua vez, o mundo material com as imperfeições que lhes são inerentes. É o mundo ilusório, dos sentidos, mutável, perecível e caótico. Logo, um reflexo imperfeito do Mundo das Idéias. Nesse sentido, o conhecimento representaria uma importante via de transição, para o ser humano, da ilusão para a realidade, onde a idéia do Bem consubstanciaria o auge desse processo.
Dos textos (2) de Platão podemos extrair inúmeras afirmativas concernentes a teoria da reminiscência. Sim, estamos falando daquela famosa frase platônica que “aprender é recordar”. (3) Esse “recordar” está relacionado com a idéia das vidas sucessivas.
Em seu valioso estudo sobre os mitos platônicos, Geneviève Droz, filósofa e professora em Montpellier, destaca no Ménon (80d-86c), a afirmação sobre a imortalidade e a transmigração das almas. Platão, através dos diálogos de Sócrates, afirma que: “pesquisar e aprender não é senão se lembrar, quer dizer, encontrar em si mesmo, no seu próprio cabedal, um saber que já lá está.” A afirmação é Socrática:
A alma é imortal e renasce várias vezes. Contemplou, portanto, antes de qualquer existência encarnada, todas as coisas e possuiu o conhecimento. Portanto, não há nada de espantoso em que tenha, aqui na Terra, lembranças desse saber. Uma lembrança puxando outra, é possível reencontrar a integralidade do já conhecido. (4)
Analisando o argumento da reminiscência, Droz assim se expressa: “Se a alma viu, desencarnada, e esqueceu ao encarnar-se, impõe-se que tenha, aqui em baixo, a faculdade de lembrar-se. O amor é um dos meios para esse resultado.”(5) Em seus diálogos metafísicos, Platão não se esquivou em defender o argumento da imortalidade da alma e de suas sucessivas existências. Em seu livro A República, narra a história de um homem chamado Er que, morre gravemente ferido em uma batalha, mas por ocasião de seu funeral, doze dias depois, ele volta a vida, informando o que seu espírito vivenciou nesse período. Platão descreve essa experiência fora do corpo, que chamaríamos hoje de “morte aparente”. Er, recordava-se de ter visitado planos superiores e inferiores à Terra onde as almas venturosas ou infelizes viviam por determinados períodos, findo os quais, retornavam novamente à Terra servindo-se de novos corpos.
E era digno de se ver esse espetáculo, contava ele, como cada uma das almas escolhia a sua vida. Era, realmente, merecedor de piedade, mas também ridículo e surpreendente. Com efeito, a maior parte fazia a sua opção de acordo com os hábitos da vida anterior. [...] Assim que todas as almas escolheram as suas vidas, avançaram, pela ordem da sorte que lhes coubera, para junto de Láquesis. Está mandava a cada uma o gênio que preferira para gardar a sua vida e fazer cumprir o que escolhera.(6)
Platão não usou o vocábulo reencarnação, pelo simples fato dessa palavra não existir à época. Mas deixou claro, como exposto no texto acima, a crença no retorna do espírito ao corpo físico vinculando-o a escolha de um projeto existencial. Nota-se, também, a importância da lei de causa e efeito como elemento determinante dessa nova vida, e a ação dos espíritos protetores em amparar seus tutelados na nova jornada.
A problemática determinante da condição humana repousa sobre o velho dilema das origens dos sofrimentos e as aspirações por felicidade. A idéia da reencarnação, nesse sentido, representava um modelo explicativo para as vicissitudes da vida. Observamos que, também entre os romanos, tal idéia se fazia presente. O poeta Virgílio, em seu livro Eneida assim se expressa:
Pois é crível, meu pai, que almas sublimes
Aos tardos corpos, ressurgidos, voltem?
(...)
Ao rio um deus, por que elas, do passado
Esquecidas, rever a esfera queiram,
E entrar de novo nas prisões corpóreas. (7)
A rigor, sabe-se que o mundo romano era permeado de muitas crenças, concepções e doutrinas. Quando o Cristianismo nasceu, há mais de dois mil anos, não passava de uma entre tantas outras comunidades fechadas existentes nos territórios dominados por Roma. Nos três primeiros séculos de Cristianismo, o ambiente histórico-filosófico, era determinado pela influência da cultura grego-romana e judaica. Havia um intenso intercâmbio cultural e religioso entre Oriente e Ocidente, sobretudo, pelo projeto expansionista iniciado por Alexandre Magno (356 a.C. – 323 a.C.) Nesse ambiente tão diversificado de idéias, o princípio das vidas sucessivas ocupava importante espaço.
NOTAS
(1)LARA, Tiago Adão. A Filosofia nas suas Origens Gregas. Petrópolis, RJ. Vozes, 1989.
(2)PLATÃO. Fédro (249b-250b); Teeteto (148c-151d); Ménon (80b-86b) Fédon ( O argumento da reminiscência), entre outros.
(3)PLATÃO. Fédon. Diálogos sobre a Alma e a morte de Sócrates.
(4)PLATÃO Apud. DROZ, Geneviève. Os mitos platônicos. Trad. Maria A. R. Keneipp. Brasília: Ed. UnB, 1997. P. 65.
(5)Idem. P. 67.
(6)PLATÃO. A República - 620 a..
(7)VIRGÍLIO. Eneida. Livro VI. P. 239. ( Clássicos Jackson – Vol. III)
sábado, 6 de março de 2010
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Muito interessante o seu blog. Parabéns.
ResponderExcluirJanete (www.adoteoamor.blogspot.com)