Jerri Almeida
Nossa cultura contemporânea fez do prazer “a medida de todas
as coisas” e, com isso, negou ao ser humano um sentido existencial mais
profundo para as dores da vida. O cristianismo, durante séculos, produziu um
modo de sofrer, ou seja, ofereceu um significado para o sofrimento. Isso produziu
certo conforto, a gente não deixa de sofrer, mas o sofrimento passa a ter uma
significação. No entanto, o Cristianismo também não conseguir explicar com mais
detalhes e profundidade os múltiplos fatores do sofrimento humano.
As angústias essenciais do Ser necessitam de significados e,
na medida em que passamos a compreender melhor os mecanismos da vida, passamos
a desenvolver uma espécie de cosmovisão sobre “o existir”. O Espiritismo desvelou os imperativos da
vida, oferecendo um “modo de sofrer”, não no sentido compensatório, de sofrer
hoje para ser feliz depois da morte, mas no sentido educacional, na medida em
que os desafios servem, conforme observou Léon Denis, como: “...agentes do
desenvolvimento humano.”
Estando as causas do sofrimento na atual experiência
reencarnatória, conforme a forma que o sujeito direciona suas escolhas, seria
relativamente clara a gênese de muitas aflições e dores vivenciadas. São
situações onde a própria pessoa, quer por sua imprudência, irresponsabilidade,
falta de reflexão e imaturidade, forja as raízes de seus sofrimentos mediatos,
imediatos e/ou futuros. No entanto, a grande interrogação sempre esteve no
sofrimento dos moderados, prudentes, equilibrados, reflexivos, amorosos,
responsáveis, etc.
O Espiritismo veio oferecer suas explicações para esses
casos nebulosos. Tratou de situar a experiência humana, à luz da reencarnação e
das leis da vida, para além dos estreitos limites da existência física. Por
isso, as ações humanas em um determinado espaço-tempo, repercutem positivamente
ou não, conforme sua própria natureza, na plasmagem das contingências
evolutivas (educacionais) que comporão as experiências do ser
espiritual em sua admirável jornada em busca por si mesmo.
Nesse sentido, o sofrimento sob qualquer aspecto, nada tem
de castigo, mas funciona como um dispositivo (indutor) da vida, capaz de fazer
fervilhar no mundo íntimo e consciencial, o amadurecimento que a própria vida
lhe exige, face aos imperativos de seu crescimento mental e emocional. Essa
explicação da filosofia espírita possui um impacto muito prático na vida
cotidiana. Essa formulação poderá ajudar o indivíduo compreender que nada lhe
acontece injustamente ou casuisticamente. Em tudo, por mais que tenhamos
dificuldade em sabermos os detalhes no momento, há uma experiência peculiar
para aquele a vivencia.
Logo, o sofrer faz parte das contingências do mundo e
deveríamos ensinar para nossos filhos que isso é natural. Viver angústias e
inquietações faz parte da condição do espírito humano, é “normal”, todos
viverem em algum momento seus problemas, suas dores. Nem por isso as pessoas de
modo geral, buscam se drogar, se desequilibram ou se deprimem. E quando o fazem
isso repercute na produção de mais sofrimento! Portanto, somos os articuladores
de nossa felicidade ou desdita e, diariamente estamos modelando as angulações
do nosso futuro.
Também nesse aspecto a fé racional traz o seu contributo,
pois ela, em tese, tranquiliza e acalma o sujeito através do nível de
aclaramento que proporciona. É bem verdade que, cada pessoa, possui uma forma
própria de metabolizar o conhecimento espírita, o que é muito natural. Ainda
assim, é importante lembrarmos a questão 943 de O Livro dos Espíritos:
Donde o desgosto da vida, que,
sem motivos plausíveis, se apodera de certos indivíduos?
“Efeito da ociosidade, da falta de fé e também, da ociosidade.
Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas
aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais
rapidamente. Ele lhe suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e
resignação, quanto obra com o fito da felicidade
mais sólida e mais durável que o espera.” [Grifos meus]
Partindo da premissa de que a “falta de fé” é um dos
fatores que conduzem a um estado de desgosto da vida e, portanto, de
infelicidade, a construção da fé
racional representaria, então, um valioso suporte para o exercício consciente
da paciência e resignação. Devemos lembrar, todavia, que o sentido de resignação
no Espiritismo, reveste-se de um verdadeiro dinamismo. A fé racional em nenhum
momento deverá refletir um estado de passividade e conformismo diante das
vicissitudes da experiência humana.
A resignação dinâmica produz uma postura de equilíbrio
pessoal, e de ação, na busca pelos recursos plausíveis, seja para superar ou
mesmo atenuar os sofrimentos e aflições. É ultrapassar o discurso conformista
do “Deus quis assim!”, assumindo uma postura de responsabilização pessoal pelo
que nos acontece, direta ou indiretamente. Logo, conforme informaram os
espíritos a Kardec, na questão 964 de O
Livro dos Espíritos, Deus não se preocupa com cada um de nossos atos, para
nos repreender ou recompensar. Ele criou Leis que regem a dinâmica da vida, na
sua expressão física e espiritual. Somos felizes quando nos firmamos nessas
Leis e sofremos os resultados naturais quando delas nos afastamos.
Mesmo quando não houver, nessa existência,
possibilidade de uma reversão integral da problemática vivida, a exemplo do
indivíduo que perde uma perna, que fica paraplégico, dentre outros, permanecerá
robustamente a convicção na temporalidade dessa experiência, que é, justamente,
uma condição de tempo mais ou menos breve. Seguirá o sujeito, observando os
seus limites temporários, mas também suas possibilidades de auto-superação,
descobrindo dentro de si mesmo, forças insuspeitadas que lá estavam latentes.
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