O conflito familiar expresso entre Caim e Abel, no mito bíblico, constitui interessante conteúdo de reflexão sobre o impacto da palavra. Caim personifica o componente desagregador das relações: ambição, inveja, vaidade, descomunicação. A violência cometida por Caim é, também, decorrência da falta de comunicação de seus próprios sentimentos.
Se Caim iniciou, metaforicamente, a violência doméstica, assassinando o próprio irmão, o ato de “assassinar” tem sentido mais amplo. Implica na negação da convivência com aqueles que, de alguma forma, oferecem perigos a auto-afirmação do Ego. Abel foi pastor de ovelhas e Caim lavrador de terra. Ocorre que Caim oferecia o produto de seu trabalho ao Senhor, assim como Abel. Mas o Senhor só tinha olhos para Abel. Seria este o filho preferido? A mitologia trabalha com elementos arquetípicos do inconsciente coletivo, por isso sua atualidade. Nesse caso, em especial, queremos chamar a atenção para a falta de comunicação na mediação dos conflitos.
Há um fundo emocional que permeia o processo da comunicação, ou a falta dela, entre as pessoas. Esse fundo emocional consiste num estado de espírito (ressentido, amedrontado, colérico, sereno, confiante, ...) nutrido por cada um. Consciente ou inconscientemente, podemos carregar bloqueios e dramas não resolvidos do presente ou do passado reencarnatório. Essas estruturas atuam com maior ou menor intensidade na formatação desse fundo emocional, refletindo relacionamentos caracterizados por incompreensões crônicas, ou diálogos produtivos.
Caim não comunicou seus sentimentos, provavelmente bloqueados, ao Senhor. Com isso psiquicamente passou a anular aquele que lhe ofuscava o brilho. Os pais parecem não ter conversado sobre o problema, deixando que ele se agigantasse.
A comunicação é faculdade natural do espírito humano, disposta para sua vida de relações. O mutismo, por seu turno, pode ser decorrente de ressentimentos e mágoas cristalizadas nos porões da mente.
O cuidado com o uso da palavra é de extrema importância. André Luiz, em seu livro Entre a Terra e o Céu, Cap. 22, explica que:
(...) a palavra, qualquer que ela seja, surge invariavelmente dotada de energias elétricas específicas, libertando raios de natureza dinâmica. A mente, como não ignoramos, é o incessante gerador de forças, através dos fios positivos e negativos do sentimento e do pensamento, produzindo o verbo que é sempre uma descarga eletromagnética, regulada pela voz. Por isso mesmo, em todos os nossos campos de atividade, a voz nos tonaliza a exteriorização, reclamando apuro de vida interior, de vez que a palavra, depois do impulso mental, vive na base da criação; é por ela que os homens se aproximam e se ajustam para o serviço que lhes compete e, pela voz, o trabalho pode ser favorecido ou retardado, no espaço e no tempo.
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