domingo, 11 de outubro de 2009

O ELO "ESQUECIDO" DO CRISTIANISMO


No próximo domingo, dia 18 de outubro, estarei na cidade de Rio Grande (RS)participando do Seminário: "A Reencarnação à luz da Ciência e do Espiritismo." Estarei abordando um tema que tem sido objeto, já algum tempo, de minhas pesquisas como historiador: A Reencarnação na história. No artigo a seguir, escrevo um breve resumo do trabalho que pretendo lá apresentar de forma mais completa.

Preâmbulo

Há muito tempo os cristãos acreditavam na reencarnação. Essa é a conclusão da escritora americana Elizabeth Clare Prophet, em seu livro “Reencarnação: o elo perdido do cristianismo”(1). A obra é uma análise histórica da reencarnação, especialmente, a partir do cristianismo até os concílios da Igreja e a perseguição aos hereges. A autora, embora utilizar uma fonte bibliográfica extremamente rica e usar uma terminologia eminentemente espírita (reencarnação, mundo espiritual...), não faz nenhuma referência ao espiritismo. De qualquer forma, iremos refletir, dentro dessa breve historiografia de idéias sobre a reencarnação, a proposta espírita, oportunizando, na atualidade, a continuação dos ensinos de Jesus sobre as vidas sucessivas.

O Novo Testamento

O principal alvo de debates sobre a reencarnação no Novo Testamento está centralizado nas passagens que se referem a João Batista como sendo a reencarnação do profeta Elias. O tema é abordado três vezes nos Evangelhos. Vejamos. “A primeira, quando João está pregando no deserto e os sacerdotes e levitas chegam para interrogá-lo. Ele então nega ser Elias. Mas identifica-se como ‘a voz do que clama no deserto...’.” (6) No entanto, para os judeus essa “voz”, havia sido prevista pelo profeta Malaquias como sendo a “voz” do precursor do Messias, identificado como Elias.
Segundo Elizabeth, João, por certo, teve um bom motivo para responder dessa forma. Negou ser Elias para evitar reações das autoridades políticas e religiosas, que mais tarde o decapitaram, mas, ao mesmo tempo, confirmou “veladamente” a sua reencarnação para tranqüilizar seus seguidores.
Observamos que nas outras duas vezes em que a questão sobre Elias aparece, é o próprio Jesus a declarar que João era Elias que “retornara”. A primeira vez é quando João está na prisão e Jesus publicamente faz essa referência: “Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir.” (7)
Após a morte de João Batista, vamos encontrar a cena da transfiguração de Jesus no Monte Tabor. Quando Jesus se transfigura, então Elias e Moisés aparecem e falam com Jesus. Quando descem do monte, os discípulos perguntam-lhe: “Porque dizem os escribas que é necessário que Elias venha primeiro?”(8) Em outras palavras: “Se Elias deveria vir primeiro, como profeta, para preparar o caminho para a sua vinda, então por que ele aparece em seu corpo espiritual? O que está fazendo no ‘céu’ se ainda não o vimos na Terra?” Segundo a narrativa de Marcos, Jesus responde: “(...) Digo-vos, porém, que Elias já veio, e fizeram-lhe tudo o que quiseram, como dele está escrito.” Mateus apresenta a mesma história, acrescentando a seguinte frase: “Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista.” (9)
De acordo com Elizabeth, “os discípulos provavelmente entenderam que a declaração de Jesus: ‘fizeram-lhe tudo o que quiseram’ referia-se à decapitação de João, pelo rei Herodes Antipas.
Observando-se somente esses três relatos, é compreensível que o princípio da reencarnação fazia parte dos ensinos de Jesus, como um mecanismo natural da lei do progresso e da evolução.
Muitos estudiosos, contrários à idéia da pluralidade das existências, acreditam que a questão da reencarnação de Elias em João, e sua referência por Jesus, na verdade, teriam sido acrescentada pelos autores dos Evangelhos, ou mesmo, pelos tradutores. Se analisarmos essa questão do ponto de vista meramente histórico, realmente tornar-se-ia difícil chegar a uma conclusão absoluta e irretorquível. Primeiro, porque as fontes primárias não foram conservadas, e segundo, porque os autores dos Evangelhos não eram historiadores, mas pessoas com limitações naturais de conhecimento e que puderam conservar pela memória, e/ou pelas tradições orais, os ensinamentos morais que Jesus lhes havia depositado. As palavras do Cristo, disseminadas ao longo do tempo, foram transmitidas de boca em boca e, posteriormente, transcritas em diferentes épocas, muito tempo depois de sua morte.
Não obstante, a contribuição da Doutrina Espírita, nessa e em outras tantas questões, é realmente elucidativa. Allan Kardec em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no Cap. IV, após analisar as informações dos espíritos superiores encarregados de orientar a Codificação do espiritismo, reafirma:

“A idéia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam reviver na Terra se nos depara em muitas passagens dos Evangelhos (...). Se fosse errônea essa crença, Jesus não houvera deixado de a combater, como combateu tantas outras e a põe por princípio e como condição necessária, quando diz: ‘Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo.’ E insiste, acrescentando: Não te admires de que eu te haja dito ser preciso nasças de novo.”
Em “O Livro dos Espíritos” , questão 222, novamente afirmou: “Muitos repelem a idéia da reencarnação pelo só motivo de ela não lhes convir. (...) De alguns sabemos que saltam em fúria só com o pensarem que tenham de voltar à Terra.”

Os Alexandrinos

Retornando a nossa análise histórica, encontraremos Filon de Alexandria (20a.C.- 50d.C.), filósofo judeu e contemporâneo de Jesus, cujas idéias a respeito do objetivo da vida situava-se na própria integração com Deus através de sucessivas existências; teve um papel muito importante na combinação dos pensamentos grego e judaico. Filon e sua escola de pensamento davam uma interpretação alegórica ao Antigo Testamento, conferindo-lhe um significado simbólico. A reencarnação fazia parte de sua visão filosófica sobre a vida: “As (almas) que se deixam influenciar pelo desejo de uma vida mortal...retornam a ela” - escreveu ele. Filon viveu na cidade de Alexandria próximo do delta do Nilo, famosa por sua biblioteca e por ser um grande centro intelectual da época. Suas idéias influenciaram profundamente alguns patriarcas da igreja romana: Clemente de Alexandria, Orígenes e Ambrósio. Filon era um erudito que acreditava e ensinava que o ser humano pode chegar a Deus pela sabedoria e pela transcendência.
Segundo Elizabeth, Orígenes (185 a 254 d.C.),que viveu em Alexandria, ao estudar os textos de Filon, em conjunto com os clássicos gregos de Platão e Pitágoras, passou a associar a idéia da justiça divina com a idéia das vidas sucessivas, fazendo a seguinte indagação: “se as almas não existiam previamente, por que encontramos cegos de nascença que nunca pecaram, enquanto outros nascem sãos ?”. Logicamente chegava a conclusão que a situação atual da criatura humana é oriunda, também, de suas ações pretéritas de outras vidas:
“Se o nosso destino atual não fosse determinado pelas obras de nossas passadas existências, como poderia Deus ser justo, permitindo que o primogênito servisse o mais moço e fosse odiado, antes de haver praticado atos que merecessem a servidão e o ódio ? Só as vidas anteriores podem explicar a luta de Esaú e Jacó, (...) e outros tantos fatos que seriam o opróbrio da justiça divina, se não fossem justificados pelas ações boas ou más praticadas em anteriores existências.”(2)
A partir do século IV, no entanto, a idéia das vidas sucessivas que era naturalmente difundida, mexeria profundamente com as estruturas de interesse da igreja romana. Um padre chamado Ário que viveu de 250d.C. – 336d.C., nascido no líbano, ensinava que Jesus era filho de Deus; logo, Jesus teve um princípio. A proposta de Jesus seria nos ensinar como chegar a ele. Ário defendia que isso seria possível através de sucessivas existências físicas. As idéias arianistas* ensejaram o concílio de Nicéia, uma cidade a beira de um lago a sudeste de Constantinopla, em junho de 325. O ponto central dos debates era se Jesus havia sido criado ou não. Se houvera sido criado, conforme entendiam os arianistas, então o progresso poderia ser alcançado por nós se seguíssemos, simples e tão somente, os seus ensinamentos. Mas se ele não houvesse sido criado, sendo portanto igual a Deus, como desejavam os ortodoxos, seria totalmente distinto da criação. Nesse caso, a criatura humana para atingir a “salvação” dependeria exclusivamente da subserviência aos princípios da igreja romana. É claro que o concílio rejeitou a primeira idéia e aprovou a Segunda. Com isso as idéias de Ário tornaram-se heréticas e suas obras proibidas.

Anatematizando a Reencarnação

Orígenes, que havia concordado com Ário que o objetivo de Jesus era ensinar os seres humanos como atingir a divindade, discrepando dos ortodoxos literaristas, seria sistematicamente condenado em suas idéias entre os séculos V e VI. Justiniano (527-565 d.C.) imperador romano , por volta da primeira metade do século VI, tomou o partido dos antiorigenistas, promulgando um édito onde condenou dez princípios ensinados por Orígenes, inclusive a pluralidade das existências. No entanto, somente no ano 553, ao convocar o Quinto Concílio Geral da Igreja, o princípio da reencarnarção seria definitivamente abolido. Esse concílio incluía efetivamente o origenismo na lista dos movimento heréticos: “se alguém afirmar a fictícia preexistência das almas, afirmará a monstruosa restauração que dela decorre que seja anatematizado” (“Restauração” significa o retorno da alma à união com Deus).
Naturalmente a visão reencarnacionista ensejava , desde os seus primórdios, a concepção do ser humano ser autor de seu próprio destino e, portanto, dependeria somente do indivíduo e seu livre-arbítrio, lograr o progresso ou a “salvação”, e de mais ninguém. Evidentemente essa proposta desarticulava os interesses de supremacia político-religiosos da época. Tanto é verdade que Agostinho (354-430 d.C.) chegou a escrever uma carta ao Papa Inocêncio I, advertindo-o sobre a necessidade de condenar-se as idéias sobre as vidas sucessivas, sob pena da Igreja perder a sua própria autoridade. Logo, o princípio do esforço pessoal e não simplesmente a aceitação de regras impostas colidia diretamente com o “fora da igreja não há salvação”. Com a rejeição da reencarnação a Igreja teve que encontrar uma outra explicação para a ocorrência de fatos negativos a pessoas boas. Sem as ações passadas para explicar as diferenças entres os destinos, restou a igreja aceitar a doutrina do pecado original elaborada por Agostinho, que tornou-se o mais influente teólogo da igreja. Assim se expressa Elizabeth: “O pecado original também era um conceito atraente para os governantes seculares. Como a doutrina afirmava que o homem era naturalmente mau, ele seria, obviamente, incapaz de governar a si próprio. Assim, deveria obedecer os seus governantes (...). Certamente foi uma ideologia que servia às necessidades das classes dominantes da sociedade romana.”


Referências Bibliográficas

PROPHET, Elizabeth Clare. Reencarnação: o Elo Perdido do Cristianismo. 2ª ed.Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1998.
JÚNIOR, Medeiros Corrêia. Princípios e Fins do Espiritismo. Porto Alegre:
Globo S/A. 1954. Pág. 67.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Agosto/1862. Edicel. Pág. 234.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 100 ed. Feb. Cap. XV.
Itens: 8 à 10.
LOPEZ, Luiz Roberto. História da Inquisição. Porto Alegre. Mercado Aberto,
1993.
BIBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida. Imprensa Bíblica Brasileira, RJ, 26ª impressão,1972.
João. 1:23
Mateus. 11:13-14
Marcos. 9:11-12-13
Mateus. 17:13
DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo. 8ª edição. Feb. Cap. I e II.

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